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As finalidades da suavização do regime de execução da pena

CAPÍTULO III – Os fins das penas e o regime das medidas de flexibilização

3.4. As finalidades da suavização do regime de execução da pena

execução da pena privativa de liberdade.

Em 1947 aprovou-se uma resolução no Primeiro Congresso Internacional de Defesa Social em S. Remo, Itália, onde se estabelecia: «As licenças de saída e as visitas ao lugar devem conceder-se aos reclusos sempre que estas medidas não apresentem perigo para a sociedade e sejam proveitosas para a sua reabilitação.» As Regras Mínimas de Genebra de 1955, aprovadas pela Resolução das Nações Unidas de 30.8.1955, prevêem saídas dos reclusos em casos de doença ou de falecimento de algum familiar184.No Segundo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento do Delinquente, ocorrido em Londres, em 1960, aconselha-se que os programas de tratamento incluam a concessão de «licenças de saída, de diversa duração, por razões justificadas». Também a Recomendação (82) 16, de 24.09.1982, do

183 RODRIGUES, Anabela Miranda – Novo olhar sobre a questão penitenciária, pág. 173. 184 Regra 44.2 – Resolução das Nações Unidas de 30.8.1955.

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Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a saída penitenciária, destaca a importância das licenças de saída por contribuírem para humanizar as prisões, melhorar as condições de detenção e facilitar a reinserção social dos reclusos185. É ainda

relevante a Recomendação (2006) 2, de 11.01.2006, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, sobre as Regras Penitenciárias Europeias, onde na regra 24.7 se estabelece que «sempre que as circunstâncias o permitam, o recluso deve ser autorizado a sair da prisão, com ou sem custódia, para visitar um parente enfermo, participar em cerimónia fúnebre ou por outras razões humanitárias.»

Como já vimos na análise do direito comparado, em todos os ordenamentos dos países estudados existem medidas de suavização da execução da pena de prisão. Embora com diferentes formulações, em todos eles se prossegue uma finalidade ressocializadora.

O que se pretende agora abordar é a questão de saber porque se concedem medidas de flexibilização da pena. Ou seja, quais as finalidades e objectivos concretos que se pretendem alcançar.

No plano legislativo os objectivos estão claramente identificados. No que respeita ao regime de execução aberto, resulta do disposto no art. 12.º, n.º 3, do CEPMPL que «favorece os contactos com o exterior e a aproximação à comunidade», em suma, destina-se a favorecer «a reinserção social» (n.º 1). Nos termos do art. 76.º, n.º 1, do mesmo Código, as licenças de saída jurisdicionais visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade. Igual desiderato de manutenção e promoção dos laços familiares e sociais tem a licença administrativa de curta duração – art. 76.º, n.º 3, al. a). Embora a lei o não estabeleça, também as saídas para a realização de actividades têm por objectivo a preparação do recluso para a liberdade, na medida em que o desenvolvimento das suas competências pessoais, sociais, académicas ou profissionais é um valioso contributo para a respectiva reinserção social. Mesmo nas saídas especiais previstas no art. 76.º, n.º 3, al. c), por motivos de particular significado humano ou para a resolução de situações urgentes e

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Aconselha os Estados-membros a que garantam «o mais amplamente possível, as saídas da prisão, com base em fundamentos médicos, educacionais, ocupacionais, familiares e outros fundamentos sociais».

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inadiáveis, é possível descortinar um objectivo de manutenção das ligações à sociedade. Por exemplo, o facto de um recluso poder estar com um familiar gravemente enfermo impede, pelo menos, a dessocialização, se é que não contribui para o reforço dos laços familiares e afectivos.

No plano doutrinário, a generalidade dos autores entende que as medidas de flexibilização da pena diminuem os efeitos dessocializadores da reclusão, promovem a reintegração social do recluso e preparam-no para a vida em liberdade186. Outros

autores tendem a considerar que a atenuação do regime de execução apenas alcança um objectivo de diminuição das consequências negativas do encarceramento e, nessa medida, favorece a não dessocialização187.

