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4. REVISÃO DE LITERATURA

4.1. Violência e sociedade: dimensões do problema

O século XX trouxe a humanidade legados científicos e tecnológicos jamais imaginados em séculos anteriores, vasta possibilidades de comunicação instantânea, transformações sócio culturais, sócio educacionais que, se não romperam com modelos arcaicos, demarcaram um novo conceito na comunicação e perpetuação da espécie humana (FILHO, 2012).

A defesa da livre expressão, a liberdade de raças, idéias, religiões, embasou inúmeras manifestações populacionais que buscavam a liberdade de “escolhas” do ser humano enquanto agente de diferenças, apto a eleger suas próprias opções no caminho da realização enquanto indivíduo, clarificando aos demais, que cada um é consciente do que acredita ser o melhor para si. Por outro lado, a expansão da comunicação, ao mesmo tempo em que aproxima as realidades, socializa conhecimentos, muitos produzidos em cidades, países ou até continentes diferentes e distantes, também contribui para o maior distanciamento afetivo entre os indivíduos, sobretudo aqueles que constituem diferentes categorias antropológicas, econômicas, culturais e de gênero.

Com a globalização, a magnitude da organização econômica capitalista, as pessoas passam a incorporar um significativo individualismo, mais perceptível em grandes centros urbanos, como características do seu modo de viver, adoecer e morrer. Não é incomum jornais noticiarem mortes domiciliares de alguns, cuja ausência ainda não havia sido percebida pelos familiares ou conhecidos. Assim, a sociedade segue sua transformação, proporcionando gradativamente um conhecimento superficial disseminado e um desconhecimento aumentado entre os núcleos domiciliares, enfraquecendo as relações interpessoais e permitindo que a capacidade de comunicação entre os seres seja cada vez mais enfraquecida e de eficácia duvidosa, migrando ao fenômeno da violência, um dos maiores e talvez o mais complexo legado do século.

Neves e Romanele, (2006) recorrendo a May, (1972) esclarecem que tal fenômeno, surge da incapacidade de se colocar no mundo diante do outro, de reivindicar posições e direitos, a exemplo do que ocorre com as minorias, ou quando todas as formas de expressão se tornam inoperantes, a agressão emerge como forma de reação. Para este autor, ao sentido epistemológico

da palavra agressão pode ser atribuído um duplo contexto: no primeiro a agressão é construtiva, pois há o confronto com o outro sem causar-lhe dano; no segundo tem-se a agressão destrutiva, ou seja, a agressão que implica em confronto seguido de dano. Quando a primeira forma de agressão se torna ineficaz, impera a violência, como uma explosão primária predominantemente física, que cede aos instintos animais desprovidos da racionalidade, característica primordial dos seres humanos.

Em meio à sociedade, do século XXI, onde se apregoa a justiça, a liberdade de expressões e de estilos de vida, principalmente a não homogeneização da raça humana, é notório uma falácia entre o que se busca e o que se pratica no cotidiano da vida. Enquanto o racismo é considerado crime, facilmente podemos observar episódios freqüentes de discriminação de grupos skinhead contra homossexuais, nordestinos, negros e pobres na capital paulistana, onde as vítimas são violentadas verbal e fisicamente de forma bárbara, o que resulta comumente em óbitos inexplicáveis. A necessidade de concentração de poder de alguns é capaz de subjugar uma pessoa, um grupo, uma sociedade ou toda uma população e, por mais que existam direitos humanos básicos defendidos em todo o mundo, alguns grupos insistem na extinção ou escravidão de outros, retomando as idéias totalitárias do nazismo4. Desta forma, há inúmeros questionamentos entre intelectuais a respeito dos direitos de liberdade de expressão do cidadão, ficando explícito que não somente uma lei jurídica (lei n.º 7716/89 ou Lei Caó, que propunha como ato criminoso qualquer forma de preconceito fundado em raça, cor, etnia ou religião) daria conta de assegurar tal pressuposto, visto que, a discriminação e/ou preconceito não foram erradicados, talvez timidamente contidos no Brasil, no entanto, a idéia de respeito ao diferente deveria embasar as diversas instituições, a começar pela família, que pode ser considerada a primeira instituição social, no intuito de efetivamente concretizarmos a evolução da sociedade.

4 Designa a política da ditadura que governou a Alemanha de 1933 a 1945, o Terceiro Reich. O nazismo é

freqüentemente associado ao fascismo, fundamentava-se na superioridade da raça ariana e no totalitarismo. O ditador Adolf Hitler, que impôs o nazismo, chegou ao poder enquanto líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (National sozialistische Deutsche Arbeiterpartei, ou NSDAP). A Alemanha deste período é também conhecida como "Alemanha Nazista" e os partidários do nazismo eram chamados nazistas. O nazismo foi proibido na Alemanha moderna, muito embora pequenos grupúsculos de simpatizantes, chamados neonazistas, continuem a existir na Alemanha e em outros países. No Brasil, como em vários outros países, a apologia ao nazismo é capitulada em lei como crime inafiançável.

