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2 MEDIAÇÃO TEATRAL

2.1 A COMUNICAÇÃO COM O PÚBLICO

2.1.3 As filipetas

Considerando que a divulgação é um aspecto da mediação, no decorrer de meu trabalho de campo me questionei em que medida as filipetas, as fotos e os vídeos dos espetáculos, por exemplo, atraem os espectadores ao teatro. Esse questionamento é difícil de ser respondido, pois gera respostas bastante subjetivas que perpassam o gosto, as referências culturais, bem como a condição social e financeira de cada pessoa.

Num primeiro momento, analisei o material gráfico94, sobretudo as partes frontais das filipetas e algumas capas de folhetos, de vinte espetáculos, dentre os vinte e dois, recomendados pela EEBA em suas Hojas de Ruta (programas de aulas entregues aos participantes no início da cada sessão)95, assistidos por mim durante a primeira fase do trabalho de campo em Buenos Aires no período de 16 de abril a 28 de junho de 2015. Nesta análise, me chamou a atenção o fato de que mais de 50% dos materiais são em preto e branco (P&B) e/ou em tonalidade sépia, alguns com detalhes coloridos nos textos e/ou em partes das imagens. Cerca 60% foram elaborados com fotos dos atores em cena e, eventualmente, com uma caricatura, como é o caso da filipeta de Absolutamente comprometidos, de Becky Mode, sob direção de Miguel Pittier, que apresenta um desenho do personagem representado pelo ator Julián Kartun.

Algumas partes frontais de filipetas não destacam os artistas envolvidos, como é o caso do panfleto de Actriz, com dramaturgia e direção de Bárbara Molinari e atuação de Susana Pampín, que apresenta apenas o título da obra; outras poucas mencionam apenas o dramaturgo ou o compositor, como a de 24 horas viraje, de Gilda Bona, sob direção de Francisco Civit;

94 Cf. Anexo A. 95 Cf. Anexo B.

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mas, a maior parte, ou seja, 65% dos materiais analisados informam o nome do dramaturgo e do diretor. Com certeza, o binômio autor/diretor é muito valorizado no teatro portenho contemporâneo, ou melhor, o artista que aglutina essas duas funções, e esta valorização fica evidente entre os 40% das filipetas analisadas que destacam esse artista, como é o caso dos panfletos de Personitas de Javier Daulte e La máquina idiota de Ricardo Bartís, entre outros.

Nenhuma das filipetas observadas informa na parte frontal quem é o(a) assistente de direção, o(a) cenógrafo(a), o(a) figurinista o(a) iluminador, ou o(a) sonoplasta. Embora todos os elementos teatrais tenham importância equivalente, na comunicação visual com o grande público, percebo que esses aspectos não são colocados em primeiro plano. Assim, tomar conhecimento de quem é o(a) responsável pela música, por exemplo, depende do interesse de cada pessoa em buscar essa informação, na leitura do verso da filipeta, do programa ou em algum site na internet. Sendo que, os programas, geralmente, são entregues para o espectador no teatro, um pouco antes do início da apresentação, na entrada do espetáculo.

Dentre as vinte filipetas portenhas analisadas, doze (60%) indicam na parte frontal o local, oito (40%) mencionam datas e horários e apenas duas (10%) informam o valor da entrada. A inflação na Argentina em 2015 foi de 26,9% e em 2016 de 40,3% (EL..., 2016; KANENGUISER, 2017; PARA..., 2017). Essa inflação gerou alta nos preços na capital argentina, sobretudo nos gastos com alimentação e moradia. A inflação e desvalorização da moeda, com base nas cobranças efetuadas em meu cartão de crédito do Banco do Brasil em 2015 e 2017, aparentemente, do ponto de vista de uma brasileira residindo temporariamente em Buenos Aires, não impactou significativamente os valores dos ingressos. Entre os meses de maio e junho de 2015, entradas sem descontos para obras como Dínamo, de Melisa Hermida, Lautaro Perotti e Claudio Tolcachir, e Capitán, de Walter Jakob e Agustín Mendilaharzu, no Timbre 4 custavam $ 150 pesos argentinos (equivalentes, na época, à cerca de U$ 17,01 dólares americanos ou R$ 55,45). Em abril de 2017, ingressos, em condições semelhantes para essas mesmas obras e nos mesmos teatros, custavam $ 230 pesos argentinos (equivalentes, atualmente, cerca de U$ 15,13 dólares americanos ou R$ 47,45).

