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Para melhor compreender as políticas públicas de desenvolvimento rural para a Região Nordeste é preciso, brevemente, analisar o contexto histórico, a formação econômica, social e rural da região.

O Nordeste foi, desde a chegada dos portugueses, a primeira região do país a desenvolver atividades econômicas. Foi também nessa região que os portugueses começaram a explorar intensamente, e em grandes áreas, os latifúndios, a cana-de-açúcar36 para ser comercializada na Europa, sendo a região do país mais explorada durante os dois primeiros séculos de colonização (PRADO JÚNIOR, 1979).

A sociedade açucareira que se desenvolveu no Brasil foi eminentemente rural e a terra foi o elemento fundamental para a nítida divisão da população em estratos sociais. Esse

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No conceito de abordagem territorial usado pelo MDA, território é definido como um espaço físico geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo, caracterizado pelos critérios multidimensionais – tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições – e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (BRASIL, 2005b).

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Para melhor análise sobre a influência da cana-de-açúcar na vida e na paisagem do Nordeste do Brasil, as formas de convivência e de desenvolvimento do homem social da região com seus ambientes naturais e seus tempos sociais, ver Freyre (1985).

56 modelo de colonização conjugado à Lei da Terra de 1850, que legitimou a ocupação de terras devolutas por quem já as ocupava como os grandes proprietários, produzindo ou não nas mesmas ―, refletiu na constituição da sociedade rural brasileira, principalmente na da

região Nordeste (GRAZIANO DA SILVA, 1982, p. 30), “onde as oligarquias locais ou coronéis passaram a controlar essa lei” (SABOURIN, 2009, p. 36). Para Santos e Silveira (2004) significa:

Uma estrutura fundiária desde cedo hostil a uma melhor distribuição de renda, a um maior consumo e a uma maior terceirização ajudava a manter na pobreza milhares de pessoas e impedia uma urbanização mais expressiva. (SANTOS; SILVEIRA, 2004, p. 275).

Esse modelo também definiu a estrutura agrária brasileira, cuja produção agropecuária encontra-se até hoje dividida no bimodelismo entre capitalista, baseada na mão de obra assalariada e no capital; e a familiar, baseada na mão de obra familiar e na propriedade dos meios de produção, no qual a terra pertence à família passando de pai para filho.

Mesmo quando o açúcar perdeu a sua importância relativa no contexto nacional para outras culturas, como o café, ainda assim continuou sendo a atividade predominante na região Nordeste e de grande importância para compreender a formação e a sedimentação da estrutura de poder local que se estabeleceu no Nordeste (BURSZTYN, 1984, p.19).

Tal poder se consolidou pela ação do Estado de transferir, desde o período Colonial até a República Velha, parte de suas prerrogativas como o dever de justiça e militar, aos senhores de terras, donos de engenhos, quando os mesmos eram nomeados coronéis da Guarda Nacional, em troca de reconhecimento da soberania da Coroa Portuguesa. Surgiu assim a figura dos novos coronéis do Agreste e do Sertão nordestino que, por singular transposição semântica amplamente assumida pela sociedade, eram assim chamados por serem proprietários de terras, possuíssem eles ou não a referida patente (VILAÇA, 2003, p. 23-25).

Na fase republicana, a aliança entre os coronéis, como chefes municipais, e os Presidentes dos estados e desses com o Presidente da República estabeleceu o principal poder político que dominou o Nordeste brasileiro por quase duzentos anos (CARVALHO, 2008, p.41).

A legitimação do poder dos coronéis dava-se por meio do exercício do poder político local — impondo suas vontades, elegendo e indicando para cargos políticos seus apadrinhados —, como comerciante e árbitro social, pelas relações de compadrio e até mesmo patrocinando a instalação de serviços de rádio ou jornais interioranos (VIANA, 1949, p. 89-90).

57 Até o final do século XIX, O Estado da Bahia também se caracterizou como uma sociedade agrário-escravocrata que conviveu com o contraste entre a opulência e a pobreza desde os primórdios da colonização brasileira, trazendo essa dicotomia para a atualidade. Isso, em razão da carência de políticas públicas sistêmicas e de elevados índices de pobreza no meio rural, que fomentam a dependência frente aos setores políticos tradicionais. Pode-se associar a baixa renda média rural do Estado à estrutura fundiária concentrada nas mãos de poucos proprietários donos de grandes extensões de terra e do poder local em contraposição à existência de uma infinidade de minifúndios mantidos pelos agricultores de base familiar (ALCOFORADO, 2003, p. 323).

Até o final dos anos de 1950, as políticas de Estado para o desenvolvimento econômico, social e rural do Nordeste tiveram mais um caráter de omissão que de intervenção, uma vez que chegavam ao campo por intermédio da figura do coronel, como ressalta Bursztyn (1984, p. 22-25).

Somente com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –

SUDENE, em 1959, é que o Estado começa a agir mais sistematicamente, de forma planejada, com ações assistenciais e programadas a partir da integração de diferentes organismos públicos na região.

É a partir daí, e com maior intensidade em meados dos anos 70, que surgem os programas especiais de desenvolvimento como o Polonordeste, o Projeto Sertanejo, as obras contra a seca e os Projetos de Irrigação, muitos dos quais beneficiavam majoritariamente os grandes e médios produtores.

Apesar de os estudos que antecederam à criação da SUDENE apontarem para a necessidade de transformações urgentes na estrutura do sistema social local da região, incluindo-se aí o quadro político-social, o que se verificou, conforme Oliveira (1981, p. 65), é que o órgão serviu para evitar o ‘choque frontal’ com as oligarquias agrárias e frear os movimentos populares. Pois não era de interesse de o Estado alterar o equilíbrio das forças políticas que haviam se solidificado na região a partir do coronelismo, que constituía o arcabouço político-institucional do Nordeste.

O aprofundamento do capitalismo econômico na região, via industrialização e maior presença do Estado mediante políticas federais de investimentos em infraestrutura, associado à ampla circulação de bens e de ideias com a ajuda dos meios de comunicação, como os jornais e as rádios, iniciou o processo de declínio do coronelismo nordestino sem, no entanto, por fim ao domínio do fenômeno, que ganhou nova roupagem. (BURSZTYN, 2003). “No Nordeste, até hoje, a dependência das comunidades rurais da oligarquia política local e regional continua extremamente forte” (SABOURIN, 2009, p. 105).

58 Com o tempo a supremacia sociopolítica dos coronéis foi substituída por outra, mais sutil, como a dos representantes de uma classe comercial ou industrial, políticos, igreja, ONGs ou mesmo pela demagogia de certos líderes populares (BURSZTYN, 2003, p. 298). Essa afirmação do autor é comprovada na análise feita no próximo item desse capitulo, o qual trata da influência da Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira – APAEB nos municípios do Território do Sisal.

2.6 OS NOVOS ATORES NA RELAÇÃO DE PODER LOCAL: OS MOVIMENTOS SOCIAIS