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Neste breve capítulo analisaremos as definições sobre o jornalismo, os jornalistas e os intelectuais partilhadas pelos entrevistados. Nosso objetivo é entender como os jornalistas- intelectuais situam simbolicamente suas práticas em um conjunto de interpretações que explicam – ao menos em parte – as motivações subjacentes ao processo de negociação identitária.

Os conceitos apresentados aqui remetem simultaneamente a duas dimensões temporais: passado e futuro. Por um lado, resultam de um processo de confrontação dialética entre as definições estruturantes sobre os objetos e a forma como elas foram subjetivamente interiorizadas no decorrer da vida dessas pessoas. Assim, toda vez que um dos entrevistados faz referência ao ‘jornalismo’ aos ‘jornalistas’ e aos ‘intelectuais’, temos que ter em mente que tais palavras expressam uma série de presunções, adquirida em experiências anteriores com objetos semelhantes (Strauss, 1992). Por trás da aparente estabilidade dessas categorias, podemos afirmar que houve um longo processo de interiorização realizado a partir de situações interativas de todas as ordens, por meio dos quais os entrevistados vêem reiterando, adaptando e transformando suas interpretações sobre esses objetos.

Ao mesmo tempo, esses conceitos servem como ponto de partida para entendermos as motivações subjacentes às interações posteriores. Assim, quando no próximo capítulo um entrevistado se define como jornalista ou intelectual, temos em mente que se trata de uma definição previamente construída e exposta durante a conversa. Ela é ainda renegociada por ocasião do processo de apresentação de si, na relação com o pesquisador.

Por causa disso, parece fundamental situarmos primeiro o significado atribuído pelo entrevistado a essas categorias para, num segundo momento, compreendermos a forma como ele é articulado durante o processo interativo. Trata-se de uma forma inteligente de evitarmos que o pesquisador “contamine” a análise, definindo previamente a identidade do seu objeto a partir de seus vieses pessoais: “A situação do ator”, afirma Natanson (1967: XXXVI; XXXV) “é primariamente o seu problema, não o do observador científico99”; “sua ação significa algo

para ele bem como algo para mim, relacionado ao seu mundo bem como ao meu, e é em última instância ligada ao esquema interpretativo que ele criou para viver sua vida100”.

Dividiremos o capítulo em duas partes. Em um primeiro momento, serão tratadas das definições sobre o jornalismo, o jornalista e o seu papel na sociedade. Serão abordadas ainda as visões partilhadas sobre a ética e os discursos de legitimação profissional. Na segunda parte, trataremos dos conceitos de intelectual adotado, sua relação com as tipologias produzidas sobre a categoria e como os entrevistados situam, a seguir, a questão do jornalista- intelectual.

4.1 – O jornalismo como realidade construída101

Nesta primeira parte trataremos de algumas definições expressas pelos jornalistas- intelectuais sobre o objeto jornalismo. Como ponto de partida, situamos a atividade jornalística como um fenômeno que oscila entre uma dimensão técnica e mercadológica (a produção de informações para serem consumidas pelo público) e uma acepção humanística e romântica (Hallin, 1996; Marcondes Filho, 2000; Pereira, 2004) (ver também capítulo VII).

A literatura corrente (Lage, 1982; Marcondes Filho, 1986; Medina, 1988) explica que jornalismo nasce com a necessidade de transmitir informações de forma legível acessível ao grande público. Para isso, foi desenvolvido um conjunto de técnicas e procedimentos destinados a produzir o noticiário, seguindo padrões industriais e balizado por princípios como o da objetividade e da imparcialidade. “Dotado de uma competência técnica, fundada em saberes ensinados, o jornalismo se posiciona [discursivamente] como um métier certo, num domínio bem delimitado e com capacidades estabelecidas” (Ruellan, 1992 27). Assim, o jornalismo se converteu quase que num sinônimo das práticas de reportagem, edição, copidescagem e diagramação. O jornalista, por sua vez, seria o profissional envolvido nessas operações102. Para Juarez Bahia (1990: 20; 35) “A missão do jornalismo se confunde com a natureza da informação. Sua prioridade básica é difundir notícias”; “Notícia é a base do jornalismo, seu objetivo e seu fim”.

Quando observada a partir do material analisado, essa definição, que enfatiza a centralidade da informação como objeto de definição do jornalismo, é de alguma forma,

100 Tradução do autor de: “his action mean something to him as well to me, related to his world as well as mine, and are ultimately rooted in the interpretative schema that he has created for living his life”.

