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2 A OIT E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS TRABALHADORES

3.3 O EQUIVOCADO PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DAS C ONVENÇÕES DA OIT

3.3.1 A processualística das Convenções comuns

Conforme visto anteriormente, ao ser adotada uma Convenção Internacional do Trabalho pela OIT, o Diretor-geral da RIT entregará uma cópia autenticada da norma a cada um dos Estados-Membros, consoante dispõe o art. 19, § 4.º, da COIT, ficando o Estado- Membro obrigado a submetê-la à autoridade ou às autoridades com competências na matéria, tendo em vista transformá-la em lei ou tomar outras medidas, por força do art. 19, § 5.º, “b”, da COIT. No entanto, a processualística interna para aprovação das Convenções da OIT, sejam elas comuns ou de direitos humanos, é regida pela Constituição da República.

Assim, sendo do Congresso Nacional a competência para resolver definitivamente sobre tratados (art. 49, I, da CRFB), cabe ao Presidente da República submeter, nos termos do art. 84, VII, da Constituição, as Convenções da OIT à apreciação do Congresso. Para tanto, é enviada Mensagem Presidencial, devidamente acompanhada de uma Exposição de Motivos, explicando os interesses do Estado brasileiro em aderir à norma internacional, bem como uma versão oficial da Convenção em língua portuguesa.

A Mensagem ao Congresso Nacional é minutada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), tendo em vista ser sua missão auxiliar o Presidente da República na formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução, manter relações diplomáticas com organizações internacionais e promover os interesses do Estado, entre outras coisas, conforme estabelece do art. 76 da CRFB c/c art. 1.º, Parágrafo único, do Anexo I do Decreto n. 7.304, de 22.09.2010.

A atuação do Ministério das Relações Exteriores é de grande importância na formação da posição do Poder Executivo em relação à fundamentalidade da incorporação da Convenção para o Brasil, pois é quando são feitas análises sobre a classificação do tratado e de sua adequação ao ordenamento brasileiro. Embora possua essa relevância na construção do entendimento do Poder Executivo e na indicação de rumo para o Poder Legislativo, infelizmente, esse é um momento pouco explorado pela doutrina especializada269.

Desde 27.10.1999, quando foi expedido foi expedido o Aviso n. 1872, pelo Gabinete da Casa Civil da Presidência da República, todos os atos internacionais celebrados pelo Brasil devem ser objeto de parecer da Consultoria Jurídica (CJ) do MRE, ficando as Convenções da OIT também incluídas, não obstante a ressalva antes feita em relação à celebração.

No âmbito do MRE, é o Regimento Interno da Secretaria de Estado das Relações Exteriores (RISE), aprovado pela Portaria Ministerial n. 212, de 30.04.2008, a norma que regulamenta a tramitação interna dos tratados internacionais. Em conformidade com o art. 23 do RISE, a Secretaria-Geral das Relações Exteriores compreende, entre outros setores, Divisões com competências materiais, as quais são responsáveis pelas minutas de Exposição de Motivos e de Mensagem que o Presidente da República envia ao Congresso Nacional.

Nesse sentido, compete à Divisão de Atos Internacionais (DAI), entre outras coisas, opinar sobre a processualística e a forma dos atos internacionais celebrados pelo Brasil, nos termos do art. 129 do RISE. No caso das Convenções da OIT, outra Divisão importante é a de Temas Sociais (DTS), que tem competência para questões ligadas ao trabalho, de acordo com o art. 49 do RISE.

Desse modo, essas Divisões ficam incumbidas de minutar a Exposição de Motivos (EM) e a Mensagem Presidencial (MSC). Na Exposição de Motivos, são explicadas as razões que levaram à adoção da Convenção pela OIT e a posição do governo brasileiro quanto à adesão

269 Ver MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014,

ao tratado. Ademais, como a Convenção não é redigida em português, deverá a Exposição de Motivos se fazer acompanhar, obrigatoriamente, de tradução do texto oficial do Ato.

