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As diferentes manifestações da violência e sua interface com o setor saúde

4. REVISÃO DE LITERATURA

4.2. As diferentes manifestações da violência e sua interface com o setor saúde

Para Minayo e Souza (2011) qualquer reflexão teórico-metodológica sobre a violência pressupõe o reconhecimento de sua complexidade, polissemia e controvérsia, tornando- se premente compreendermos que, ao ser perpetrada por indivíduos, grupos e/ou instituições, ela se manifesta de múltiplas maneiras, inclusive as dissimuladas e ideologizadas, assumindo diferentes papéis sociais, sendo desigualmente distribuída, culturalmente delimitada e reveladora das contradições e formas de dominação.

Estudos científicos da área da saúde apontam pelo menos três correntes que buscam explicar a violência. De um lado, estão os que sustentam a idéia de que ela é resultante de necessidades biológicas. De outro lado, há autores que a explicam a partir, exclusivamente, do arbítrio dos sujeitos, como se os resultados socialmente visíveis dependessem da soma dos comportamentos individuais, ou se a violência fosse resultante de doença mental ou estivesse vinculada a determinadas concepções morais e religiosas; e, em terceiro lugar, existem alguns que tratam o âmbito social como o ambiente dominante na produção e na vitimização da violência, onde tomam corpo e se transformam os fatores biológicos e emocionais (MINAYO, 2005).

Cada vez mais o fenômeno da violência interessa ao estado, (instância promotora de políticas públicas que, deveriam orientar e arbitrar de forma justa as tensões sociais, promovendo a igualdade e a elevação da qualidade de vida entre os cidadãos, entretanto, organizam seu foco de forma a favorecer a inserção do país na economia mundial, privilegiando o mercado em detrimento da sociedade civil), Minayo e Souza (2011) acreditam inclusive, que este interesse é resultante de gastos financeiros diretos e indiretos que ela despende em todos os setores como saúde, social e educacional, estes últimos evidenciados principalmente através da ausência de trabalhadores e estudantes em dias ativos.

Minayo (2006) enfatiza que, por muito tempo o fenômeno da violência não estava contemplado no setor saúde, mas constituía-se como objeto exclusivo da segurança pública, sendo incorporado neste setor, somente na década de 90, quando o problema começou a responder pela segunda principal causa de morte em todas as faixas etárias.

Com a percepção da gravidade do fenômeno nas Américas, a Organização Pan- Americana da Saúde (OPAS), a partir de 1993, recomendou, insistentemente, aos países membros que incluíssem o tema na sua agenda de intervenção. A posteriore, convencidos que tal problema ultrapassava os limites latinoamericanos, foi a vez da Organização Mundial de Saúde dedicar-lhe atenção na Assembléia Mundial de Saúde em 1997, resultando quatro anos mais tarde, na publicação de um extenso informe denominado Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, dissertando uma reflexão na área, acerca de responsabilidade específica e setorial (KRUG

et al., 2002).

Assim, outras tentativas de inibir ações de violência, sugeriram a elaboração de novas políticas públicas voltadas para a questão, que se consolidaram em 2001, graças a Portaria Ministerial nº 737 MS/GM, publicada no Diário Oficial da União nº 96, seção 1 de 18/05/01, a qual estabelece a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências – PNRMAV- (BRASIL, 2002b; MIANAYO; DESLANDES, 2009).

Esta política, suscitada para reduzir a morbimortalidade de acidentes e violências, constitui-se em um instrumento orientador do setor saúde, ao passo que estabeleceu diretrizes e responsabilidades institucionais, nas quais estão contempladas e valorizadas medidas inerentes à promoção da saúde e à prevenção desses eventos, mediante o esclarecimento de processos de articulação com distintos segmentos da sociedade civil.

Para melhor elucidação do conceito de violência adotado em presente política apresenta-se a seguir sua definição conforme Minayo e Souza, (1998 apud BRASIL, 2001 p.3):

[...] o evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes, nações, que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e ou espirituais a si próprio ou a outros. Nesse sentido, apresenta profundos enraizamentos nas estruturas sociais, econômicas e políticas, bem como nas consciências individuais, numa relação dinâmica entre os envolvidos.

Frente a este contexto, a OMS considera as diversas formas de expressão da violência variantes e influenciáveis de acordo com as características socioculturais sobre o problema, apresentando sete manifestações da violência, (Violência Física, Violência Psicológica, Negligência, Violência Sexual, Exploração, Violência Institucional e Violência Social) contidas em três tipologias da mesma, a saber: Violência dirigida contra si mesmo – Também chamada de autoinfligida caracteriza-se por comportamentos suicidas e autoabusos (agressões a si próprio e as auto mutilações ; violência interpessoal – contempla a violência Intrafamiliar (aquela que ocorre entre os parceiros íntimos, entre os membros da família ou aqueles que assumem função parental, principalmente no ambiente da casa, mas não restrito a ele) e a violência comunitária (aquela que ocorre no ambiente social em geral) e a violência coletiva – entendendo esta como os atos violentos que acontecem nos âmbitos macrossociais, políticos e econômicos e caracterizam a dominação de grupos e do Estado (BRASIL, 2005).

