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6.2 ANÁLISE QUALITATIVA

6.2.1 Descrição qualitativa dos clusters

O objetivo deste item foi verificar, por meio da análise qualitativa, características pertinentes aos clusters que foram representativos na análise quantitativa, no caso, os clusters 2, 3 e 4.

Em relação à percepção emocional, o cluster 2 é o que possui maior pontuação/média em Alerta e menor pontuação/média em Prazer. Os médicos agrupados neste cluster

perceberam as figuras de forma mais impactante e menos agradável do que os médicos dos outros clusters.

Esse cluster tem como representantes mais homens (5) do que mulheres (2). A média de idade dos participantes do cluster é 47 anos e de tempo de formado, 20,7 anos. Dedicam 48,6 horas ao trabalho e, em média, 41,1 horas semanais ao consultório. Atendem 18,1 pacientes/dia e o tempo de consulta é de 30,7 minutos.

Dos 7 participantes que compõem o cluster, 3 possuem estresse na fase de resistência e 4 não possuem estresse. Dos médicos que possuem estresse (3), dois (2) apresentam prevalência de sintomas psicológicos. Dentre os sintomas psicológicos mais frequentes, a angústia/ansiedade, as dúvidas quanto a si próprio, a irritabilidade excessiva e a vontade de fugir de tudo apareceram com mais frequência dentre os participantes deste cluster. Os sintomas físicos mais frequentes relatados foram: aperto na mandíbula/ranger de dentes; roer unhas ou ponta de caneta; cansaço constante; insônia; mal-estar generalizado sem causa específica; mãos e/ou pés frios; nó ou dor no estômago; tensão muscular e tontura frequente.

Em relação aos clusters 3 e 4, agrupou os médicos mais velhos, com mais tempo de formado, que trabalham mais horas no consultório e que ficam mais tempo com o paciente nas consultas. Isso corrobora os resultados encontrados na fase quantitativa, que concluiu que médicos mais velhos, com mais tempo de formado e com mais tempo de consulta sentiram-se mais impactados diante dos estímulos emocionais, e que médicos que dedicam mais horas semanais ao trabalho no consultório perceberam os estímulos de forma mais negativa e desagradável.

Há evidências de que a idade altera a percepção emocional. Grühn e Scheibe (2008) concluíram que os adultos mais velhos percebem as figuras como mais negativas e mais excitantes que os jovens. Pôrto, Bueno e Bertolucci (2008) observaram que há diferença nos níveis de alerta e valência afetiva entre idosos e jovens e que há uma forte e negativa correlação entre valência afetiva e nível de alerta.

Médicos mais velhos, com mais tempo de formado, que trabalham mais horas no consultório e que ficam mais tempo com o paciente, são mais sujeitos a ver as relações intensas e perceber o contato de forma negativa. Isso parece fazer sentido quando apontam a angústia e a ansiedade como sintomas frequentes.

O cluster 3, em relação à percepção emocional, é o cluster que possui menor pontuação/média em Alerta. É o agrupamento que possui os médicos com média mais baixa em Alerta, pois perceberam as figuras de forma menos impactante e ficaram mais tranquilos diante dos estímulos.

Esse cluster tem como representantes 5 homens e 4 mulheres. A média de idade dos participantes do cluster é 40,7 anos e de tempo de formado, 15,9 anos. Dos 9 médicos, 4 trabalham também em hospital público e 3 em hospital particular. Dedicam 43,8 horas ao trabalho, e em média 29,7 horas semanais ao consultório. Atendem 18,9 pacientes/dia, e o tempo de consulta é de 23,3 minutos.

Dos 9 participantes que compõem o cluster, 7 possuem estresse, 2 na fase de alerta e 5 na fase de resistência; 2 não possuem estresse. É o cluster que possui mais médicos com estresse. Dos médicos que possuem estresse (7), quatro (4) apresentam prevalência de sintomas psicológicos. Dentre os sintomas psicológicos mais frequentes, apresentaram dúvidas quanto a si próprio e irritabilidade sem causa aparente, o que também apareceu nos outros clusters.

Em relação aos clusters 2 e 4, agrupou os médicos com mais estresse e mais médicos que trabalham, além do consultório, também no hospital público.

Como o baixo alerta pode significar uma baixa tensão diante de estímulos em que são esperadas reações mais intensas, o fato de terem mais estresse demonstraria uma diminuição dos processos de defesa e uma atitude mais concreta em relação aos seus sintomas.

O estudo de Carvalho, N. (2009) demonstrou que a exposição a estímulos violentos constantes pode diminuir a ativação emocional e causar a diminuição da reatividade emocional.

O cluster 4, em relação à percepção emocional, é o cluster que possui maior pontuação/média em Prazer. Os médicos agrupados neste cluster perceberam as figuras de forma mais agradável do que a população e os outros clusters.