101 Um ensaio de caráter teórico sobre o assunto foi publicado pelo autor em: PEREIRA, F. H. Jornalismo e Construtivismo: a atividade como realidade socialmente construída. Revista PJ:Br (São Paulo), v. 5, p. 5, 2007. 102 A título de ilustração, ver Decreto Lei 972/69 que trata sobre o registro profissional e delimita as áreas de atuação do jornalista.

aceita por praticamente todos os entrevistados, como o mostra os depoimentos de Alberto Dines, Adísia Sá, Carlos Chagas, Carlos Heitor Cony e Raimundo Pereira:

Alberto Dines: Acho que a imparcialidade não existe, mas você não pode se

esquecer de que hoje a imprensa exerce um papel político e que deve tentar a isenção. Para isso, o importante é criar um conjunto de opiniões diversificadas. Um jornal deve apresentar estas opiniões e assumir na hora H. Para isso serve o editorial. Agora, quando começa a se manifestar na manipulação da informação, numa manchete carregada para um lado ou para outro, aí eu acho calhorda (apud, Grizzo Filho & Schor, 2007b: 03)

Adísia Sá: Desde as Actas romanas, você tinha que transmitir o fato (...). É

essa a natureza do jornalismo. Pode mudar a técnica, pode mudar o lugar, a forma de apresentação, a ilustração, tudo você pode fazer, mas tem que ter o fato (Entrevista ao autor).

Carlos Chagas: Formadores coisa nenhuma, nós somos informadores, quem

se forma é a própria sociedade. A imprensa deve apenas informar e também prestar serviços, servir para a publicidade e tudo. Mas a função principal da mídia é informar a sociedade (...) A imprensa perdeu um pouco o senso de que era um serviço da sociedade, para informar a sociedade, para passar a ser delegado, juiz, promotor, carrasco. Isso aconteceu realmente. E ainda acontece um pouco (Entrevista ao autor – grifo corresponde à ênfase dada à palavra “informadores” pelo entrevistado).

Carlos Heitor Cony: O jornal, na realidade, tem de ser feito basicamente de

jornalistas, ou seja, de reportagens mesmo. É ir lá no lugar, é cobrir as coisas, dar o furo, a luta pelo a furo, a abordagem dos fatos, a hierarquia dos fatos. Raimundo Pereira: O jornalismo é escolha de fatos para serem divulgados,

claro que apuração precisa dos fatos, os fatos existem concretamente. Tem gente que é muito niilista e acha que tudo pode ser feito na imaginação, eu sou dos que acreditam que a verdade é concreta. (Pereira, 2006a: 02).

Sem rejeitar totalmente o discurso sobre a centralidade da informação, a deontologia profissional associada a ela e os avanços obtidos com o desenvolvimento da reportagem objetiva, os entrevistados, de modo geral, buscam atribuir à sua atividade um status diferenciado, essencial ao funcionamento da sociedade. Assim, “inúmeros jornalistas vivem seu métier como uma missão ao serviço do público a quem eles trazem informações úteis. Ser jornalista é ser o ‘mediador’ que torna visível a vida social, o ‘pedagogo’ e o ‘organizador’

que funcionam como iluminadores em meio ao caos dos eventos103” (Neveu, 2001: 19). Não se trata do jornalismo opinativo, político-partiário do início do século XX, mas da ambivalência discursiva apontada por Ruellan (1992; 1993; 1994; ver capítulo I), em que o jornalista reconhece, ao mesmo tempo, a competência técnica e a filiação intelectual da sua atividade.

É interessante verificar como os indivíduos que integram esta pesquisa resolvem essa aparente ambigüidade. Usando os conceitos de Ringoot & Utard (2005), podemos dizer que os entrevistados partem de um discurso que reifica uma unidade do ponto de vista do objeto jornalístico (a informação), atribuindo-lhes distinções no âmbito das enunciações e dos conceitos. Ou seja, o jornalista deve informar, mas como? E para quê? De certa forma, a definição interiorizada passa obrigatoriamente por essa questão. Para eles, dizer o que é o jornalismo também significa dizer, como ele deve ser feito e, sobretudo, para que ele serve. Ao responderem essa questão, os entrevistados articulam diferentes dimensões que compõem a sua prática: questão da técnica e do serviço público, os princípios éticos e deontológicos, o seu caráter cultural e político.

