• Nenhum resultado encontrado

Mesmo dentre os filhos da classe média não havia um consenso sobre o que representava ser um teen. Os próprios livros publicados no período ajudam a entender isso.

Em 05 de junho de 1951, por exemplo, o jornal The New York Times anunciava o lançamento de um livro “for teen-agers”: Glamour guide for teens, de Betty Cornell. A jovem autora narra “how she made herself over from a ‘chubby little high school girl into a full- fledged model”23. O livro ainda dá dicas para as adolescentes: “Hers is a down-to-earth book in which she discusses such matter of facts subjects as figure and skin problems, hair and makeup24”.

Através da notícia do livro, pode-se pensar o papel das garotas nesse momento histórico. Embora essa nova geração de jovens tenha questionado muitos dos valores “tradicionais” relacionados à família e sociedade, e mesmo as garotas tenham conquistado alguma liberdade:

A condição sexual se inscrevia num quadro de perspectivas profundamente contraditórias para as mulheres, às quais, em teoria, abriam-se possibilidades ilimitadas, enquanto na realidade as únicas saídas de fato legítimas continuavam a ser os destinos de mulheres e mães. A necessidade de salvar as aparências a todo custo envolvia não só as mulheres, sobretudo jovens:

21 O livro teen, me parece, é um fenômeno que pertence propriamente apenas a uma sociedade de idiotas

(tradução nossa).

22 Eu não estou certo se demanda ou fornecimento veio primeiro, isto não é facilmente determinado, se é que

pode ser de todo (tradução nossa).

23 como ela transformou-se de uma menininha bochechuda do ensino médio em uma modelo completa (tradução

nossa).

24 Seu livro é um livro prático onde a autora discute temas como problemas de pele, cabelo e maquiagem

todos os adultos deviam ser heterossexuais e casados, fingindo ser felizes (PASSERINI, 1996, p.366).

Assim, mesmo tendo conquistado muitos avanços em relação à geração de seus pais, os jovens da década de 1950 ainda viviam em uma sociedade extremamente conservadora, principalmente em relação às mulheres, para quem os “horizontes de expectativa” eram ainda, em grande medida, casamento e filhos. Das mulheres jovens era esperado beleza e erotismo (pode-se pensar nas pin-ups, que vão se popularizar nos anos 1940 e 1950), mas após o casamento elas deveriam exercer os papéis de esposa e mãe e serem subordinadas aos maridos. Tal fenômeno foi estudado por Betty Friedan (1921-2006) em “A mística feminina”. Friedan pesquisou o “problema sem nome” que atingia inúmeras mulheres por todo o país nas décadas de 1950 e 1960 e o batizou de “mística feminina”:

A mística feminina afirma que o valor mais alto e o compromisso único da mulher é a realização de sua feminilidade. Afirma ainda que o grande erro da cultura ocidental, no decorrer dos séculos, foi a desvalorização dessa feminilidade. Diz ainda que esta é tão misteriosa, intuitiva e próxima à criação e à origem da vida, que a ciência humana talvez jamais a compreenda. Contudo, por mais essencial e diferente que seja, de modo algum é inferior à natureza do homem; em certos aspectos pode até ser superior. O erro, diz a mística, a raiz do problema feminino no passado, é que as mulheres invejavam os homens, tentavam ser como eles, em lugar de aceitar sua própria natureza, que só pode encontrar realização na passividade sexual, no domínio do macho, na criação dos filhos, e no amor materno (FRIEDAN, 1971, p.40).

A “mística” foi incentivada por médicos, psicólogos, professores e publicitários e perpetuada de mãe para filha, de tal maneira que a maior parte das teens casava-se assim que terminava a high school. Das que iam para a universidade, muitas não chegavam a terminar os cursos, também em detrimento do marido e da nova vida como donas de casa.

Tal cenário vai começar a ser alterado na década de 1960, na “segunda onda” do feminismo, nas lutas pela inserção das mulheres das camadas médias no mercado de trabalho. O livro de Friedan é considerado um dos estopins para esta mudança. Ele também recebeu diversas críticas de feministas, pois não contempla mulheres de outras camadas sociais. Como, no entanto, esta pesquisa envolve as camadas médias urbanas estadunidenses, as considerações de Friedan sobre o período são relevantes para o trabalho.