Esse cluster tem como representantes mais mulheres (5) do que homens (3). A média de idade dos participantes é 38,9 anos, e tempo de formado, 14,9 anos. Dedicam 48,6 horas ao trabalho, e em média 28 horas semanais ao consultório. Atendem 26,8 pacientes/dia, e o tempo de consulta é de 22,5 minutos.

Dos 8 participantes que compõem o cluster, 5 possuem estresse na fase de resistência e 3 não possuem estresse. Dos médicos que possuem estresse (5), todos estão na fase de resistência e três (3) apresentam prevalência de sintomas psicológicos. Dentre os sintomas psicológicos mais frequentes, aumento súbito de motivação, dúvidas quanto a si próprio, entusiasmo súbito e irritabilidade excessiva apareceram com mais frequência dentre os participantes deste cluster.

Em relação aos clusters 2 e 3, agrupou mais mulheres, os médicos mais jovens, com menos tempo de formado, que trabalham menos horas no consultório, que atendem mais

pacientes e que ficam menos tempo com o paciente nas consultas. Isso corrobora com os resultados encontrados na fase quantitativa, que concluiu que há uma relação entre as horas de trabalho no consultório e o Prazer.

O maior prazer pode significar uma maior motivação, uma visão mais positiva das relações. Isso pode sugerir que os médicos que apresentaram maior pontuação em Prazer, como alguns relataram na prevalência dos sintomas psicológicos em estresse, são frequentemente surpreendidos com um aumento súbito de motivação e entusiasmo, como aparece com mais frequência dentre os participantes deste cluster.

Médicos mais jovens, em sua maioria mulheres, com menos tempo de formado, que trabalham menos horas no consultório, que atendem mais pacientes e que ficam menos tempo com o paciente, são mais sujeitos a ter satisfação e a serem mais motivados no que fazem.

Analisando os resultados estatísticos de cruzamento das variáveis sociodemográficas, escala de estresse e IAPS, há três tendências que puderam ser notadas, sugerindo algumas hipóteses interpretativas.

1ª Tendência observada

Os resultados gerais mostraram que médicos mais velhos, com mais tempo de formado e que dedicam mais tempo às consultas, sentiram-se mais impactados (Alerta) diante dos estímulos emocionais. Ao analisar os clusters, esse direcionamento foi confirmado com as variáveis acima, acrescido de mais horas semanais no consultório para o maior impacto de estímulos emocionais e pelo fato de perceber estímulos de forma mais desagradável pela escala de Prazer. Nota-se que, nos resultados gerais, observou-se que os médicos que permanecem mais horas semanais no consultório perceberam os estímulos de forma mais desagradável.

Seja pela prontidão do médico a uma relação mais forte com o paciente, ou decorrente de sua experiência e demanda emocional mais intensa em função do modo de consultar, esses médicos mais velhos parecem mais sensíveis aos impactos emocionais, o que diminui o Prazer e o grau de satisfação. Ou seja, infere-se que as exigências emocionais presentes nas relações com os pacientes interfeririam na relação e na motivação dos médicos, que parecem estar menos satisfeitos.

O grupo que reuniu mais índices de estresse teve como característica dividir o tempo com o trabalho em hospital público. Este grupo mostrou menos Alerta - menos reatividade emocional. Do ponto de vista da percepção emocional, isso pode sugerir que nestes o estresse pode ter contribuído para certo atenuamento de resposta emocional aos estímulos, permanecendo a questão desse fator contribuir para certo afastamento emocional passível de interferir na empatia em relação ao paciente.

Seria provável que a carga sofrida em hospitais e o fato de lidar mais frequentemente com situações e estímulos extremos tenha ocasionado maior estresse e defesas como proteção às demandas tidas como insuportáveis na relação com o paciente.

3ª Tendência observada

Já o grupo constituído de médicos mais jovens e, portanto, com menos tempo de formado, em sua maioria mulheres, que trabalham menos horas no consultório e atendem mais pacientes, ficando menos tempo com cada, teve pontuação acima da média na escala Prazer. Ou seja, parecem mais sujeitos a ter ou procurar satisfação e motivação. O maior prazer pode significar uma maior motivação e uma visão mais positiva das relações, ou ainda uma compensação e busca de prazer, evitando o desprazer.

Seja em função de maior motivação e satisfação, ou como uma busca compensatória da mesma, tais fatores estariam ligados à idade: quanto mais jovem, mais estímulos prazerosos buscados. Pode-se pensar que médicos que dividem o tempo de trabalho com outras atividades teriam maior fonte de prazer e satisfação. Outro fator é que, ao ficarem menos tempo com o paciente na consulta, envolvem-se menos com ele e sofrem menos carga emocional de desprazer, que é o que acontece com o cluster da primeira tendência assinalada.