Assim, nas falas dos jornalistas-intelectuais, observamos como eles definem seu profissionalismo a partir de uma competência técnica, mas sempre recorrendo a um “espírito de missão”, à idéia de estar “sempre alerta” nas palavras de Ribeiro (1994) – uma disponibilidade, uma entrega à profissão que não se limita ao trabalho nas redações. Zuenir Ventura, por exemplo, acredita que “o jornalismo é (...) quase que uma segunda pele, é

alguma coisa que entranha em você de tal maneira que está sempre presente, ou seja, a curiosidade, o interesse, pelas coisas, pelo detalhe” (Entrevista ao autor). Da mesma forma Alberto Dines afirma os jornalistas devem servir ao publico em tempo integral. “É, eu diria,

até cansativo, porque você está alerta o tempo todo, mas é extremamente gratificante, porque você está se enriquecendo, não está vivendo resignadamente. Por isso é que eu digo: jornalismo é um estado de espírito, é uma atitude de vida, que passa a ser segunda natureza

(Dines,2003: 156).

No processo de construção de uma definição do jornalismo, pode-se eventualmente associá-lo à prática pedagógica. A informação deixaria, assim, de ser reduzida a um mero produto. Mesmo que ela seja resultado de uma competência técnica, é no seu tratamento, por meio da intervenção intelectual do jornalista, que ela ganha uma nova dimensão e passa a

103 Tradução do autor de: “Nombres de journalistes vivent leur métier comme une mission au service du public a qui ils apportent des informations utiles. Être journaliste, c’est être de ‘médiateur’ qui rend visible la vie sociale, le ‘pédagogue’ et ‘l’ordinateur’ qui mettent de la clarté dans le chaos des événements”.

participar do processo de formação do público, da sociedade, em consonância com o discurso funcionalista sobre essa atividade: “A imprensa tem obrigação de educar o público a partir do mesmo da finalidade de ajudar os leitores a distinguir o que é importante ou não é, no labirinto de informação” (Bahia, 1990: 27). Essa função potencial do jornalismo como instrumento de elevação do público serve como substrato a diferentes elaborações teóricas (Genro Filho, 1987; Gramsci, 1979; Medina, 1982; Neveu, 2001) e está presente, de uma maneira particular, na visão de mundo de alguns dos entrevistados:

Alberto Dines: [O jornalismo é] um serviço público, tem compromissos com a

sociedade, com a educação (apud, Grizzo Filho & Schor, 2007b: 03)

Mino Carta: O jornalista deveria ser a pessoa que ensina a sociedade a

pensar, que lhe dá elementos para pensar. (...) Para isso, a imprensa precisa ser muito mais equilibrada, as pessoas menos partidarizadas – politizadas, sim – para que mesmo uma coluna opinada fosse mais abrangente, e não o reflexo de uma posição política (Carta, 2003: 156).

[A função do jornalismo é] contribuir para a formação do cidadão, sem a

pretensão de ser um mestre. Quem não entrar nessa parada com esse senso de responsabilidade, com esse compromisso moral, não deve ser jornalista (Carta, 2003: 207-208).

Flávio Tavares: A imprensa tem que te acrescentar (...) Tem que acrescentar

alguma coisa, hoje, depois de ver o jornal, eu sei mais do que ontem. Senão, não adianta.

Porque se a imprensa não for para melhorar a convivência com os cidadãos, não vale para nada. (Entrevista ao autor)

Raimundo Pereira: Nós temos que ter como centro a questão da política e da

economia procurando o leitor que está buscando uma superação. (…) A questão da democratização mais avançada supõe que um órgão de imprensa do movimento popular seja também um instrumento de ajudar a pessoa a perceber que uma imprensa de padrão mais elevado é um jeito de ele próprio melhorar, evoluir nos diversos níveis em que a pessoa precisa evoluir. Essa é uma condição que a gente tem que ter clara porque senão você tem ilusões, você acha fórmulas para se contrapor à imprensa da burguesia, fazendo alguma coisa que não é muito diferente (Entrevista ao autor).

Na mesma linha, pode-se dizer que o domínio da técnica e o respeito à ética só se realizam plenamente quando se articulam em uma instância superior: o desempenho da função social do jornalismo. A natureza da prática jornalística estaria, de fato, calcada na idéia de que ele serve à sociedade. Por isso, o compromisso com o público deve servir inclusive

como uma base para se pensar a ética profissional. Na verdade, o público é visto como uma instância de legitimação dos jornalistas, que se coloca como um representante de uma coletividade idealizada (ver capítulo VI). No caso, por exemplo, de Raimundo Pereira, essa visão implica em estabelecer uma relação quase orgânica entre a imprensa e seus leitores: “A

imprensa precisa estar sintonizada com as necessidades e aspirações do povo sofrido, porque onde há opressão, como existe no Brasil, sempre tem de haver resistência e luta. Pode passar uns tempos sem, mas tem de haver [luta], porque esse movimento pode ser determinante na mudança” (Gonçalves & Veloso, 2007: ver segunda parte deste capítulo).

