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1.2 D IFICULDADES TEÓRICAS QUE PERMEIAM O ESTUDO DOS DIREITOS HUMANOS

1.2.4 As diversas classificações dadas aos direitos humanos

Outra dificuldade que se apresenta é a diversidade de classificações, jamais imune a críticas. André de Carvalho Ramos113 anota a existência de, pelo menos, quatro formas de classificação de âmbito internacional: a) segundo a Teoria do status; b) conforme a Teoria das Gerações ou Dimensões; c) a partir das funções que os direitos humanos desempenham; e d) de acordo com sua finalidade.

A Teoria dos Status, desenvolvida pelo George Jellinek (1851-1911), surgiu no final do século XIX em repúdio ao jusnaturalismo dos direitos humanos, para afirmar a necessidade de positivação desses direitos pelo Estado, de modo que pudessem ser garantidos e concretizados, ou seja, defendia o jurisconsulto a positividade e a verticalidade desses direitos.

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins114 lecionam que a finalidade precípua dos direitos fundamentais é conferir às pessoas uma posição jurídica de direito subjetivo, que pode ser de natureza material ou processual, de forma a limitar a liberdade do Estado. Nesse diapasão, cada direito fundamental constituiria, de acordo com George Jellinek um “direito público subjetivo”, vale dizer, um direito individual que vincula a atuação do Estado.

Diante disso, George Jellinek teria construído sua teoria a partir da relação indivíduo-Estado. Nesse sentido, dividiu os direitos humanos em quatro estados ou situações

112 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 32.

113 RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015,

p. 53-63.

114 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl.

(status) 115, a depender da posição jurídica de direito subjetivo conferido ao indivíduo perante o Estado: uma situação de sujeição (status subjectionis ou status passivo), uma situação de liberdade (status libertatis ou status negativo), uma situação de requisição (status civitatis ou status positivo) e uma situação de atuação (status activus ou status ativo).

A primeira situação delas seria o status subjectionis (estado de sujeição), segundo o qual o indivíduo se encontra em posição de subordinação, que o condiciona a cumprir determinadas condutas exigidas pelo Estado. Essa posição representa, antes, um dever fundamental do indivíduo para com o Estado, o que implica, em última análise, uma sujeição aos direitos fundamentais dos demais indivíduos.

A segunda posição é o status libertatis (estado de liberdade), segundo o qual ao Estado não é dado interferir na esfera da liberdade individual de cada ser humano, devendo respeitar a autodeterminação do sujeito, o qual pode resistir ante a interferência indevida do Estado na sua esfera privada. É, por isso, que costuma ser chamado de “direito de defesa” ou “direito de resistência”.

Já o terceiro é o status civitatis (estado de cidadão), que confere ao indivíduo a possibilidade de exigir do Estado uma atuação positiva, realizando uma prestação, a fim de garantir direitos. Portanto, não basta que o Estado não interfira no âmbito de liberdade individual, é preciso que ele forneça meios para assegurar o exercício de direitos.

Por último, o status activus (estado ativo) é aquele que coloca o cidadão em posição de participar na vontade do Estado, vale dizer, são os direitos políticos ou de participação do indivíduo, que são exercidos não apenas por sufrágio universal, mas, também, pelo acesso a cargos públicos (art. 25 do PIDCP).

Embora considerem que a classificação proposta por Jellinek possua virtudes e que, apesar de haver várias críticas, não tenha perdido sua atualidade e pertinência, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins116 destacam que o esquema proposto pelo alemão não consegue abranger

115 Cf. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,

2015, p. 53; MENDES, Gilmar Ferreira. Limitações dos direitos fundamentais. IN: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 177-178. Outros autores afirmam serem apenas três: direitos de estado negativo (status negativus), que se configurariam pelo direito de resistência à atuação do Estado; direitos de estado positivo (status positivus), que são ou chamados “direitos sociais”, isto é, aqueles que englobam direitos que permitem ao indivíduo requerer uma prestação estatal para melhorar suas condições de vida, de modo a garantir os pressupostos materiais para que o indivíduo exerça sua liberdade, incluídas aquelas do status negativus; e o estado ativo (status activus), que possibilita a participação na política estatal de forma ativa. O estado de sujeição (status subjectionis), à evidência, não apareceria na tripartição proposta por Jellinek, por não corresponder a “direitos”, mas, a “deveres” (Cf. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Altas, 2014, p. 49-54.).

116 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl.

todas as formas de direitos fundamentais que se apresentam na atualidade, com é o caso dos chamados “novos direitos coletivos”. Com efeito, no caso de direitos difusos, não há como especificar o que cada indivíduo pode fazer ou exigir em determinadas situações concretas, o que acaba por impossibilitar a teoria de Jellinek.

Outra classificação que tenta dar conta dos direitos humanos é a Teoria das Gerações. Ao que tudo indica, a teoria foi originalmente apresentada pelo sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), na obra “Citizenship and social class, and other essays”, publicada em 1950. A propósito de estudar a cidadania na Inglaterra, Marshall esclareceu, nesse trabalho, que os direitos civis foram os primeiros a surgir, seguidos pelos direitos políticos e, depois, pelos sociais.