Quanto as diferentes manifestações Schraiber et al. (2002) apontam a violência física como a mais conhecida e muitas vezes tolerada pela sociedade, já que apresenta tênue limite entre a “correção pedagógica” e o ato de violação do direito humano, consiste em qualquer agressão física que prejudique a integridade e a saúde física da vítima (tapas, socos, chutes, empurrões, ferimentos provocados, etc...) (BRASIL, 2005). Logo em seguida, temos a violência psicológica ou emocional, descrita por Moraes (2011) como a mais silenciosa das violências, esta, ocorre quando o agressor deprecia a vítima, bloqueando seus esforços de sucesso ou autoaceitação causando danos, muitas vezes, irreversíveis para saúde mental dos acometidos.

Avançando, vem a negligência, que, para Costa5 et al. (2007) é o tipo de violência a alcançar maior denúncia dentro da sociedade, definida como ato ou omissão no prover das

5 Autores que conduziram um importante estudo de corte transversal com dados secundários dos registros de

ocorrência das vítimas de violência (crianças e adolescentes) nos Conselhos Tutelares I e II de Feira de Santana, Bahia, no período de 1º de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2004.

necessidades físicas, sociais e ou emocionais de pessoas dependentes ou incapazes, (crianças, idosos, deficientes mentais) evidenciadas na falha ao vestir, alimentar ou cuidar, mesmo tendo condições para tal. Minayo (2005) minucia ainda acerca desta forma de violência, que não se poderia mensurar o caráter de intencionalidade da omissão ou negligência, o que suscita uma discussão da sua inclusão no texto da PNRMAV, já que este evidencia violência como ato intencional em suas diferentes manifestações. Discutir sobre negligência e omissão, é basilar para a desnaturalização de processos estruturais e atitudes de poder que se expressam em ausência de proteção de cuidados, dentre outras situações, responsáveis pela perenidade de atos econômicos, políticos e culturais, além de crueldades que aniquilam os outros e diminuem suas possibilidades de crescer e se desenvolver.

Outra manifestação da violência é aviolênciasexual, que ganhou maior visibilidade, graças aos movimentos feministas, uma vez que são as mulheres suas maiores vítimas, descritos por Lamoglia e Minayo, (2009) como as manifestações iniciais desafiantes da ordem conservadora que excluía a mulher do mundo público, reivindicavam além desta inclusão, propostas mais radicais que ultrapassavam a igualdade política, buscavam emancipação feminina, pautando-se na relação socialmente concebida de dominação masculina sobre a feminina em todos os aspectos da vida da mulher.

Embora desde o império, tentativas de legalização do voto feminino, com ou sem o consentimento do marido, tenham sido suscitadas por alguns juristas, somente em 1927 se tem registro da primeira eleitora feminina: Celina Guimarães Viana. Contudo, foi a escritora e advogada feminista mineira, Mietta Santiago, quem esteve a frente da reivindicação da legalização do voto feminino em todo território nacional, com a percepção do artigo 70 da Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil (26 de fevereiro de 1981), então em vigor. O artigo refere: "São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei". Não discriminando sexo. Embasada, em tal pressuposto, Mietta impetrou, como advogada, mandado de segurança e obteve sentença favorável (fato inédito no país), o que lhe permitiu votar em si mesma para um mandato de deputada federal. Embora não eleita, foi a primeira mulher a exercer plenamente seus direitos políticos ativos e passivos. Em 1933 finalmente o código eleitoral estendia o direito a voto e a representação política às mulheres; na constituinte de 1934 houve uma representante do sexo feminino, elegendo-se a primeira deputada do Brasil: Carlota Pereira de Queirós (BLAY, 2003).

Com a concretude do movimento feminista e o direito a voto conquistado pelas mulheres, mais um tipo de violência tornou-se explícita: a exploração, que pode está contida na violência anterior, embora não restrita a ela. Rocha (2012) esclarece o sentido literário da palavra exploração como ato ou efeito de explorar, abusar da ignorância de alguém, nos mais variados contextos, sejam financeiros, físicos ou psicológicos. Finalizando, estão as violências institucionais e sociais classificadas por Silva (2009), como violências mais sutis, entretanto nem menos gigantes, a primeira refere-se aquela praticada nas instituições prestadoras de serviços públicos por ação ou omissão do Estado ou de seus representantes, executadas por agentes que deveriam proteger as vítimas; a última, violência social, é cristalizada nas ações de incivilidade presentes a todo instante de forma discreta e freqüente, necessitando de um olhar crítico para se aperceber dela ou pode-se correr o risco de cair na naturalização deste fenômeno (BRASIL, 2010 a).

Entretanto, o tipo de violência que este estudo buscará compreender é a Violência Intrafamiliar (VI) contra a mulher, na qual, observam-se diferentes manifestações de violências, melhores descritas no tópico seguinte.