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4. OS ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA ESCOLA

4.1. PARA QUEM VAI O OLHAR DE SENTIDO

Reconhecendo que não existe uma teoria única sobre as dificuldades de aprendizagem, mas acreditando que é preciso eleger por uma linha teórica para aprofundar os estudos e, com base nela, começar a envolver-se com esse aluno que estamos falando, utilizei a classificação24 proposta por Moojen (2006).

Nesta classificação temos a proposta da seguinte categorização: as dificuldades de aprendizagem (naturais ou de percurso e dificuldades secundárias de aprendizagem) e os transtornos de aprendizagem. O foco desta pesquisa, por questões já reveladas anteriormente, está nas dificuldades de aprendizagem, que, segundo a autora, podem ser naturais ou de percurso.

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Todas as classificações são objetos de críticas, mas como viver sem elas? Sendo menos injusta, utilizando-a ao bem do discente.

E acrescentamos a essa classificação uma outra, mais aberta e menos classificatória (por mais que se posicione classificando):

Temos também no nosso cotidiano escolar uns problemas e aprendizagem (escolar e não escolar), muitas vezes temporários, advindos até mesmo do processo de viver a adaptação ao desconhecido – a escola estranha, a comunidade, as relações – “esse mundo é mesmo estranho”. Falamos dessa angústia que quase todos temos do inusitado, do novo, do devir existencial. Acho que em alguns casos de jovens do Ifes que são do interior (do interior) precisam vivenciar algo diferenciado como morar sozinhos, arranjar namorados e namoradas – fatos da vida social. Além desse sentido de estar só e em solidão, podemos encontrar algumas vezes um ambiente da escola (e da cidade) inóspito, que em vez de provocá-los a aprender mais, os anula, os evoca baixa autoestima, os diminui nos seus “modos de ser sendo junto ao outro no mundo” (PINEL, 2006b; 2012). Tais alunos e alunas demandam uma clínica diferenciada da clássica, donde os professores – todos eles e elas – mais a equipe pedagógica se envolvam existencialmente com cada causa discente, singularizando os cuidados escolares vitais. A questão é: eles são fenômenos da Educação Especial? No sentido oficial, não são! No sentido geral da sensibilidade, são pessoas que carecem de um cuidado singular no mundo e nesse sentido é uma outra ação, que poderíamos aqui-agora dizer “Educação Especial” (PINEL, 2013, p. 01).

As dificuldades de aprendizagem naturais ou de percurso são àquelas dificuldades experimentadas por todos os indivíduos em algum conteúdo ou momento da sua vida escolar. Essas dificuldades podem estar relacionadas a problemas de adaptação à metodologia da escola25, desordens familiares26, com colegas e professores27, falta de assiduidade28, entre outras coisas. Tais problemas, em geral, são transitórios e tendem a desaparecer a partir de um esforço maior do aluno com ajuda do professor – e quando não resolvem quais os motivos de não dar certa a intervenção? Como refazer essa intervenção?

As dificuldades secundárias de aprendizagem são provenientes de quadros como deficiência mental ou visual, surdez, quadros neurológicos mais graves. Neste caso, os problemas derivam de transtornos que agem primariamente sobre o desenvolvimento humano normal e secundariamente sobre as aprendizagens específicas.

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A escola sim deveria adaptar-se ao alunado; identificar e trabalhar a partir daquilo que o discente traz para a escola. Não negamos que a escola tenha sua cultura (na cultura), mas é preciso que a instituição escolar seja analisada, provocada – que também receba intervenções.

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O que e como são desordens familiares? Qual o papel do Estado nisso de nomear desordem?

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Quando os professores serão também responsabilizados por produzirem péssimos encontros com os alunos e com isso rebaixamento acadêmico? Quando eles vivenciaram os preconceitos que impregnam as classificações?

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Quais motivos de faltar o aluno às aulas? Qual o papel do professor e do Estado nessas faltas? O Estado e os professores se questionam acerca do abandono de discentes das escolas?

Fernández (1991) entende as dificuldades de aprendizagem como sinais ou “fraturas” no processo de aprendizagem, onde necessariamente estão em jogo quatro níveis: o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. A dificuldade para aprender, de acordo com a autora, seria o resultado da invalidação das capacidades e do bloqueio das possibilidades de aprendizagem de um indivíduo e, a fim de ilustrar essa condição, utiliza o termo inteligência aprisionada (atrapada, no idioma original). Para a autora, a procedência das dificuldades de aprendizagem não se relaciona apenas à estrutura individual, mas também à sua estrutura familiar. As dificuldades de aprendizagem estariam relacionadas às seguintes causas:

 Causas externas à estrutura familiar e individual: originariam o problema de aprendizagem reativo, que apesar de afetar o aprender, não aprisiona a inteligência e, geralmente, surge do confronto entre o aluno e a instituição;

 Causas internas à estrutura familiar e individual: originariam o problema considerado como sintoma e inibição, afetando a dinâmica de articulações necessárias entre organismo, corpo, inteligência e desejo, causando o desejo inconsciente de não conhecer e, portanto, de não aprender;

 Modalidades de pensamento derivadas de uma estrutura psicótica, as quais ocorrem em menor número de casos;

 Fatores de deficiência orgânica: em casos mais raros. Nesse sentido, Scoz (1994) coloca que

[...] os problemas de aprendizagem não são restringíveis nem a causas físicas ou psicológicas, nem a análises das conjunturas sociais. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional, que amalgame fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais. Tanto quanto a análise, as ações sobre os problemas de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo de luta pela transformação da sociedade (SCOZ, 1994, p. 22).

A realidade é que na escola os alunos estão todos "misturados", sendo necessário ter clareza sobre o significado que essa diversidade tem para os processos de aprendizagem e reconhecer que cada um é único em suas potencialidades e nos tempos de aprender. Concordando com Freire (1993) quando sustenta a ideia de que não existe ensinar sem aprender. E necessária uma percepção dos professores e professoras de alunos com dificuldades de aprendizagem sobre a condição crítica

do que é ensinar e do que é aprender. Deste modo, de acordo com o autor, isso envolve o conceito de que

[...] ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha [...] o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos (FREIRE, 1993, p.27).

Ainda para este autor, o conhecimento não se amplia daquele que se julga sabedor, até aqueles que se julgam não saberem; o conhecimento se institui nas relações homem-mundo, relações estas que se transformam e se aperfeiçoam quando problematizam criticamente essas relações (FREIRE, 2006).

4.2. AS DIFICULDADES DE "ENSINAGEM": DE ONDE VEM O OLHAR DE