Promoções de quatro ingressos pelo preço de três ou de dois ingressos pelo valor de um, prática pouco comum nos teatros brasileiros, aparece em destaque e é adotado por vários espetáculos portenhos; além de pequenos abatimentos para estudantes e aposentados e inúmeras

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promoções válidas para pagamento em dinheiro diretamente na bilheteria. Em relação à afluência de público jovem em 2013, Emilio Gutiérrez, um dos donos do El Camarín de las

Musas - um dos principais teatros do circuito independente, disse o seguinte:

Este é um dos melhores anos que temos tido. Estamos com uma ocupação de quase 90 por cento. Temos preços especiais para estudantes, aposentados e colocamos uma promoção “menos-25” para saber se os jovens não vinham tanto por uma questão econômica ou por falta de interesse. E realmente tem vindo muitos jovens, tem funcionado muito bem. (apud AMOROSO, 2013, tradução nossa) 96

No Brasil, de modo comparativo, a meia-entrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes não é opcional, pois é estabelecida por lei. De acordo com a Lei 12.933 de 26 de dezembro de 2013, que dispõe sobre o benefício do pagamento de meia-entrada em espetáculos artístico-culturais e esportivos, os eventos são obrigados a conceder no mínimo 40% do total dos ingressos disponíveis aos beneficiários da meia-entrada.

Em Buenos Aires, além dos cartazes nas entradas dos teatros dos diferentes circuitos, também há plotagens (impressão em grande formato) em muitas das fachadas dos teatros da

Avenida Corrientes (figura 11) e outdoors, sobretudo nas estações de metrô, anunciando as

peças da temporada do circuito comercial. Evidentemente, essas grandes peças publicitárias atraem a atenção dos transeuntes e podem levar muitas pessoas ao teatro; caso contrário não haveria justificativa para tamanho investimento.

Esse tipo de publicidade “grandiosa” está direcionada para um segmento de público e pode ter, inclusive, um impacto negativo em outros espectadores em potencial. Por exemplo, numa postagem pública em minha página pessoal do Facebook (ROMANO, 16 maio 2015), compartilhei uma foto de Plateanet com o anúncio de Bajo Terapia (figura 10), com dramaturgia de Matías Del Federico, sob direção de Daniel Veronese, assistido por mim no

96 “Éste es uno de los mejores años que hemos tenido. Estamos con una ocupación de casi el 90 por

ciento. Nosotros tenemos precios especiales para estudiantes, jubilados y pusimos una promoción “sub-25” para saber si es que la gente joven no se acercaba tanto por un tema económico o por falta de interés. Y realmente han venido muchos jóvenes, ha funcionado muy bien.”

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Teatro Metropolitan Citi (Metropolitan 2) no dia 15 de maio de 2015, espetáculo categorizado por Dubatti como pertencente ao “circuito comercial de arte” (informação verbal obtida na aula da EEBA do dia 04 de maio de 2015). Em minha recomendação, afirmei que o espetáculo era imperdível, que eu tinha adorado, porque inicialmente tinha me parecido apenas uma comédia bem-feita sobre conflitos de casais num teatro comercial da Av. Corrientes, mas, aos poucos, o espetáculo me ganhou e, além disso, o desfecho era surpreendente e levava a plateia a passar das gargalhadas ao emudecimento absoluto nos últimos instantes. Em seguida, uma jornalista catarinense respondeu com o seguinte comentário: “Pois é, sempre tive vontade de ir ao teatro na Corrientes, mas tive receio de ser muito ‘Global’, artistas famosos para público mediano ver. E os cartazes são super comerciais, então nunca me arrisquei. Bom saber que tem coisa boa”.