Independentemente dos resultados efectivamente produzidos, que serão objecto de apreciação mais à frente, podemos concluir que a finalidade última da atenuação da execução é a reintegração do recluso na sociedade, enquanto meio susceptível de o preparar para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.

O problema é que se espera demais dessas medidas e o ponto de partida não deve ser a simplificação através da idealização de um conceito como o de reinserção social. A privação da liberdade é só por si uma grande violência para o homem enquanto ser social188. As prisões potenciam essa violência189. Todos os estudos

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Neste sentido, ROCHA, João Luís Moraes (coordenador) – Entre a reclusão e a liberdade. Estudos

penitenciários, vol. I, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 96; MIR PUIG, Carlos – Derecho penitenciário. El cumprimento de la pena privativa de libertad, 2.ª edição, Barcelona, Atelier libros jurídicos, 2012, pág. 141;

CERVELLÓ DONDERIS, Vicenta – Derecho penitenciário, 3.ª edição, Valência, Tirant lo Blanch, 2012, pág. 263; LEITE, André Lamas – Execução da pena privativa de liberdade e ressocialização: linhas de um esboço. Revista de Criminologia e Ciências Penitenciárias, ano 1, n.º 1, Agosto de 2011, Rio de Janeiro, 2011, pág. 30; FERREIRA, Ana Cristina Oliveira – Saídas precárias: entre o regresso e o não regresso. Um estudo exploratório no

Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, Porto, 2011, disponível em

http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/2264/3/DM15739.pdf, pág. 99 [consultado a 27.03.2013]; GOMES, Conceição (coordenadora) – A reinserção social dos reclusos. Um contributo para o debate sobre a reforma do

sistema prisional, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa – Centro de Estudos Sociais, Coimbra, 2003,

disponível em http://opj.ces.uc.pt/portugues/relatorios/relatorio_14.html, pág. 161 [consultado a 27.03.2013].

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MOISÃO, Alexandra Maria Monteiro – Medidas de flexibilização da pena de prisão e reinserção social de

reclusos no Estabelecimento Prisional de Silves, Lisboa, 2008, disponível em http://hdl.handle.net/10451/1040,

pág. 76 [consultado a 28.03.2013].

188 GIDDENS, Anthony – Desvio e criminalidade. Deviance and crime, Sub Júdice, vol. XIII, Julho de 1998,

Coimbra, pág. 18 - «São privados não apenas da liberdade, mas também de fontes de rendimento, da companhia da família e dos amigos, de relações heterossexuais, das próprias roupas e objectos pessoais. Com frequência vivem em condições de sobrelotação e têm de se sujeitar a uma disciplina severa e a regras que regulam todo o seu dia-a- dia.»

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MOREIRA,J. J. Semedo – Vidas encarceradas: estudo sociológico de uma prisão masculina, Lisboa, Gabinete de Estudos Jurídico-Sociais do Centro de Estudos Judiciários, 1994, págs. 115 e 203.

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demonstram que a reclusão rígida tem efeitos criminógenos e produz diversos transtornos, designadamente psicológicos.

O contacto periódico com a sociedade tem pelo menos a virtualidade de atenuar os transtornos psicológicos que o encarceramento forçado provoca no recluso.

As medidas de flexibilização configuram-se como um instrumento do tratamento prisional imprescindível para uma adequada reinserção social. Além disso, são adequados a reduzir as tensões existentes dentro dos próprios estabelecimentos prisionais.

Assim, sintetizando, as medidas de suavização da execução têm pelo menos, em abstracto, as seguintes vantagens:

a) Permitem uma aproximação à vida em comunidade;

b) Atenuam as consequências nocivas da privação da liberdade; c) Permitem a preparação da liberdade;

d) Promovem a manutenção ou fortalecimento dos laços familiares e sociais; e) Reduzem as tensões próprias do internamento;

f) São um estímulo para a adopção de uma boa conduta;

g) Ajudam a criar um sentido de responsabilidade e com ele o desenvolvimento da personalidade;

h) São uma forma de solucionar o problema sexual dos reclusos190, enquanto

paliativo para a abstinência forçada.