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4. OS ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA ESCOLA

4.2. AS DIFICULDADES DE "ENSINAGEM": DE ONDE VEM O OLHAR DE

Esse sub-capítulo tem por objetivo resgatar o professor com suas dificuldades de ser esse profissional nos seus “modos de ser sendo junto ao outro no mundo” (PINEL, 2012).

Diz Pinel (2013):

O problema de aprender as “coisas” ensinadas pelos professores se localiza em diversas e múltiplas variáveis que se imbricam, complexificam e indissociam. Coisas além dos conteúdos que nos evocam a nos indignarmos, a fazermos escolhas e decidirmos na escola e fora dela, a fazermos opção pelos discentes – por seu desenvolvimento e aprendizagem. Nesse híbrido contexto é sensível dizer ao professor que há problemas no seu processo de ensinagem; que é preciso “olhagem” de sentido – talvez uma auto-“olhagem”. O mestre pode assustar-se com esse outro olho, mas se recuperará percebendo-se tal como é: real e sonhador. Um sujeito professor que constrói cotidianamente seu projeto de vida profissional – ele é também um “cara” que ao ensinar, aprende (PINEL, 2013, p. 01, grifos do autor).

Manoel de Barros, o poeta, nos indica com sua arte uma possível verdade dessa "olhagem" descrita por Pinel:

De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que

se perdia nos longes da Bolívia

E veio uma iluminura em mim.

Foi a primeira iluminura.

Assim é que, antes de qualquer interlocução relacionada ao desafio de ser professor de alunos com dificuldades de aprendizagem no Ifes, gostaria de justificar a escolha do título "dificuldades de ensinagem" para este capítulo.

Durante o desenvolvimento dessa pesquisa, tive contato com o livro de Elizabeth Polity, intitulado: Dificuldades de Ensinagem: de que estamos falando? Nesta produção, Polity (2002) considera que a dificuldade de aprendizagem não está reduzida apenas no contexto do aluno, mas tem implicações nos outros sistemas envolvidos: família, professor, escola, meio social. Neste panorama, ao focar no trabalho do professor, percebe-se a essência de um correspondente da dificuldade de aprendizagem do aluno no trabalho do professor, pronunciada pelo próprio, e que a autora chama de "dificuldade de ensinagem"– termo designado a submergir as questões da história de vida do professor que estão presentes na sua prática e muitas vezes geram desconforto e angústia. A autora define o termo como:

Dificuldade de Ensinagem é o movimento de ensinar carregado de emoção: ansiedade, por ter de cumprir uma missão, medo e/ ou frustração por não entender o aluno, fantasias de incompetência que podem gerar muita raiva em determinadas ocasiões. Em outras, pode haver uma ressonância da angústia do aluno, que não consegue aprender, com a do professor, que não consegue ensinar. Ela aparece quando emergem conteúdos emocionais e relacionais que são difíceis de se lidar. O professor se sente como um espelho que reflete a emoção do aluno. Aparece em alguns casos, a frustração de perceber o aluno diferente do pensado, tendo assim de se lidar com as diferenças e com luto pela perda de uma imagem idealizada. Em sua ânsia para que a aula transcorra como ele a idealizou, o professor submete a relação real ao seu estereótipo: a repetição dificulta assim a criação. A dificuldade de ensinagem pode ainda acontecer quando o aluno traz hipóteses e perguntas, acionando a falta (de conhecimento, de preparo, de competência), ou, ainda, outras faltas de ordem afetiva, levando o professor a se sentir ameaçado e desestabilizado. A dificuldade de ensinagem não diz respeito à competência técnica e sim ao despreparo pessoal” (POLITY, 2002, p. 36).

A autora esclarece ainda que optou para a utilização do termo "dificuldade de ensinagem" no lugar de "dificuldade de ensinar", pois acredita que ensinar faz referência apenas à transmissão de um conteúdo específico. Já a "ensinagem" é

essencialmente relacional e implica em interação. Além do processo emocional, implícito no ato de ensinar, a autora refere-se a um diálogo interativo em que os estados de intersubjetividade podem tornar-se significativos. A "ensinagem" é, portanto, ensinar com a emoção e com a razão ao mesmo tempo (Polity, 2002). Reportando essas discussões aos processos de inclusão escolar, recorro às palavras de Jesus (2005, p. 206) que nos adverte

[...] se quisermos uma escola inclusiva, precisamos pensar com o outro, precisamos de um processo de reflexão-ação-crítica dos profissionais que fazem o ato educativo acontecer. Se quisermos mudanças significativas nas práticas convencionais de ensino, precisamos pensar na formação continuada dos educadores (JESUS, 2005, p. 206).

Portanto, para construir um ambiente escolar favorável à obtenção do conhecimento e minimizar os efeitos das dificuldades de aprendizagem é indispensável o comprometimento do professor, assim como o desenvolvimento de práticas autônomas, criativas, dinâmicas e que respeitem as individualidades de cada estudante, valorizando a realidade e as suas vivências. Todavia, o investimento na formação dos professores, a valorização desse profissional e o acesso a materiais de apoio para promoção da inclusão efetiva desses alunos é fundamental.

Sobre a capacidade do docente de exercer suas atividades com autonomia, como um ser individual que produz suas experiências e, de modo compreensivo se envolve existencialmente com o faz de melhor, Nóvoa (1995) nos diz:

[...] E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal (NÓVOA, 1995, p.17).

Entendo que trabalhar na perspectiva inclusiva para o professor requer o reconhecimento do aluno com dificuldades de aprendizagem, como qualquer outro aluno - um sujeito singular. Ou seja, é importante reconhecer que ele tem características físicas e cognitivas, desejos, sentimentos, expectativas, formas de entendimento do mundo que lhe são próprias. Esta singularidade se constrói nas relações estabelecidas com seu próprio corpo, com as pessoas, os objetos, os espaços, os tempos e as atividades que realizou e realiza em sua vida.

Concordo com Skliar (2006) quando o autor diz:

[...] Se continuarmos a formar professores que possuam somente o discurso racional acerca do outro, mas sem a experiência que é do/s outro/s, o panorama continuará obscuro e esses outros seguirão sendo pensados como “anormais”, que devem ser controlados por aquilo que “parecem ser” e, assim corrigidos eternamente (SKLIAR, 2006, p. 32)

Nesse sentido, podemos (talvez) dizer que os professores e professoras experenciam a inclusão quando se colocam ser-no-mundo, buscando compreender suas próprias falhas como ser humano e como profissional diante de uma perspectiva tão difícil de ser cumprida. Sendo assim, compreendendo que são muitas as questões a serem desveladas neste contexto, ao desenvolver essa pesquisa delimitei minhas inquietações em descrever as vivências dos professores com alunos e alunas nomeados com dificuldades de aprendizado. Através da redução eidética29, característica da fenomenologia, busquei descrever os dados significativos dessa experiência.

29

A redução eidética é considerada a fase da descrição dos dados significativos. Nessa redução, o olhar da consciência se dirige para a própria coisa, penetra-se e faz com que ela se manifeste em toda a sua realidade (BUENO, 2003).