Um mês após a crítica do jornalista Adams aos teen books no The New York Times, sua coluna novamente trata do tema, depois de receber uma enxurrada de cartas de pais, professores, bibliotecários, editores, escritores de livros dessa categoria e dos próprios

teenagers. Trechos das cartas são publicados, e dentre os que defendem os teen books, uma pessoa que Adams acredita ser um professor argumenta: “human beings at different age levels have different interests25”. Um escritor defendeu a categoria “We are writing not simply but clearly26”. Ainda assim, Adams não muda sua opinião em relação ao artigo anterior, e encerra a coluna da seguinte forma: “It seems to me also that some of the pleas made for the teen-age book bespeak an inadequacy in the schools and in the home which, if it were lessened, would also lessen the demand for those books27” (ADAMS, 1950, s/p).

Os teen books, entretanto, continuaram conquistando os leitores jovens. Nove anos após a publicação desses textos, J. Donald Adams voltaria a falar da leitura dos teenagers em sua coluna, na edição de 13 de setembro de 1959:

They [publishers] are, in too many instances, offering to young readers predigested pap, however artfully cooked, which provides about as much mental toughening and encouragement of intellectual growth as our emasculated bread provides adequate physical nourishment (ADAMS, 1959, s/p).28

Novamente a preocupação de Adams refere-se à esta fase da vida que o autor considera como um período formador.

The huge multiplication of books for younger readers is part and parcel of our inability to learn from primitive peoples that small children should not be hedged in by a smother of “don’t’s” but that come adolescence, the males, at least, should be subjected to unrelenting discipline (ADAMS, 1959, s/p).29

Percebe-se no trecho destacado acima que a falta de disciplina (sobretudo masculina) incomoda o autor. De uma geração diferente, Adams acredita que uma “disciplina inflexível” é necessária aos jovens. Esses valores, entretanto, estão se alterando e, aqueles chamados de “rebeldes” buscam romper com as regras e ordens estabelecidas, justamente como uma forma de se destacar das outras idades da vida e também das outras juventudes.

25 seres humanos em diferentes idades tem interesses diferentes (tradução nossa). 26 Nós escrevemos não simples, mas claramente (tradução nossa).

27 Parece também para mim que algumas das súplicas feitas aos livros teen evidenciam uma inadequação em

escolas e lares que, se fosse diminuída, também diminuiria a demanda por esses livros (tradução nossa).

28 Eles [editores] estão, em muitos casos, oferecendo a jovens leitores papinha pré-digerida, embora

artisticamente cozida, que fornece tanto endurecimento mental e encorajamento para crescimento intelectual quanto pão fornece nutrição física adequada (tradução nossa)

29

A grande multiplicação de livros para leitores jovens é parte e parcela da nossa inabilidade em aprender com povos primitivos que crianças pequenas não deveriam ser restringidas em um sufocamento de nãos, mas que os adolescentes, os garotos, no mínimo, deveriam ser sujeitados a uma disciplina inflexível” (tradução nossa).

Tais comportamentos chocaram a conservadora sociedade americana do pós-guerra, que buscou formas para barrá-los, como por exemplo a proibição para os garotos de cabelo “tocando as orelhas”, cuja punição chegava à expulsão da escola (POWERS, s/d). O medo dos adultos era ter seu status quo ameaçado. Cumpre lembrar que no período a segregação étnica ainda era muito forte, e ver seus filhos dançando ao som de músicos negros ou usando expressões dos ‘guetos’ certamente também não agradava esses pais. Mas muitos desses jovens que transgrediram limites impostos a eles foram “rebeldes” só durante essa fase da vida. Após as high schools, os teenagers iam para as colleges a fim de manterem o mesmo estilo de vida dos pais. Dessa forma, a teenage passou a ser uma fase da vida de embate entre pais, filhos e instituições (principalmente as escolas), mas que não questionava o próprio sistema - pelo menos não por todos os teens e não ainda nesse momento. Assim, começa a ser construída a ideia de adolescência como uma fase “naturalmente complicada”. Este discurso de certa maneira autorizava uma rebeldia juvenil, mas findada a escola (ou a universidade, no caso dos rapazes), os jovens deveriam adequar-se ao modelo burguês. A transgressão enquadrada em um período da vida não ameaçava a ordem.

Adams novamente recebe cartas por conta de sua coluna, dentre elas dez de teenagers do Brooklyn. O autor desconfia que a iniciativa do envio das cartas tenha partido do professor de inglês dos adolescentes. Adams agradece aos teens, em sua coluna de 25 de outubro, e escreve: “If there are enough others like them, there’s still some hope for the cultural future – or let us just say future – of the USA”30 (ADAMS, 1959, s/p). Adams continua intransigente em suas críticas, considerando os teen books como um gênero menor, e que os pais e professores deveriam incentivar a leitura de “good literature”.