Todavia, os “louros” da Teoria Geracional são geralmente atribuídos a Karel Vasak, como faz André de Carvalho Ramos117, para quem essa teoria foi lançada por tal jurista. Também Paulo Bonavides118 faz referência a ele sem, no entanto, atribuir-lhe a origem. De toda forma, dúvidas não há de que a teoria foi desenvolvida por Karel Vasak no seu “For the Third Generation of Human Rights: The Rights of Solidarity”, de 1979.

Essa Teoria classifica os direitos humanos de acordo com cada um dos dísticos da Revolução Francesa, observando-se a mesma sequência: liberdade, igualdade e fraternidade.

Os direitos de primeira geração seriam os direitos de não interferência do Estado na liberdade dos indivíduos e o direito desses de participar da vontade do Estado, ou seja, compõem-se dos direitos “civis e políticos”.

A segunda geração de direitos veicula o valor da “igualdade”, demandando do Estado a quebra de sua inércia para assegurar condições materiais mínimas para que a igualdade formal declarada possa ser concretizada e cuja representatividade se dá pelos chamados “direitos sociais, econômicos e culturais”.

Por último, a fraternidade seria a condutora da terceira geração de direitos humanos, tendo por objetivo a solidariedade entre os indivíduos a fim de concretizar o bem comum do direito à paz, à autodeterminação e ao meio ambiente equilibrado, sem os quais a vida humana estará ameaçada.

Paulo Bonavides119 contribui para a Teoria Geracional ao incluir uma quarta geração, que seria resultante da globalização dos direitos fundamentais, ou seja, da

117 RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015,

p. 55.

118 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 563. 119 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 571-572.

universalização desses direitos, compondo a última fase de institucionalização do Estado social. Para o mestre cearense, são representantes dessa geração o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.

Críticas não faltam à Teoria Geracional, a começar pela própria denominação, que induziria ao equívoco da substituição dos direitos de uma geração pelos de outra. A crítica é coerente, pois não se pode supor que uma geração suceda a outra, cronologicamente, causando a caducidade da anterior, tendo em vista que, na verdade, todos os direitos convivem ao mesmo tempo.

Outra condenação seria a noção de antiguidade ou posteridade das gerações, o que pode incutir a equivocada ideia de que, no plano internacional, os direitos sociais (segunda geração) surgiram depois dos direitos civis e políticos (primeira geração), o que encontraria óbice na adoção Convenções da OIT a partir de 1919. Ademais, enquanto instrumentos internacionais dos direitos de primeira geração vieram após a Segunda Guerra Mundial, com o PIDCP e outros tratados que desenvolvam direitos civis e políticos.

Uma terceira apreciação negativa é a forma fragmentária como colocadas as gerações, o que ofende a indivisibilidade dos direitos humanos, servindo, na prática, para diferenciação do regime de implementação dos direitos de uma geração em relação aos de outra. Por último, há uma dificuldade em classificar alguns direitos em uma ou outra geração, dadas as novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos humanos, como o próprio direito à vida, que, para além de um direito de liberdade, possui um conteúdo social.

André de Carvalho Ramos120 aduz que a mudança de terminologia para “dimensões”, em vez de “gerações”, não acaba com as críticas, eis que ainda haveria o problema da indivisibilidade dos direitos humanos e os novos conteúdos dos direitos protegidos. Porém, ressalta a importância da teoria com instrumento didático para a compreensão dos direitos humanos e sua inexauribilidade, devendo haver uma visão integral desses direitos a fim de evitar a diferenciação de regime de sua implementação.

Uma terceira possibilidade de classificação dos direitos humanos é pelo critério das funções. A classificação por funções pressupõe a existência de direitos de defesa, direitos de prestação e direitos a procedimentos e instituições.

O conjunto de prerrogativas conferidas ao indivíduo e voltado para a defesa de determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Estado ou mesmo de outro particular configuraria os “direitos de defesa”, formando um “escudo” contra o Estado e contra outros

120 RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015,

particulares, como o “direito ao não impedimento”, o “direito ao não embaraço” e o “direito a não supressão de determinadas posições jurídicas”.

Já os direitos prestacionais exigem que o Estado tenha uma conduta orientada para assegurar a efetividade dos direitos humanos, podendo essas prestações ser “jurídicas” ou “materiais”.

Por fim, os direitos a procedimentos e instituições são aqueles que têm por função exigir do Estado a estruturação de órgãos com o aparato adequado, tanto em equipamentos como em pessoal qualificado, de modo a oferecer serviços essenciais à efetivação dos direitos humanos.

Os direitos humanos podem, ainda, ter uma classificação de acordo com sua finalidade, sendo dividida em duas categorias: direitos propriamente ditos e garantias fundamentais. Os primeiros são os enunciados normativos que reconhecem juridicamente as pretensões inerentes à dignidade humana. As garantias fundamentais, por sua vez, são quem asseguram a fruição dos direitos propriamente ditos.

Apesar de todas essas classificações, a que vem sendo mais difundida é, sem dúvida, a Teoria das Gerações. Na linha de André de Carvalho Ramos, pensamos ser ela realmente a mais interessante por se constituir em um instrumento verdadeiramente didático para a compreensão dos direitos humanos e de sua inexauribilidade. Ademais, estaria ela em consonância com a cronologia consagrada nas declarações de direitos do constitucionalismo.