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AS EMOÇÕES DO MÉDICO E A PERCEPÇÃO DO PACIENTE

Um dos grandes problemas que o médico enfrenta é que, com o tempo de prática, ele pode vir a agir de forma automática, sem questionar-se. Nessa ação automática, os médicos podem não perceber que na base deste automatismo pode existir uma forte emoção em relação a um paciente.

As emoções, principalmente as negativas, podem embaçar o raciocínio do médico e provocar erros. Podem ser erros de representatividade, quando o raciocínio é guiado por um

protótipo e o médico deixa de considerar a possibilidade de contradizer esse modelo, atribuindo os sintomas à causa errada, ou erros de atribuição7, quando os pacientes se encaixam em um protótipo negativo (GROOPMAN, 2008).

Historicamente, a visão predominante na Medicina é a de que decisões clínicas devem ser objetivas e livres de comprometimento afetivo. Entretanto, segundo Croskerry, Abbass e Wu (2008), afetos estão presentes em quase todas as decisões tomadas e, por isso, o seu papel e a compreensão de seu funcionamento são de essencial importância na tomada da decisão clínica.

Erros processuais, muitas vezes, são facilmente identificáveis. O mesmo não acontece com os erros cognitivos ou emocionais, que são menos visíveis, e os que os cometem não parecem identificá-los ou perceber seus impactos.

A qualidade do cuidado que um paciente recebe depende da competência e da capacidade de comunicação do médico, do conhecimento técnico, mas também das atitudes e percepções que ele tem de seus pacientes.

Os pacientes irão provocar respostas afetivas em seus médicos, e essas poderão ser positivas, mas poderão também ser negativas. Podem levar os médicos a referirem-se a pacientes utilizando rótulos, como por exemplo, "questionadores", "difíceis" ou "heartsink".

A comunicação problemática entre médicos e pacientes, segundo Seaburn et al. (2005), é comum na atenção primária, diante de sintomas sem explicação médica. Essas dificuldades de comunicação, muitas vezes, levam a rotular pacientes como “difíceis”.

De acordo com Balint (1988), médicos percebem os pacientes difíceis como aqueles que demandam mais do seu tempo, causam irritação, frustração e ansiedade por alguma conduta, principalmente aquelesque demonstram insatisfação com o cuidado e desconfiança.

Do ponto de vista da relação, o médico vê o paciente difícil como aquele que não é satisfeito com o atendimento, tem atitudes exigentes e manipuladoras (ELDER, RICER e TOBIAS, 2006 e HAHN et al., 1994) ou são rudes, agressivos e buscam ganho secundário (STEINMETZ e TABENKIN, 2001).

Algumas pesquisas mostram que os pacientes percebidos como difíceis podem impactar negativamente na decisão médica e nas emoções dos médicos. Segundo Smith (1995), as consultas com pacientes difíceis resultam em menor concentração na efetividade de

7“Erro de atribuição” é um termo utilizado na psicologia social e consiste em um processo de interpretação no

qual o julgamento e a inferência são tomados por um viés que fundamentalmente conduz a julgamentos negativos em relação ao comportamento dos outros (ROSS, AMABILE E STEINMETZ, 1977).

cuidados, desperdício de energia pelo médico, reclamações e manutenção dos problemas de saúde do paciente.

Kushnir et al. (2011), ao avaliarem como as emoções negativas podem prejudicar a qualidade dos cuidados ao paciente, concluíram que o humor negativo diminuiu o tempo de conversa com o paciente e aumentou a prescrição de medicamentos e encaminhamentos a especialistas.

De acordo com Teo, Du e Escobar (2013), o paciente é considerado difícil nem tanto por sua complexidade clínica, mas pelas repercussões na interação médico-paciente, pois ao expressarem insatisfação, podem desencadear no médico frustração, cansaço e esgotamento. Semelhante ao estudo de Garriga et al. (2003), que também observou que os sentimentos que os pacientes difíceis geram nos médicos são, predominantemente, irritabilidade e frustração.

Segundo Serour, Al Othman e Al Khalifah (2009), o médico deve compreender que, na relação com o paciente difícil, os "problemas" não cabem exclusivamente aos pacientes. Os médicos devem analisar o encontro para identificar as causas por trás deles. De acordo com Lorenzetti et al. (2013), encontros difíceis podem estar associados ao médico, ao paciente ou a ambos.

De Marco (2005) observou que não são primordialmente as características do paciente que produzem a condição de dificuldade para ajudar, mas algumas percepções e características dos médicos, apontando para a importância de uma atenção ao preparo dos profissionais.

Embora haja muitos artigos sobre gestão de pacientes “difíceis”, Halpern (2007) observa a pouca atenção que tem sido dada ao desafio que o médico enfrenta durante conflitos com os pacientes, especialmente quando há sentimentos negativos em relação a eles. Para o autor, a prática da Medicina exige cada vez mais que médicos aprendam a gerir os seus próprios sentimentos de raiva e frustração e desenvolver a habilidade de identificar suas próprias reações emocionais.

Da mesma maneira que o médico deve gerir os impactos das emoções negativas na interação com o paciente, há também a gestão do impacto das emoções positivas.

Há poucas pesquisas realizadas para identificar o paciente que é visto como positivo pelo médico.

Gulbrandsen et al. (2012) identificaram que os médicos tiveram dificuldade para identificar o afeto positivo e a satisfação do paciente.

O paciente valorizado pelo médico, em pesquisa realizada por O’Riordana et al. (2008), possui como característica: ser simpático/agradável, desafiador, envolvido na relação, interessado e suscitar no médico emoções positivas pela sensação de reconhecimento.

De acordo com Isen (2001), o afeto positivo desempenha um papel regulador nos processos cognitivos, tem influência sobre o pensamento e facilita a criatividade, a flexibilidade e promove a generosidade. Segundo a autora, os médicos precisariam ver o paciente como um consumidor, preocupar-se com a sua satisfação e compreender que seu humor ou estado afetivo interfere na satisfação de seu paciente.

Em dois estudos realizados por Isen, Rosenzweig e Young (1991) e Estrada, Isen e Young (1997), os pesquisadores relataram que o afeto positivo intensificou a relação e o envolvimento do médico com o seu trabalho e com o paciente, tornando-os mais flexíveis, cuidadosos e mais motivados.