Minutadas a Exposição de Motivos e a Mensagem por essas Divisões, o Ministro das Relações Exteriores, na condição de auxiliar do Presidente da República (art. 76 da CRFB), as subscreve e solicita que o Presidente da República submeta o tratado ao Congresso Nacional.

Por óbvio, esse procedimento não pode ser entendido como vinculante para o Presidente da República, uma vez que pode discordar do teor e modificar o conteúdo a ser enviado ao Congresso. Porém, não se pode negar sua importância para a construção do entendimento brasileiro acerca da incorporação de uma Convenção, tendo em vista que é a primeira análise técnica e política feita pelo Brasil.

Uma vez aprovada a Exposição de Motivos e assinada a Mensagem Presidencial, tais documentos são encaminhados para exame e aprovação do Congresso Nacional, juntamente com a versão em português da Convenção. No Congresso, iniciam-se a discussão e a votação na Câmara dos Deputados, a teor do art. 64, caput, da CRFB, já que a iniciativa parte sempre do Presidente da República.

Nessa primeira Casa Legislativa, o processo tramitará em consonância com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD). Logo, recebida a Mensagem, a Mesa Diretora da Câmara envia a proposição para ser apreciada, em regime de prioridade (art. 151, II, “a”, do RICD), pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (art. 32, XV, “c”, do RICD), que emite parecer e, se entender pela aprovação, formula o Projeto de Decreto Legislativo (PDC).

Antes da deliberação pelo Plenário, o Projeto de Decreto Legislativo passará, caso necessário, por outras comissões temáticas, mas obrigatoriamente, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Nessa Comissão, serão examinados aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e de técnica legislativa, e, juntamente com as comissões técnicas, pronuncia-se sobre o seu mérito, quando for o caso (art. 53, III, do RICD). A proposição entra em regime de urgência no Plenário, a partir de sua aprovação pelo órgão técnico específico, mediante Projeto de Decreto Legislativo (art. 151, I, “j”, do RICD).

No Plenário, a votação pode ser ostensiva, adotando-se o processo simbólico ou o nominal, ou, de outra forma, secreta, por meio do sistema eletrônico ou de cédulas, em conformidade com o art. 184 do RICD. Porém, dispõe o Parágrafo único desse artigo que, uma vez definido determinado processo de votação para uma proposição, não será admitido para ela requerimento de outro processo.

Para a apreciação das Convenções da OIT, o que se tem visto é a Câmara adotar o processo simbólico descrito no art. 185 do RICD, usado para as proposições em geral. Nesse tipo de votação, o Presidente convida os Deputados a favor da aprovação a permanecerem sentados e proclama o resultado manifesto dos votos, ficando a Convenção aprovada por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros, conforme art. 47 da CRFB e art. 183 do RICD, vale dizer, maioria relativa.

Frise-se, por oportuno, que este processo de votação, adotado para os tratados comuns, não computa o número de votos e nem possibilita saber quais foram os deputados que votaram a favor ou contra, pois isso não fica registrado em qualquer lugar.

Após aprovação pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Decreto Legislativo é enviado ao Senado Federal, que somente dará tramitação a ele se estiver acompanhado de cópia autenticada do texto, em português, da respectiva convenção, bem como da Mensagem de encaminhamento e da Exposição de Motivos, consoante norma insculpida no art. 376, I, do Regimento Interno do Senado Federal (RISF).

No Senado, também será o Projeto remetido à respectiva Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, onde ficará sujeito a recebimento de emendas, devendo a Comissão emitir parecer, em quinze dias úteis, sobre o Projeto e as eventuais emendas apresentadas, como dispõe o art. 376, II e III, do RISF. Entrará o Projeto de Decreto Legislativo na Ordem do Dia do Senado Federal quando publicados o parecer e as emendas e o avulso eletrônico, decorrido o interstício regimental (art. 376, IV, do RISF).

Como no caso das Convenções da OIT não há prazo para o Estado-Membro se manifestar sobre elas, não incide a regra do art. 376, V c/c art. 172, II, “c”, do RISF, segundo a qual, sem o parecer e faltando dez dias, ou menos, para o término do prazo no qual o Brasil deva manifestar-se sobre os atos em apreço, entrariam os Projetos de Decretos Legislativos na Ordem do Dia. Portanto, diferentemente do que possa ocorrer com outros tratados, as Convenções da OIT somente são levadas a Plenário com o parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.