Contudo, a articulação entre a função social do jornalismo, sua dimensão técnica e a ética profissional é ainda mais complexa. De fato, o interesse público aparece como instância de legitimação do estatuto do jornalista na sociedade. Paradoxalmente, mesmo quando invocada em nome da competência técnica ou do interesse público, a prática jornalística deve ser exercida dentro dos limites da dentologia profissional:

Adísia Sá: Esse respeito ao fato, à intocabilidade, à imutabilidade do fato, se

você não tiver essa visão, você falseia o jornalismo. Se você usa artifícios para criar um fato, você foge aos ditames do jornalismo. O que importa é o fato, ele está ali. Você tem que respeitar (...) Muitas vezes, você pode dar uma informação falsa porque você quis alterar aquele fato, quis mexer, manusear o fato. E não pode manusear (Entrevista ao autor).

Carlos Chagas: A gente tem que tomar muito cuidado, a imprensa hoje, ao

afirmar uma coisa que pode denegrir a honra de um cidadão, que dali a uma semana você vai ver que ele não tinha nada com isso, que era inocente, mas a honra do cara, o nome do cara está perdido para sempre. Então, tenho que apurar a matéria (...). E, às vezes, publicam-se matérias, informações sem a devida apuração. Isso é um mal muito grande na imprensa. Isso tem que ser corrigido – daqui a uns 200 anos, talvez seja (Entrevista ao autor).

Carlos Heitor Cony: O ser humano tem obrigação de ser ético, seja um

lixeiro, o presidente ou um jornalista. Em nome da exclusividade, do furo, em nome da prioridade e da informação privilegiada que é sempre ilegal, comete- se vários crimes do ponto de vista ético (Cony, 2000a: 01).

Discordo muito do jornalismo invasivo, seja no texto ou nas imagens. Particularmente, acredito que no jornalismo, como em qualquer outra profissão, deve haver não apenas ética, mas também a boa educação. Isso vale para o padre, o jogador de futebol, o presidente da República e até mesmo para o lixeiro. Se uma pessoa declara que não quer falar, ser fotografada ou filmada, seu desejo deve ser respeitado independente de ser o maior criminoso do mundo ou um santo. Não se pode violentar as pessoas em nome de um pretenso interesse público (Cony, 1997: 01).

Mino Carta: Quando a verdade é omitida, ou falseada, nem se fala quando é

encoberta pela mentira, ela soçobra como um barco furado e jamais será recuperada. Falo é da verdade factual e não das mil verdades que cada um carrega. A verdade factual é uma só (Carta, 2000b: 212).

[Sobre o que é ser jornalista]: É algo muito simples e complexo. O primeiro

ponto nessa história está no senso de responsabilidade. O jornalista tem uma responsabilidade muito grande. Isso não o torna uma personagem especial. (...). Mas, ao mesmo tempo, sempre com esse distanciamento crítico, em relação a si próprio, o jornalista tem que ter consciência da sua responsabilidade. Ele presta um serviço público, um serviço que pode ter efeitos muito profundos e muito graves. Dentro desse senso de responsabilidade cabe a idéia de que a tarefa do jornalista é elevar o leitor, iluminar o leitor (Carta, 2003: 207-208).

Raimundo Pereira: Investigar não é dar curso a qualquer denúncia porque as

denúncias podem ser falsas. Não tem nenhum mérito em você divulgar denúncias falsas. Só porque você tem uma origem para a denúncia. A denúncia tem que ser pesada pelos jornalistas. Ele tem responsabilidade por aquilo que ele denuncia, através de outras pessoas, se o sujeito é um falsário, se o sujeito está apenas querendo comprometer uma situação, se o sujeito está construindo uma história política (Pereira, 2006e, s.p.).

Zuenir Ventura: O jornalista irresponsável não será menos irresponsável por

ser jornalista. Ao contrário, o jornalista leviano é tão nocivo ao jornalismo quanto um censor conseqüente. Com uma vantagem para este último: em nenhum momento ele finge servir à imprensa (Ventura, 2007: 01).

