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As diferentes acepções de lugar – globalização e experiência

3 LUGAR EM PERSPECTIVA

3.1 As diferentes acepções de lugar – globalização e experiência

Muitas são as acepções e locuções sobre a palavra lugar na geografia. A palavra originalmente provém do grego tópos, particularizada em alguns estudos por topo, como os estudos sobre topografia9, os quais revelam as descrições de lugares. As derivações do seu significado nem sempre refletem sua real importância, ao passo que indicam uma conotação genérica e superficial dos sentidos da palavra e recorre a termos, tais como local, espaço, território e paisagem de forma similar ou equivalente (CABRAL, 2007). Essas terminologias expressam níveis de abstração e possibilidades analíticas diversas e complementares, muito embora não demonstrem um sentido único e definitivo. A tendência de generalização reduz o valor e o reconhecimento de que cada um desses termos deve ser utilizado para identificar e interpretar noções distintas da realidade socioespacial (CABRAL, 2007).

A reflexão sobre o lugar pode ser um recurso analítico necessário para à compreensão das novas configurações do mundo contemporâneo (CABRAL, 2007). Com base nessa proposição, novas interpretações tentam compreender o lugar como uma influência direta no cotidiano do ser humano (RELPH, 1980; TUAN, 1980; 1983), como um potencial de questionamento e complementação das definições mais tradicionais (BARTOLY, 2011; FERREIRA, 2000) e explicação para muitos fatos aparentemente opostos e paradoxais (MENEZES, 2000). Pensar as sociedades e organizações em proximidade dessa temática é um desafio para os estudos organizacionais que, por meio de reposicionamentos dos conceitos provenientes da geografia, deve buscar o desenvolvimento de trabalhos que contribuam para melhor compreensão das suas relações no contexto das organizações.

9 Na presente pesquisa não objetivei analisar os lugares segundo a ciência topográfica, pela qual se pretende a descrição

de um lugar pelo estudo dos acidentes geográficos, situações, superfícies, localizações na Terra, junto a outros corpos astronômicos, para determinações de medidas de área, perímetro, orientação, variações de relevo ou representação gráfica; considerada um instrumento importante, a topografia se aplica a pequenas áreas e também é utilizada para caracterização de intensidades sísmicas (LOCH; CORDINI, 2000). A topografia que por ora me aproprio se aplica como termo linguístico geral que faz referência às descrições dos lugares de pesquisa, segundo as categorias topofílicas, topofóbicas, topocídicas e demais discussões que aproximam os temas identidade e lugar, como os sociais, físicos e autobiográficos, incluindo nuances históricas.

Na teoria organizacional, o lugar foi abordado por Spink (2001) como um horizonte de ligações e produção de sentidos. A temática demonstra um potencial de compreensão para a análise do fenômeno organizacional, embora tão pouco seja explorada por outros estudiosos dessa vertente da área de Administração. Nessa abordagem, frequentemente se vê estudos que tratam o lugar de modo instrumental, por meio da noção de local como elemento constitutivo de uma simples hierarquização de espaços (local, regional, nacional, global), o qual reifica seu significado, colocando-o em segundo plano ou em uma simples lógica de ordenação de espaço, sempre subordinado a algo maior (SPINK, 2001).

Talvez, essa constituição seja proveniente das concepções geográficas mais tradicionais que, geralmente, tratam o lugar como referência locacional. Segundo Holzer (1999) e Bartoly (2011), o conceito empregado tradicionalmente, geralmente, é tratado como um substantivo comum ou uma simples palavra, sinônimo de local. Todavia, lugar e local têm conotações diferentes e, segundo Spink (2001), há muitos lugares em um único local. De acordo com Relph (1980), o lugar é culturalmente definido; já o local é uma qualidade incidental do lugar. Para esse autor, o lugar não é só o onde, ele contém o local, mas vai muito além. A fim de evitar a reificação do termo, considero, assim como Spink (2001, p. 17) que “[...] um lugar leva a outro.

Todo e tudo se encontram no lugar”. Ainda, segundo Santos (2002), para apreender uma nova

realidade do conceito é preciso ir além de um tratamento localista, dado que o mundo está em toda parte.

