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1.2 CONDIÇÕES PARA O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO

1.2.4 As distintas formas de arranjo sociometabólico do capital

Há de se dizer, antes de tudo, que os arranjos sociometabólicos do Estado capitalista são de tantos tipos como são diferenciadas historicamente as muitas formações econômicas sociais, cada qual dotado de suas particularidades históricas. Assim, aqui não pretendemos esgotar as muitas formas que podem assumir os arranjos sociometabólicos, mas apenas estabelecer uma referência teórica para melhor compreensão do arranjo sociometabólico observado especificamente quando do debruçar sobre o objeto da presente dissertação.

A concepção liberal clássica, que nasce dos trabalhos de Adam Smith (1996) e é desenvolvida por David Ricardo (1996), Jean-Baptiste Say (1983), Alfred Marshall (1996), entre outros, afirma que o Estado não deve interferir no sistema econômico. A regulação precisa ser exclusivamente realizada através do mercado, este orientado por uma pretensa plena

racionalidade dos agentes e indivíduos que o levaria a um equilíbrio através do mecanismo de preços. Ao Estado se atribuiria as funções marginais de assegurar um aparato legal e de segurança mínimo para a manutenção da propriedade privada do Capital, e nada além.

Em verdade é possível inferir a partir da exposição de Norberto Bobbio (2000) que as demandas para manutenção de um arranjo sociometabólico do tipo liberal muitas vezes demandam um contexto político autoritário para se realizar em sua plenitude: o autor oferece como exemplo o modelo nazifascista. Segundo Bobbio, liberalismo e democracia são dois conceitos que necessariamente não dialogam entre si.

Nelson Oliveira (2004) propõe uma interpretação alternativa ao defender que o modelo liberal na prática não pode ser observado. Seria lícito dizer que nos momentos históricos os quais foram utilizados como exemplo de existência de um arranjo liberal — como no exemplo de Bobbio acerca do nazifascismo —, existiam de fato arranjos corporatistas que mediavam os interesses particulares de frações da classe capitalista num Estado apenas nominalmente liberal.

Da concepção liberal clássica emergem aqueles que arvoram defender um sistema político com características um tanto mais democráticas; que ao menos seja capaz de manter um equilíbrio entre diferentes interesses através de um mecanismo político de representação. A estes se reserva o termo Pluralistas Liberais. Como afirma Oliveira,

Para os pluralistas liberais, as formas de inserção do Estado nos processos decisórios são ditadas pelas regras contingentes e espontâneas do mercado. É este, e não o Estado, que cita as regaras e estabelece as condições de participação dos variados grupos de pressão articulados em torno de interesses específicos. [...] A predominância de um ambiente liberto de outras pressões que não as do mercado e da concorrência é o marco referencial dessa idealização pluralista. Em sua constituição, a presença estatal é quase totalmente secundária, não lhe cabendo nenhum espaço privilegiado. (OLIVEIRA, 2004, p.239).

A diferença principal entre estas duas formas liberais de arranjo sociometabólico está no fato de que para o sistema pluralista deve haver um fórum de discussão para mediação dos interesses, enquanto que o arranjo liberal clássico parece não exigir tais instituições democráticas. Tomamos a liberdade de, neste trabalho, abarcar ambas as possibilidades dentro do que chamaremos de arranjo sociometabólico estatal liberal para fins de simplificação.

Segundo John Kenneth Galbraith a ação de planejamento que caracteriza o que chama de “o Novo Estado Industrial” (GALBRAITH, 1982, p.19) emerge como uma alternativa à regulação via mercado e as suas incertezas no que diz respeito à distribuição de bens e manutenção das taxas de lucratividade. Em sua exposição defende que Estados e Empresas optam passar a utilizar do método de planejamento com fins de não apenas organizar o lado da oferta, mas principalmente dirigir e garantir a demanda — para o que a ideia keynesiana de ajuste da demanda efetiva por parte do Estado contribui diretamente.19 Ainda de acordo com Galbraith este tipo de arranjo se caracterizaria pela articulação entre a Grande Empresa Capitalista de um lado, e do outro o Estado interventor e investidor. Juntos comporiam um “planejamento industrial” (GALBRAITH, 1982, p.36) ou, para usar um termo mais contemporâneo, uma política industrial, com fins de desenvolvimento do aparato industrial no sistema econômico em questão.

Como já foi antecipado, neste tipo de arranjo há dois polos decisórios articulados de maneira dialógica: o Estado, dotado de uma tecnoburocracia para usar um termo caro a Luiz Carlos Bresser-Pereira (1998) a qual reúne os quadros responsáveis pela coordenação macroeconômica e as ramificações microeconômicas de um projeto de nação; e as Empresas, como expressões das relações capitalistas de formação e realização de mais-valia no campo organizacional (GALBRAITH, 1982). Ambos os polos comprometidos com a possibilidade de programação da economia capitalista para fins de melhor valorizar e acumular capital. A este tipo de arranjo dual entre Capital e Estado através de um modelo planejador esta pesquisa se refere como arranjo sociometabólico estatal planificado.

Já o tipo de arranjo sociometabólico estatal que aqui chamaremos como neocorporatista20 constitui-se como uma alternativa intermediária entre os dois polos representados pela

19 Demanda efetiva em Keynes representa, quase que de maneira tautológica, o conjunto da demanda agregada

que é efetivamente concretizada num sistema econômico em particular. Keynes opõe a noção de demanda

efetiva à concepção clássica [e também neoclássica] de que a produção, através do sistema de remuneração dos

fatores, viabiliza sua própria demanda – o que permitiria uma antecipação ex ante a qual serviria para tomada de decisão capitalista (KEYNES, 1983).

20 Em verdade o texto publicado em 2004 através da Editora Loyola trás o termo neocorporativismo. No entanto,

em conversa privada com o prof. Nelson Oliveira, este depôs que a editora alterou o texto original trocando o termo que este havia escolhido – necorporatismo – pelo que foi utilizado na publicação, à revelia de sua vontade. Escolhemos então utilizar o termo com a grafia sugerida pelo autor, o qual é mais apropriado para diferenciar o conceito aqui referido da noção de novas articulações corporativistas de profissionais, ao que neocorporativismo verdadeiramente alude.

regulação através do mercado e pela estrutura planificada a partir do Estado (OLIVEIRA, 2004). Trata-se, nas palavras de Nelson Oliveira, de “[...] um mecanismo de intermediação de interesses [...]” (2004, p.247) fundamentado na existência de um terceiro elemento que busca organizar a relação Capital/Estado através da produção técnica de conhecimento. O terceiro elemento em questão seriam instituições da sociedade civil organizada, estas por sua vez ligadas a frações da classe capitalista sendo esta sua diferença com os arranjos liberais (OLIVEIRA, 2004). Ainda haveria a possibilidade de associar este tipo de arranjo ao modelo político representativo socialdemocrata, o qual se pretende uma terceira via entre a direita conservadora e a esquerda revolucionária.

Neste tipo de arranjo sociometabólico o processo de produção técnica é terceirado para estas instituições da sociedade civil organizada, enquanto o Estado mantém apenas o papel de mediação dos distintos interesses, assumindo uma função mais reguladora do que necessariamente interventora. Isto, no entanto, evitando imbuir-se de uma postura de total não-interferência (OLIVEIRA, 2004).

1.3 INTERNACIONALIZAÇÃO SETORIAL