Podemos alcançar uma excelente técnica, podemos modernizá-la; devemos perseguir uma invejável estética, devemos embelezá-la; mas não devemos, não podemos suprimir a ética ou cancelar a responsabilidade social. Se não formos orientados por uma inatacável ética, a sociedade continuará desconfiando de nós. Há os que dizem que o jornalismo, por ser um ofício e uma técnica, não precisa de ética, ou que a ética é também uma questão de mercado. Sabe-se até onde isso pode chegar. O século XX nos ensinou que a técnica sem o controle da ética pode levar aos piores crimes. De bons técnicos Hitler estava cheio, e Stálin também (Ventura, 2007: 01-02).

As três dimensões aparecem, portanto, como indissociáveis em qualquer definição da atividade profissional. Uma boa técnica implica respeitar a veracidade dos fatos (dimensão ética), mas também a forma como o jornalista deve escolher e trabalhar informações que sejam relevantes do ponto de vista do interesse público (função social). Da mesma forma, a deontologia da profissão exige o uso de técnicas que permitam ao jornalista capturar a realidade da forma mais objetiva possível. Esse processo, contudo, deve ser feito com

responsabilidade, sem incorrer em sensacionalismos e sem denegrir a imagem do cidadão. Podemos ilustrar essa associação recorrendo a uma espécie de décalogo (de nove ítens) que Bill Kovach e Tom Rosenstiel (2003: 22-23) estabelecem como os Elementos do Jornalismo:

A primeira obrigação do jornalismo é a verdade. 2. Sua primeira lealdade é com os cidadãos. 3. Sua essência é a disciplina da verificação. 4. Seus profissionais devem ser independentes dos acontecimentos e das pessoas sobre as que informam. 5. Deve servir como um vigilante independente do poder. 6. Deve outorgar um lugar de respeito às críticas públicas e ao compromisso. 7. Tem de se esforçar para transformar o importante em algo interessante e oportuno. 8. Deve acompanhar as notícias tanto de forma exaustiva como proporcionada. 9. Seus profissionais devem ter direito de exercer o que lhes diz a consciência.

Concluímos que, apesar da ocorrência de algumas nuances nas respostas coletadas, existe uma proximidade entre o discurso sobre o jornalismo emitido pelos entrevistados e as definições funcionalistas sobre essa atividade. Tal de correspondência não surpreende porque evidencia a força do profissionalismo como principal componente estruturante e organizador da construção de uma visão de mundo entre os jornalistas de modo geral. Como ficou implícito na nossa análise, esse discurso tem uma dupla utilidade: suprimir as contradições que aparecem entre as diferentes formas de conceber o jornalismo e legitimar socialmente a profissão (Ruellan, 1993). Trata-se, portanto, de convenções que visam definir o que seria o âmago do mundo dos jornalistas. No caso desta pesquisa, essa visão idealizada e legitimadora do jornalismo será constantemente retomada e confrontada quando analisarmos o processo de inserção dos entrevistados nesse mundo social.

4.1.1 – As exceções

O fato de encontrarmos analogias entre a ideologia profissional dos jornalistas- intelectuais e o discurso sobre a profissão veiculado por outros autores, mostra a relativa estabilidade dessa visão de mundo dentro do grupo de jornalistas-intelectuais. Dois jornalistas, contudo, não compartilham dessas generalizações. O primeiro é Carlos Heitor Cony. Ele se recusa a atribuir ao jornalismo uma função política, pedagógica ou intelectual (ver seção 4.2.2). Para ele, a definição dessa atividade se limita a sua dimensão técnica. Nesse caso, ele busca distinguir os profissionais que desempenham atividades ligadas a essa natureza do jornalismo, daqueles que aparecem no jornal sob outros estatutos, sobretudo o de escritor/cronista:

Quando se fala profissionalmente, o jornalista é aquele que é pautado, ou seja, recebe a pauta e apura. Ele chega na redação e o editor cobra.

(Entrevista ao autor).

Mas tem uma diferença entre o que é o repórter por excelência, que é uma pessoa que vai cobrir o geral, e o que todo o mundo acha é o grande jornalista, que é o articulista, o colunista...

Mas aí é deformação (...) Eu sei que há pessoas que dizem, por exemplo, “O grande jornalista é Fulano de Tal”. (...) Eu acredito que haja pessoas que compram o jornal para ler determiandos colunistas (...). Mas não é a

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