A compreensão de Santos (2002) sobre o local a partir de uma referência global amplia uma visão simplista do lugar como localização. Bartoly (2011) explica as diferentes correntes de pensamento que estudam o lugar no campo da geografia e defende que há uma sobreposição entre os próprios conceitos de lugar, além de uma confusão entre o termo e as demais categorias espaciais. Para esse autor, existem alguns aspectos do lugar em aproximação da realidade global que somente podem ser considerados na expressão de uma realidade maior e externa, a qual permite sua individualização e diferenciação dos demais lugares. Essa observação constitui uma visão diferente do lugar e o singulariza, ainda que o mesmo seja a expressão da influência global no local.

Há, assim, uma necessidade de entender o lugar a partir da importância do processo de globalização como perspectiva. Segundo Menezes (2000), a hegemonia capitalista e a globalização são bons pontos de partida para estudar as dinâmicas socioespaciais. Para Santos

(1988), a globalização tem sido posta como pano de fundo e base das reflexões sobre as articulações sociais. A lógica relativiza e combina discussões opostas e paradoxais, como o debate entre o global e o local em uma articulação das racionalidades externa e interna. A relação entre o local e o global, segundo Menezes (2000), é mais compreendida na sua conexão com o lugar, que nesse ângulo é o locus de observação dos fenômenos que constituem a realidade. De acordo com Santos (2002), o sentido de lugar ligado à dialética global/local não pode ser considerado como passivo, mas globalmente ativo, sendo assim socialmente construído. Ao defender a articulação do local ao global, Menezes (2000) indica a importância das transformações ou remodelações espaciais e consequente alteração da percepção dos lugares. Para o autor, existe uma contiguidade e complementaridade entre essas duas dimensões e é nesse sentido que a expressão global se singulariza no local, representando mais uma esfera objetiva e material.

Ainda sobre o conceito de lugar, existe uma confusão entre suas definições e as noções de espaço, o qual se define por suas características físicas, concretas, materiais e substantivas; preocupa-se com a lógica de distribuição dos objetos, bem como com as ações sociais. Para Santos (2002), o espaço trata de sistemas de objetos e ações, sendo constituído de formas e conteúdos que só existem em relação aos usos e significados que lhes são atribuídos.

Corroborando essa visão, Cabral (2007, p. 145) defende que “o espaço em si pode ser

primordialmente dado, mas sua organização e sentido são produtos da transformação e

experiência sociais”. Nesse sentido, afastando a semelhança entre as duas definições, Tuan (1983, p. 6) afirma que “o espaço transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”.

Para Bartoly (2011), a noção errônea provém do aspecto dimensional, sobre o qual o lugar é considerado um espaço menor, restrito a alguns indivíduos. Isso também remete ao sentido cartográfico do termo, ligado à posição de alguém no espaço, e à pressuposição de escalas. Segundo Bartoly (2011, p. 71),

ao partirmos do pressuposto de que o conceito de lugar se define e/ou trata, necessariamente, de fenômenos em pequena escala, restringimos suas possibilidades de reflexão e aplicação. Ao mesmo tempo, também estamos considerando que a subjetividade e a capacidade de envolvimento do indivíduo com determinada porção do espaço possui uma variação mínima em termos de amplitude, como se conseguíssemos medir a intensidade escalar desses sentimentos, como se todos

identidade e o sentido do lugar não fossem parte de uma relação mutável, estabelecida especialmente pela intencionalidade do indivíduo.

Essa seria uma conotação que aproxima o lugar da compreensão de experiências, sentido, conhecimento e identidade. O espaço indiferenciado passa a ser lugar por meio da experiência, do reconhecimento de referenciais de localização e da vivência com o outro; a construção de lembranças e significados e a sensação de pertencimento acontecem independentes do tamanho da área, mas pode se relacionar à rua, ao bairro, ao estado ou à nação (BARTOLY 2011). Assim, o lugar é concebido quando o espaço se torna familiar (TUAN, 1983), sendo uma dimensão relativa para cada indivíduo, que determina sua medida do espaço de acordo com seus referenciais, sua vivência e experiência. As identificações, sensações e os reconhecimentos espaciais produzem lugares com diferentes escalas, mas conservam o cerne do conceito (RELPH, 1980).

