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O Central Park é o parque mais visitado dos Estados Unidos. Inaugurado em 1857, conta com uma área de 3.399 km² localizados no coração de Manhattan.

Imagem 17: Central Park em 1951

Fonte: Arquivo da revista Life

Holden sai do bar sem ter para onde ir. Resolve então voltar ao Central Park e descobrir se os patos ficam no laguinho quando ele congela ou não. Logo ao entrar, Holden derruba o disco que havia comprado mais cedo para sua irmã e ele se quebra em vários pedaços. Essa pode ser uma alusão à morte, pois o “corpo” do disco continua ali, mas não sua música, sua “alma”.

Embora conheça o Central Park “como a palma da mão”, Holden tem dificuldade em localizar o laguinho por conta da escuridão no parque. Essa escuridão simboliza o próprio estado de espírito de Holden, que se sente confuso e sozinho. Se na infância as coisas pareciam mais certas, mais “sólidas”, a teenage é para Holden um período de grande inquietação, sendo a principal delas a morte.

Para muitos comentadores da obra, o principal tema de The catcher seria a morte95. Salinger vivenciou o horror da Segunda Guerra Mundial e o massacre de milhares de soldados. Sua filha, Margaret, narra que um dia, depois de observar os jovens carpinteiros que trabalhavam na ampliação da casa, Salinger falou “all those big strong boys always on the front line, always the first to be killed, wave after wave of them” 96(SALINGER apud SALERNO; SHIELDS, 2013, p.154). A morte precoce na guerra de tantos garotos abalou

95

Ver MENDELSOHN (2009); ROSEN (1977);

96 todos esses garotos fortes sempre na linha de frente, sempre os primeiros a serem mortos, fileira após fileira

profundamente o escritor. Salinger gostaria de poder manter intacta a inocência deles e protegê-los do sofrimento, tal como Holden com as crianças.

Talvez um dos maiores símbolos da associação entre morte e juventude seja o ator James Dean (1931-1955). Dean é conhecido principalmente pelo filme Rebel without a cause [“rebelde sem causa”, em tradução literal. No Brasil, o título do filme é “Juventude transviada”], em que interpreta um teenager problemático. O ator morreu precocemente em um acidente de carro aos 24 anos de idade. O título de uma biografia sua expressa essa associação: “Live fast, die young”. A frase foi retirada do filme “Knock on any door”: “Live fast, die young and leave a good-looking corpse” [viva rapidamente, morra jovem e deixe um corpo bonito] e virou uma espécie de lema para muitos teenagers desse período.

“Knock on any door”, que recebeu no Brasil o título de “O crime não compensa”, foi lançado em 1949 – mesmo ano em que The catcher in the rye é ambientado – e dirigido por Nicholas Ray, diretor também de Rebel without a cause. No filme de 1949, o jovem Nick Romano é acusado de ter assassinado um policial. Com um longo histórico de delinquência, ele acaba confessando o crime e é condenado à pena de morte, e seu advogado faz um discurso emocionado em que culpa a sociedade pelos jovens delinquentes.

O filme demonstra como o aumento da delinquência juvenil preocupava a sociedade americana e como o debate abarcava diversas visões sobre suas causas e como lidar com esses jovens. Diversas medidas governamentais foram tomadas à época para tentar conter esse avanço. Em 1952, o “United States Children’s Bureau” [gabinete da infância dos Estados Unidos], uma agência federal, criou o Special Juvenile Delinquency Project [projeto especial de delinquência juvenil] em parceria com a iniciativa privada para prevenir e “tratar” a delinquência juvenil. Após dois anos, foi criada uma divisão no Children’s Bureau para tratar exclusivamente da delinquência juvenil. Em 1953, foi criado no Senado americano o Subcomitê sobre a Delinquência Juvenil. Além disso, uma série de livros, filmes e congressos eram voltados para o tema. A teenage, com seu nome e forma próprios, buscou se afastar dessa imagem. Isso não quer dizer que os filhos da classe média não praticassem delitos – The catcher in the rye é recheado de transgressões cometidas por Holden. Enquanto muitos jovens delinquentes do período buscavam se inserir nessa sociedade excludente – é o caso de Nick Romano, que roubava pois queria a vida confortável do american way of life – Holden repele sua posição social.

