• Nenhum resultado encontrado

As entrevistas com os autores dos textos e ilustrações

A dificuldade inicial para realizar as entrevistas, uma vez que as principais editoras e os autores dos livros e das ilustrações es- tão situados no eixo Sul/Sudeste, era ir até esses autores, que resi- dem na capital de São Paulo (Sérgio Cântara, Jota e Sany) em Bau- ru (Dirce Guedes), em Campinas (Luis Antônio Rodrigues), Belo Horizonte (Edna de Castro) e Brasília (Angiolina e Isabella). Isso foi resolvido em parte, com a aprovação da primeira etapa desse trabalho pela ANPED. Contudo, não consegui entrevistar as auto- ras Angiolina Bragança e Isabella Carpaneda, em virtude de não encontrá-las nas duas vezes em que estive em Brasília, a convite de instituições, assim como Luís Antônio Rodrigues, não localizado pela editora, talvez porque tenha mudado de endereço, bem como Dirce Guedes, que estava viajando.

No período de 26 a 30 de setembro de 1999, participei da 22ª reunião da ANPED, apresentando, no GT Movimentos Sociais e Educação, o trabalho que se constituiu na primeira etapa desta pesquisa, “As transformações da representação do negro no livro didático de Comunicação e Expressão de Ensino Fundamental”. Terminada a reunião em Caxambu, Minas Gerais, fui para São Pau- lo, onde permaneci até 07 de outubro, ocasião em que estabeleci contatos telefônicos com os autores dos textos e ilustrações, confir- mando as entrevistas previamente marcadas.

A primeira entrevista ocorreu no dia 04 de outubro de 1999, às 20 horas, no Hotel Itamaraty, no Centro de São Paulo, onde me hospedei. O entrevistado, senhor Sérgio de Jesus Cântara, ilus- trador dos livros Porta de Papel, 2ª e 4ª série, respectivamente, foi gentilíssimo, optando por vir ao meu encontro. Ele é um senhor aparentando ter 50 e alguns anos, louro, quase ruivo, alto magro, simpático e sorridente. As suas respostas explicitaram e ampliaram aquelas do questionário respondido anteriormente por ele. Atribui a forma como representa o negro nas ilustrações à sua formação fa- miliar, onde “nunca houve lugar, por exemplo, principalmente pro tipo de preconceito racial”, aos amigos negros com os quais convive há mais de 30 anos: “são pessoas super-honestas, com um concei- to de família espetacular”. Questionado sobre que outros fatores poderiam ter contribuído para a representação mais concreta dos personagens negros, ele citou o filme Ao mestre com carinho, “esse filme dá uma lição enorme, né?”. Questionado sobre ter na maioria das representações do seu livro personagens de classe média, em contraste com a realidade, onde o negro é apenas 8 milhões e pouco nessa classe, ele respondeu que,

- Isso é normal. É normal sabe por quê? Meus amigos e amigas da minha filha, que se formou há dois anos em Direito, são todos da classe média. Então, é como eu te digo, é uma coisa que eu vivencio, é uma coisa que eu estou presenciando.

Ainda referindo-se à convivência como fator mais determi- nante das suas representações do negro, ele citou a convivência com

um indigente da sua rua, que foi escravo e uma vez mostrou-lhe as costas cortadas por chibatadas, causando-lhe horror. Também co- nheceu na casa dos avós, quando tinha quatro anos de idade, uma senhora negra chamada Maria Xará, que lhe contava história e cozi- nhava como ninguém. Um exemplo, para ele, marcante na família, era o avô materno, português, que fazia coisas surpreendentes.

- Eu me lembro que ele trouxe uma vez pra casa Armando, um rapaz afro-descendente, que ele pegou com 15 anos nas ruas e levou para dentro de casa. Esse Armando foi para a Marinha, virou um excelente cozinheiro e vinha visitá-lo todos os anos.

Admitiu que a cultura, a religião afro, possa tê-lo influenciado de alguma forma. Porém, atribui à convivência e à família a influên- cia maior na representação das suas ilustrações. Evidenciou a liber- dade de criação dos personagens concedida pela editora: “o texto já vem pronto. Nós temos que ilustrar o texto”. “A gente tem que fazer o que vem à cabeça”. Fez uma referência importante às represen- tações eurocêntricas ainda vigentes em muitos livros e frequentes nos livros das décadas anteriores: “[...] os nossos modelos geral- mente são os de ilustrações européias. E a gente acaba desenhando aquela casinha com chaminé, aquela casa que não existe aqui”.

- A gente que teve de desenhar tudo na vida, a gente que não tem um personagem próprio, que não tem uma certa identidade, a gente que tem de desenhar tudo que aparece, para poder manter a família, então eu acho que a gente acaba também se escorando em muitos modelos europeus de ilustração.

Ele concluiu com uma frase significativa para a nossa reflexão nos caminhos a trilhar na procura da autoestima negra, eviden- ciando a convivência como um elemento determinante da trans- formação da representação social estigmatizada e a dificuldade de identificar as diferenças:

- Como eu te disse, sou influenciado pelo convívio. Por gostar sabe? E também por não fazer diferença alguma mediante ser hu- mano, seja alemão, japonês, índio... pra mim todos são iguais.