Da mesma forma que espaço e lugar são definições próximas com significados diferenciados, os significados de lugar, paisagem e território podem indicar o mesmo desvio em suas conotações. A paisagem se constitui em uma maneira de compor, ver e harmonizar o mundo externo; é uma unidade visual; uma cena limitada apreendida pelo olhar (COSGROVE, 2004). Segundo esse autor, o processo perceptivo que captura uma paisagem não se limita à visão, mas organiza e também atribui sentido à imagem, significando-a e construindo-a em uma multiplicidade de leituras individuais e coletivas. Em proximidade ao lugar, o significado de paisagem demonstra sua limitação a uma dada cena, não constituindo necessariamente um lugar, mesmo sendo dotada de sentido pela percepção.

O conceito de território, por sua vez, indica o uso, a produção e apropriação dos espaços pelo ser humano, refletindo, ainda, o poder e o controle sobre esses espaços. Para Raffestin (1993), o território é um espaço mobilizado, elemento decisivo para as relações de poder. De acordo com o autor, os territórios não possuem uma dimensão espacial temporal e fixa. Além dessa característica, um mesmo território pode ser ocupado simultaneamente pelos mesmos agentes.

Contemporaneamente, o termo é considerado um “campo de forças, são antes teias ou redes de

relações sociais projetadas no espaço do que o substrato material em si, e não há necessidade

de forte enraizamento material para que se tenha território” (CABRAL, 2007, p. 152).

Em se tratando das aproximações dos termos, Cabral (2007) orienta que é preciso evitar uma conotação genérica e abstrata. Para tanto, o autor denota que o espaço deve ser analisado como

resultado de processos materiais e significação; já o lugar como compreensão da espacialidade humana em que pese às singularidades de formas, atividades, significados e valores; sobre a paisagem, o autor defende que sua análise deve passar pelos aspectos visuais ou cênicos; quanto ao território, as relações de poder referenciadas ao controle é que devem ocupar o cerne da análise. Em todas essas diferenciações, o que se destaca é a relação dos termos com a existência humana, sendo essa o fator primordial para entendimento de cada uma das categorias geográficas (CABRAL, 2007).

Voltando à discussão específica sobre os lugares, apreendo, como Spink (2001), sua ressignificação e incidência em diferentes produtos sociais com graus diferentes de intermediação ou uma teia de sentidos e de experiências. Todavia, um ambiente de generalizações, como proporcionado contemporaneamente pela globalização, implica um

continuum de transformações da realidade e, consequentemente, ressignificações do lugar pelo

indivíduo. Assim, uma nova realidade pressupõe novas formas de pensar o lugar e remete reflexões do conceito por meio de uma corrente mais recente que, segundo Ferreira (2000), promove uma integração das definições já desenvolvidas e, assim, abre diferentes perspectivas de avanço do conceito.

Os debates e as novas perspectivas do conceito de lugar na geografia são apresentados por Bartoly (2011), que defende a integração e complementação das dimensões já propostas e, como resultado, a definição de lugar segundo uma dimensão material e outra abstrata. A dimensão material do lugar corresponde à localização dos objetos e sua distribuição no espaço, além da sua relação com a totalidade (BARTOLY, 2011). Acerca da dimensão abstrata, o autor relata que ao lugar são atribuídos símbolos e significados pelos indivíduos, os quais dão sentido à distribuição tanto de objetos como de pessoas no espaço. Nesse sentido, também pontuo, assim como Menezes (2000), que a melhor compreensão do conceito de lugar é conferida a partir de sua perspectiva relacional, que objetiva a realidade em uma abordagem que o considera uma categoria socioespacial, com dimensões simbólicas, abstratas e concretas.

Ao referenciar os principais termos com os quais o lugar se relaciona, procurei apreender seu desenvolvimento enquanto conceito. Isso, no entanto, não se garante como consenso entre os estudiosos do tema que, por meio de diferentes correntes de pensamento, orientam o entendimento acerca do lugar de acordo com aspectos distintos, porém capazes de responder a questões e discussões mais contemporâneas, sem perder de vista o indivíduo, quem

verdadeiramente lhe confere sentido. Conhecer a complexidade de cada uma dessas abordagens se faz, então, relevante para melhor compreensão do arcabouço teórico sobre a temática e apresentação do posicionamento teórico-metodológico que se pretende adotar nesta pesquisa.