A preocupação de Holden para onde vão os patos quando o lago congela pode ser interpretada como um questionar-se sobre a morte, se a vida continua ou se ela se encerra aí. Essa inquietação pode ser vista também como uma preocupação consigo mesmo, para onde

ele vai depois do Natal, já que foi expulso do colégio. Como seu futuro é incerto, Holden procura estender o presente – uma atitude fruto do presentismo, regime de historicidade que vai se estabelecer sobretudo após a década de 1980.

Como visto no capítulo I, a Feira Mundial de Nova Iorque de 1939/40 estava povoada por um ideal futuro. Para François Hartog, o marco da mudança para a historiografia é a queda do muro de Berlim, em 1989. Como ressalta o historiador, no entanto, “Um regime certamente não é uma entidade metafísica, que desce dos céus (...). Há períodos intermediários sobrepondo-se entre dois regimes principais” (HARTOG, 1996, p. 08).

A Segunda Guerra Mundial, com todos os seus horrores, faz com que Holden não idealize o passado. O futuro – tanto o seu quanto da humanidade – é incerto. Vale lembrar que pouco menos de um ano após o lançamento de The catcher, eclodiu a Guerra da Coreia. Assim, Holden vaga por Nova Iorque sem rumo certo, desfazendo planos com a mesma rapidez com que os fez e procurando prolongar ao máximo sua experiência na cidade.

Os jovens que adotaram “Live fast, die young and leave a good-looking corpse” como filosofia de vida também estavam imbuídos desse “presente contínuo”. Sem passado nem futuro idealizados, o presente torna-se o horizonte. Vivendo o momento, muitos tiveram uma morte precoce em acidentes de carro ou overdose de drogas. No universo musical do rock, há o chamado “Clube 27”, de artistas que morreram aos 27 anos de idade. Na lista, constam Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Cobain e recentemente Amy Winehouse. A morte prematura congela a imagem da pessoa em uma eterna juventude.

A escritora, jornalista e ativista política britânica Jessica Mitford (1917-1996), que migrou para os Estados Unidos em 1939, publicou em 1963 o livro “The american way of death”. Nele, a autora narra como a morte transformou-se em um negócio lucrativo nos Estados Unidos. Mitford argumenta que as empresas funerárias, utilizando a dor dos parentes, aproveitariam para convencê-los a pagar mais do que o necessário para o funeral e outros serviços.

No início de sua narrativa, Holden conta que um antigo aluno do Pencey enriqueceu com o negócio funerário:

He made a pot of dough in the undertaking business after he got out of Pencey. What he did, he started these undertaking parlors all over the country that you could get members of your family buried for about five bucks apiece. You should see old Ossenburger. He probably just shoves them in a sack and dumps them in the river. Anyway, he gave Pencey a pile of dough, and they named our wing after him. The first football game of the year, he came up to school in this big goddam Cadillac, and we all had to

stand up in the grandstand and give him a locomotive – that’s a cheer (…). He said he talked to Jesus all the time. Even when he was driving his car. That killed me. I can just see the big phony bastard shifting into first gear and asking Jesus to send him a few more stiffs97 (SALINGER, 1991, p. 16-

7).

Como visto anteriormente, Holden despreza a cultura do self-made man, um dos pilares do american way of life. Para o teenager, não há nada de especial em ter muito dinheiro. O ideal de vida para Holden é uma casa simples, no campo, onde as relações não sejam falsas nem pautadas pelo dinheiro. Ele também repudia a crescente transformação de tudo em negócio nos Estados Unidos – inclusive a morte. Criticar o ex-aluno do Pencey que enriqueceu com a funerária é uma forma de Holden também se opôr ao consumismo.

O lago estava metade congelado, metade não. Holden procura, mas não encontra nenhum pato por perto. Perturbado pensando na morte do irmão e na sua (Holden acha que vai pegar uma pneumonia e morrer em breve), o teenager resolve ir até sua casa para conversar com Phoebe, sua irmã caçula, sem obter a resposta que esperava sobre os patos.