A segunda entrevista foi realizada no dia 05 de outubro, às 10:30. Recebi no hotel o senhor José Roberto de Carvalho, que trabalha com o pseudônimo de Jota e Sany. Jota é ele, e Sany, sua esposa. Jota é jovem, aparentando ter 39 anos, pele clara, cabelos pretos, grisalhos, magro e muito bonito. É autor de vários livros para-didáticos e o criador da Turma do barulho, história em quadrinhos editada pela Abril Cultu- ral. Desenvolve um trabalho de capoeira junto ao grupo Pro-Angola, buscando resgatar a origem da capoeira na questão, para ele, a mais importante, a busca dos Orixás, a libertação dos escravos, a identidade negra e suas origens. Identifica a cultura e a sua origem negra, indígena e branca como fatores que influenciam na forma como representa o ne- gro. A sua avó, “de pele morena, queimada”, é descendente de africano escravizado e de índio. O seu avô é de origem holandesa.

- A capoeira faz com que a gente procure pensar melhor na nossa família, quem foi o meu avó, quem foi a minha avó? Quem foi mi- nha bisavó? A capoeira faz a gente buscar as nossas origens, a gente acaba mostrando influências assim super marcantes do negro na vida da gente.

Outro fator que ele aponta como determinante da forma como representa os personagens é a convivência com pessoas de todas as raças.

- Os meus amigos são negros, são árabes, são japoneses. Então, talvez a gente cresça até sem perceber o preconceito racial. Acredita que a profissão de escritor e ilustrador “desenvolva o respeito às coisas”... talvez seja isso.

Atribuí à vivência com a família e aos negros a forma como representa as pessoas. A sua origem de catador de papel nas ruas, junto com as crianças negras:

- Eu acho que foi a vida mesmo, os amigos, os avós, eu acho que a maior influência que eu tenho no meu trabalho é os meus amigos e a minha família.

Disse que as histórias que escreve nos livros são vividas por ami- gos, por parentes, que para as pessoas são fantasias. Em sua opinião, uma variável importante para o seu trabalho é a espiritualidade.

“O sentimento que passo é muito ligado com a questão da espiritua- lidade”. Disse que não pinta o negro como minoria. Os vários tons de pele do negro, tidos como mestiços, não aparecem na ilustração de- vido ao processo gráfico ser ruim, não reproduzir fielmente as cores. Para ele foi difícil, no começo, ilustrar a diversidade,

- porque alguns editores gráficos relutam bastante, porque não estavam acostumados a uma representação desse tipo, mas depois o pessoal gostou muito. Não só na questão de colocar o negro, mas como eu falei colocar também os orientais, colocar outras etnias [...]

Concluiu contando um fato que determina sua dificuldade com as questões da diferença. Contou que, a convite da “Legião da Boa Vontade”, foi à Brasília e lá reuniu crianças árabes, negras e indígenas da região, dividiu-as por faixa etária, colocou um dese- nho na frente delas e “indiferente de cor, raça ou religião, elas dese- nharam exatamente igual”. “Indiferente de cor, raça ou religião, as crianças, na sua origem, se comunicam da mesma maneira”. Che- gando, a partir desse fato, à seguinte conclusão: “O que eu quero dizer com isso é que alma não tem cor”.

A terceira entrevista foi feita com Edna de Castro, de Belo Horizonte, ilustradora do livro Festa das palavras. A dificuldade de acesso à ela levou-me a entrevistá-la por telefone, quando da minha estada em São Paulo, no dia 03 de outubro, à noite. Inquirida sobre o que a levou a representar o negro humanizado e com direitos de cidadão, respondeu que tudo começou a partir dela própria. Usava “touca” pra fazer os cabelos ficarem lisos. Passou a gostar do seu cabelo cacheado e deixou de fazer “touca”. Começou a ir à praia para ficar bem preta; depois deixou de fazer isso para não causar da- nos à pele. Identificou também como determinante da forma como representa o negro, a realidade brasileira. Disse que desenhou as crianças negras “porque o Brasil é assim, tem gente de toda cor”. “As crianças do Norte/Nordeste são negras, morenas, não são brancas como na TV” Apresentou, com admiração, um fato que traduz a naturalidade do estigma do negro, segundo sua visão, limitado a papéis e funções subalternas: “até as empregadas na TV são bran-

cas”. Por outro lado, a visibilidade dos negros na mídia a influen- ciou, uma vez que distingue a beleza da voz de Milton Nascimento, que considera “lindo, sensível, criativo, inteligente e maravilhoso”. Acha que tanto os cabelos de Xuxa como os de Djavan são lindos, estabelecendo a beleza na diversidade dos atributos adiscritivos.

A quarta entrevista seria realizada com Dirce Guedes, autora do livro Festa das palavras. Ela reside em Bauru, município de São Paulo. Devido à dificuldade de ir até lá, e tendo em vista que as res- postas dadas ao questionário satisfizeram plenamente as questões encaminhadas, não realizei a entrevista.

Apêndice H

As categorias de análise construídas a