Figura 10 - Postagem pública no Facebook na página do espetáculo Bajo Terapia. Foto publicada em 07 de junho de 2015.

Fonte: <https://www.facebook.com/1559186890962373/photos/pb.1559186890962373.- 2207520000.1438468452./1620854548128940/?type=3&theater>. Acesso em: 29 nov. 2017.

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Figura 11 - Fachada do Teatro Metropolitan SURA.

Fotógrafa: Olívia Camboim Romano. CABA, 16 maio 2017.

As críticas implícitas nos comentários acima, além de revelarem parte de nossos preconceitos, se referem às fórmulas prontas do teatro comercial, relativamente conservador, frente às poéticas emergentes; um teatro que muitas vezes traz atores provenientes da televisão (e/ou do cinema) para garantir a convocatória do grande público; que realizam montagens teatrais de fácil leitura e digestão, que geram pouca reflexão, de caráter cômico ou melodramático e, em muitos casos, versões de filmes ou musicais estadunidenses que já foram sucesso de bilheteria. Entretanto, todos os circuitos teatrais, tanto argentinos como brasileiros, possuem espetáculos interessantes. De acordo com as palavras de Dubatti,

[...] Eu creio que o segredo está em poder ver de tudo, [...] quer dizer, um espectador tem que ter uma grande abertura e depois tratar de entender cada linguagem em sua especificidade no que tem de diferente. É um pouco o que dizia a minha mãe quando eu era criança: ‘É preciso ampliar o paladar’; quer dizer, não só comer todos os dias bife à milanesa com batatas fritas. Mas poder encontrar sabor nas práticas teatrais mais diferentes e, sobretudo, eu creio que é uma atitude de diálogo, de tolerância, digamos, de abrir a alma aos outros. [...] Não se deve ter preconceitos, é preciso estar muito aberto. [...] Além disso, estamos vivendo um momento de teatro comercial maravilhoso. [...] Você vai caminhando pela Avenida Corrientes e vai vendo os cartazes e estão todos os grandes nesse momento trabalhando. [...] Eu me emociono, por exemplo, vou

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ao [Teatro] Nacional e passo pela frente do Nacional e vejo um cartaz gigante que diz: ‘superamos oitocentos e cinquenta mil espectadores’. Isso é uma festa! (VIDAS..., 2012b, tradução nossa).

Cabe dizer que a versão brasileira da peça de Matías Del Federico entrou em cartaz, de sexta-feira a domingo, com ingressos acessíveis97, em meados de março de 2017 no TUCA – Teatro da PUC-SP, sob direção do paulista Marco Antonio Pâmio. Baixa Terapia é protagonizada por Antonio Fagundes, que divide o palco com Mara Carvalho, Alexandra Martins, Bruno Fagundes, Ilana Kaplan e Fábio Espósito. Segundo SERAGUSA (2017), Fagundes e Alexandra assistiram ao espetáculo em Buenos Aires em 2015, gostaram tanto que entraram em contato com o autor e compraram os direitos da montagem.

De acordo com a pesquisa de Champesme, ao menos na França, “A maior parte dos entrevistados declararam que nunca foram ao teatro simplesmente por ter visto um cartaz, mas foram de bom grado após alguém ter comentado sobre o espetáculo, seja um amigo, um professor ou um agente de relações públicas [...]”98 (2001, p. 34, tradução nossa). O agente de relações públicas, nesse caso, é um mediador cultural que no âmbito de certas instituições culturais tem como função, dentre outras questões, elaborar atividades de comunicação e marketing com estratégias de conquista e fidelização de público (indivíduos, grupos escolares etc.).

97 Ingressos de R$70,00 a R$90,00 - de acordo com o dia, com desconto de 50% para estudantes e

idosos e ingressos de R$ 10,00 para estudantes, professores e funcionários da PUC-SP.

98 “La quasi-totalité des personnes interrogées lors d’une enquête, déclarent ne jamais aller au théâtre

en ayant simplement vu une affiche, mais y aller volontiers après que quelqu’un leur ait parlé du spectacle, qu’il s’agisse d’amis, de professeurs ou de charges de relations avec le public [...]”.

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