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As forças de segurança pública e os profissionais de saúde

16. Papel do Estado, das forças de segurança pública e das redes familiares e

16.2. As forças de segurança pública e os profissionais de saúde

A par do Estado, o papel das autoridades policiais é reiteradamente enfatizado no discurso dos entrevistados. Apesar de reconhecerem a escassez de recursos e de meios, alguns consideram que são fundamentais para a proteção e acompanhamento dos idosos:

“Além de proporcionarem segurança, digamos assim, proporcionam conforto em termos psicológicos às pessoas de idade”.

(Homem, 70 anos, Ensino Superior, vítima de abuso).

“Coitados, eles nem têm [meios de proteção] para eles próprios, como é que eles vão proteger os outros?”

(Mulher, 63 anos, Ensino Superior, vítima de abuso).

Porém, também está muito presente no discurso dos entrevistados uma atitude crítica da atuação das forças policiais, as quais reproduzem, muitas vezes, velhos estereótipos sobre as vítimas e crenças tradicionalistas sobre a violência doméstica, como se ilustra seguidamente:

“O meu marido chegou-me a bater, mas a gente nem ia à polícia, para quê? Acha que há 50, há quase 60 anos que valia a pena a gente ir à polícia? Os polícias ainda se riam da gente”.

(Mulher 75 anos, Ensino Básico, vítima de abuso).

“Eu pedi auxílio à APAV, por ele [marido] se virar para mim com a faca e bateu- me. Fui para a polícia e não deu em nada. A polícia ainda me trata mal, num é tratar mal, mas é fica-se naquela coisa assim: “Ah, a Senhora tem para onde ir vá, deixe aquela zona”. É muito mal, que eles atendem, mais as pessoas de idade do que as pessoas novas”.

(Mulher, 78 anos, Ensino Básico, vítima de abuso).

“Quando uma vítima qualquer se apresenta perante as autoridades policiais tem que se acabar com aqueles conceitos de que “entre marido e mulher não metas a colher”, isto é, “coisas lá de casa ninguém tem nada a ver com isso.” Não! Isto é um crime público, é um crime contra a nossa a civilização, o nosso tipo de sociedade e, portanto, eles [idosos] têm de ser ouvidos e tem que se tomar atitudes para os proteger”.

(Homem, 62 anos, Ensino Superior, vítima de abuso).

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Neste quadro, os participantes sugerem a criação de uma polícia especializada, assim como “dar às pessoas de idade prioridade em tudo”98, principalmente no atendimento em caso de violência. Esta representação é reforçada pelo seguinte testemunho:

“Devia haver ali uma polícia muito destinada à proteção dos idosos, porque muitas vezes, por exemplo, uma mulher vai lá queixar-se de violência doméstica e eles nem sequer atendem, ou se atendem registam e mandam a mulher embora”.

(Mulher, 80 anos, Ensino Secundário, não sinalizada como vítima).

Por último, os profissionais de saúde são representados como um grupo fundamental para os idosos, quer pelos cuidados de saúde que lhes prestam, quer pelo aconselhamento e apoio que lhes dão em vários domínios da vida pessoal.

“Então, se um idoso foi agredido e precisa de tratamento, pronto, o médico tem que dar o tratamento necessário e a ajuda necessária. Ele não é só para prescrever medicamentos, o médico, também é para dar umas palavrinhas.”

(Mulher, 66 anos, Ensino Superior, vítima de abuso).

Todavia, alguns entrevistados consideram que o papel destes profissionais nem sempre é adequadamente representado, protagonizando muitos deles atendimentos superficiais e rápidos aos utentes, fazendo com que os idosos se sintam desvalorizados nos seus problemas:

“Eu lembro-me que as pessoas iam ao médico, às vezes, só para conversar um bocadinho com o médico. Agora não, isso é impossível. O médico está stressado, está não sei quê e tal e aquilo tem que ser rápido porque está mais gente à espera e isso tem que mudar também”.

(Homem, 70 anos, Ensino Superior, vítima de abuso).

“Fui à polícia, fez sábado oito dias, fazer queixa dele [marido], porque ele mandou-me dois pontapés que me pôs aqui três hematomas e a polícia disse: “Porque é que você não foi ao hospital?” Ao hospital já me fui queixar porque ele me bateu, não ligaram nenhum”.

(Mulher, 71 anos, Ensino Básico, vítima de abuso).

Para alguns entrevistados, a ausência de qualidade no atendimento por parte destes profissionais deve-se à falta de condições de trabalho em que eles exercem a sua atividade:

149 “Não tenho hospital, neste momento não tem condições, nem humanas, nem físicas. O pessoal está a trabalhar numas condições horríveis. Eu não deito a culpa toda ao pessoal.”

(Mulher, 77 anos, viúva, Ensino Básico, vítima de abuso).

Os entrevistados consideram que a partir do momento em que os profissionais de saúde tomam conhecimento de situações de violência entre os idosos devem desencadear a intervenção, denunciar e comunicar às autoridades:

“Esses Senhores [profissionais da saúde] também estão numa das linhas da frente. Então, quando chega lá um idoso que tem sinais de agressão eles próprios devem imediatamente desencadear processos junto da autoridade”.

(Homem, 66 anos, Ensino Secundário, vítima de abuso).

“Neste momento, claro que é a autoridade mas eu acho que isso tem que começar antes de chegar a esse ponto, devia haver uma parte médica, em que há um psicólogo, em que há um psiquiatra, um neurologista, qualquer coisa, que pega no assunto, até chama lá a pessoa que agride e diz: “Ó pá, estamos aqui perante uma situação que está em causa a saúde e o bem-estar de uma pessoa. Portanto, a partir deste momento é assim, ou efetivamente o Senhor muda a sua atitude ou vamos entregar isto às autoridades competentes” e aí já não é o velhinho a fazer queixa à polícia”.

(Homem, 71 anos, Ensino Superior, vítima de abuso).

A intervenção destes profissionais contribui muito para o sentimento de segurança entre as vítimas, conseguindo em alguns casos a cessação dos comportamentos violentos, tal como comprova o seguinte testemunho:

“Já para aí há 20 anos que ele [marido] apanhou a Hepatite B, nunca mais me bateu porque eu disse à médica: “A Senhora Doutora proibiu-me de ter relações com ele, só se fosse com proteção, e ele não queria com proteção porque ele apegou-me a mim e a Senhora Doutora disse: “Se ele lhe bater venha ter comigo que eu faço-lhe uma cartinha para a Senhora entregar na polícia”. Meteu-lhe medo e ele nunca mais me bateu”.

(Mulher, 75 anos, Ensino Básico, vítima de abuso).

Por último, há quem considere que a falta de intervenção na saúde pode intensificar as situações de violência, tal como refere a seguinte entrevistada: “A falta de investimento na saúde, nos últimos anos, também pode ser uma causa de, em última análise, se chegar à violência quer sobre idosos, quer sobre não idosos” (Mulher, 75 anos, Ensino Superior, não sinalizada como vítima) .

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Em suma, está muito presente no discurso dos entrevistados quer o papel relevante que as forças de segurança públicas e os profissionais de saúde desempenham no apoio, proteção e intervenção junto dos mais velhos, mas também uma certa crítica à não valorização efetiva das situações de violência por eles vivenciadas.

16.3. As Associações de proteção às vítimas e o (des)conhecimento da