Acrescida a falta de respeito e tolerância de alguns, o século atual dispõe de um poder midiático envolvente, como fator incitante ao aumento da violência urbana pela privação da massa e possibilidade de poucos, elucidando um desrespeito aos direitos humanos igualitários de consumo dos bens produzidos, que incrementa a banalização da violência na sociedade contemporânea, apontada por Silva (2009) como resposta de uma sociedade caracterizada por produção humana e distribuição desumana, marcada pela indiferença à diferença.

A escalada da violência passa a constituir-se em algo natural e aceitável, desde que esta seja com o outro, evidenciando a egolatria que há pouco se comentou. A vida do próximo não explicita um valor, mas, faz parte de um dia a dia noticiado em telejornais durante assaltos, furtos, roubos, homicídios, violência física contra a mulher, cuja abordagem fria da imprensa, remete à expressão que se assumiria ao retratar qualquer outro assunto corriqueiro.

Incontestavelmente uma sociedade que inventa e alimenta desejos impossíveis é uma fonte constante de frustrações que, de forma já conhecida, intensificam os sentimentos hostis. O aumento do índice de violência no Brasil também é resultante da injusta distribuição de renda que gera raiva. A certeza da impunidade e a descrença nas instituições protetoras estimulam o sujeito a buscar o que, em seu paradigma julga ser correto, embora para isso, leis e valores possam ser destituídos, resultando em uma atitude assumidamente violenta e um medo disseminado pela população.

Contextualizamos aqui uma sociedade que se intitula livre, embora não liberta das amarras dos novos tipos de aprisionamentos, resultantes do imobilismo das más distribuições de renda, da velocidade das mudanças e do consumismo (ou do desejo de consumo). Esta nega a consciência de que também é corresponsável nas condições geradoras da exclusão e formação do elemento criminal. O desafio em combater a violência vai além da efetivação de medidas restritamente punitivas, uma vez que elas são insuficientes para reparar as práticas discriminatórias, mas, adentra também pelo desenvolvimento de políticas públicas voltadas a melhorias na educação como forma de oferecer chances mais igualitárias de profissionalização, vislumbrando aumento da questão salarial, na tentativa de reduzir a enorme distância econômica entre as classes abastadas e as pauperizadas.

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) pode ser apontado como ação de iniciativa federal na luta por tornar mais equitativa as chances de ingressar na educação de ensino superior. Cerri (2004) informa que a base epistemológica do ENEM tem como principal fundamento o conceito de cidadania, dentro de uma visão pedagógica democrática que preconiza a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. O ensino médio recebe assim, a atribuição de preparar o aluno para o prosseguimento de estudos, a inserção no mundo do trabalho e a participação plena na sociedade.

Tomando como referência principal a articulação entre educação e cidadania firmada pela Constituição Federal e ratificada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o ENEM foi criado com o objetivo de avaliar o desempenho do aluno ao final da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento das competências e habilidades requeridas para o exercício pleno da cidadania, através da maior valorização de caracteres próprios ao sujeito na fase de desenvolvimento cognitivo correspondente ao término da escolaridade básica, diminuindo a hipervalorização de programas conteudistas específicos (os quais, comumente são de acesso restrito aos alunos das escolas particulares) remanescentes de uma educação bancária, orientada pela transmissão de conhecimentos.

Mais recentemente, ainda complementando-se a lógica da facilitação ao acesso qualificado, a presidenta da República, Dilma Rousseff, sancionou em outubro de 2010 a lei que cria o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego – Pronatec –, que dispõe sobre a concessão de bolsas de estudo e financiamento para cursos de qualificação profissional. Outra medida que podemos citar conservando o mesmo paradigma é o Programa Universidade para Todos- Prouni - o qual objetiva a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, o mesmo foi criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderirem ao tal programa (LOPES, 2011).

Na perspectiva da prevenção da violência possibilitada por caminhos menos desiguais no acesso à formação profissional pela educação superior, onde a população menos abastada economicamente começa a ser lembrada em uma iniciativa governamental, espera-se, em longo prazo, uma diferenciação na realidade hora concebida, que apresenta trinta e três milhões de

estudantes no ensino fundamental, contudo, destes, somente cinco milhões e quinhentos mil alcançam os bancos universitários (BRASIL, 2012).

Minayo (2006) enfatiza que a lógica do reconhecimento da violência como um fenômeno polifórmico, multifacetado, que se encontra diluído na sociedade sob o signo das mais diversas manifestações, que se interligam, interagem, (re)alimentam-se e se fortalecem, considerar-se-ia imprudente estabelecer como principal estratégia de intervenção para sua redução o aumento da segurança pública e ou a repressão social dos marginalizados; eis que, tratar a questão da violência, com a lógica de simples punição para os agressores seria dar invisibilidade aos fatos, que vão ao âmago do problema, imergindo em uma corrente explicitamente falsária, já que perpetuar-se-ia todo o contexto para novas emersões da questão, afirmando tal fenômeno enquanto exterior à sociedade, reduzindo-o à relações do tipo causa efeito.