Diferentemente do que ocorre na Câmara, no Senado Federal, não há obrigatoriedade para que o Projeto de Decreto Legislativo passe pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Todavia, deverá passar sempre pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, cujo parecer será apreciado pelo Senado quando de sua deliberação em Plenário.

É possível, ainda, que o Presidente do Senado, ouvidas as lideranças, confira à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional competência para apreciar,

terminativamente, a Convenção da OIT, nos termos do art. 91, § 1.º, I, do RISF. Nesse caso, a aprovação pela Comissão se dá por maioria de votos, presente a maioria dos membros da Comissão, que é composta por 19 senadores.

Aprovada pela Comissão, a decisão terminativa é comunicada ao Presidente do Senado, que deve dar ciência ao Plenário e publicar no Diário do Senado Federal. Abre-se, então, prazo para interposição de recurso para que a matéria seja apreciada pelo Plenário do Senado. O recurso deve ser assinado por um décimo dos membros do Senado e dirigido ao Presidente da Casa, a quem cabe decidir. Caso entenda o Presidente pelo provimento do recurso, o Projeto de Decreto Legislativo vai à votação em Plenário, sendo necessária, para a aprovação, maioria de votos, presente a maioria absoluta, nos moldes do art. 47 da CRFB e art. 288, caput, do RISF.

Também no Senado Federal, a votação ocorre pelo processo simbólico insculpido no art. 293 do RISF. Desse modo, os Senadores que aprovarem a matéria deverão permanecer sentados, levantando-se os que votarem pela rejeição. De forma idêntica ao que ocorre na Câmara dos Deputados, não se computa o número de votos e nem se possibilita saber quais foram os deputados que votaram a favor ou contra, pois não há registros da participação, já que a votação nominal somente ocorre nos casos em que seja exigido quórum especial de votação ou por deliberação do Plenário, consoante dispõe o art. 294 do RISF.

Aprovado o Projeto de Decreto Legislativo, seja pela Comissão ou pelo Plenário, o Presidente do Senado Federal, na condição de Presidente do Congresso Nacional, promulga o Decreto Legislativo (art. 57, § 5.º, da CRFB c/c art. 48, XXVIII, do RISF), o qual deverá ser publicado no Diário do Congresso Nacional.

Em todo caso, o Projeto de Decreto Legislativo pode ser rejeitado pelo Congresso Nacional ou mesmo, aprovado com ressalvas. No primeiro caso, fica o Presidente da República impossibilitado de depositar o instrumento de adesão à Convenção da OIT. Já no segundo caso, dependerá do tipo de ressalva feita, uma vez que, em regra, não se admitem reservas à ratificação das Convenções da OIT.

Porém, é possível a ratificação sob condição suspensiva, isto é, condicioná-la à concretização de determinados atos ou fato, podendo ser utilizada para proporcionar a aplicação de instrumento internacional à uma certa região ou, por exemplo, para aguardar que certos países também adiram a ela, conforme lição de Arnaldo Süssekind270.

Uma vez aprovada pelo Poder Legislativo, com fundamento no Decreto Legislativo que materializa a aprovação, está o Presidente da República, na condição de Chefe do Estado brasileiro, autorizado a promover a ratificação do ato internacional, conforme norma insculpida no art. 84, VIII, da CRFB.

Ressalte-se que, conforme leciona George Rodrigo Bandeira Galindo271, a ratificação é ato discricionário do Presidente da República, a quem cabe analisar a conveniência de o Brasil aderir, ou não, à Convenção da OIT. Somente se entender ser conveniente a ratificação, o Presidente da República, então, deposita o instrumento de adesão na Repartição Internacional do Trabalho.

Após a ratificação, estando a convenção em vigor internacionalmente, é praxe constitucional brasileira o Presidente da República publicar um Decreto para dar conhecimento sobre o ato internacional e, a partir de sua publicação, passar a vigorar em território nacional.