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Crise socioeconómica e prevalência de abusos

Retomando o objetivo central do presente estudo, neste ponto relaciona-se o impacto da crise económica dos últimos anos na prevalência de abuso na nossa amostra. Neste sentido, começando por analisar o impacto global da crise económica na aquisição de bens e serviços, observa-se que a maioria dos respondentes (65,1%) afirma ter reduzido as suas despesas em virtude da referida crise (ver Quadro 66).

Quadro 66. Impacto da crise económica na aquisição de bens e serviços (n=677) Reduziu a despesa/gasto com determinados bens e

serviços em virtude da crise? n %

Não reduziu o gasto/despesa 236 34,9

Reduziu o gasto/despesa 441 65,1

Total 677 100,0

Tendo verificado o impacto global da crise económica na aquisição de bens e serviços, analisa-se de seguida os bens e serviços em que existiu redução da despesa/gasto. Mais concretamente, dos 441 respondentes que reduziram as despesas com bens e serviços em virtude da crise, destaca-se a proporção dos que afirmam ter reduzido as suas despesas com vestuário (62,4%), restaurantes (48,1%), viagens e/ou férias (46,9%), bem como com transportes e combustíveis (36,1%). Assim, podemos afirmar que globalmente a redução de despesas com bens e serviços refletiu-se sobretudo nos bens de consumo, lazer e na alimentação (ver Quadro 67).

Quadro 67. Redução de despesas com bens e serviços em virtude da crise (n=441) Desde que se começou a sentir a crise económica em Portugal, na

última meia dúzia de anos, reduziu a despesa/gasto com: n %

Alimentação 150 34,0

Vestuário 275 62,4

Transportes e combustíveis 159 36,1

Eletricidade/gás/água 107 24,3

Saúde 27 6,1

Viagens e /ou férias 207 46,9

Atividades de lazer 143 32,4

Compras de eletrodomésticos ou móveis 123 27,9

Restaurantes 212 48,1

Serviços de apoio a pessoas dependentes (pessoas idosas, pessoas

com deficiência, ...) 9 2,0

Contratação de serviços domésticos (limpeza, etc.) 50 11,3

Quando inquiridos sobre se a crise económica havia alterado alguma coisa nas suas vidas quotidianas, quase metade dos idosos declarou que sim (ver Quadro 68)

83 Quadro 68. Impacto da crise económica na vida quotidiana em virtude da crise (n=677)

Houve alterações na sua vida quotidiana em virtude

da crise? n %

Não 383 56,6

Sim 294 43,4

Total 677 100,0

Porém, apesar da análise anterior, importa perceber quais as situações e/ou circunstâncias da vida quotidiana que os inquiridos que responderam afirmativamente à questão anteriortiveram de alterar em virtude da crise. Assim, podemos verificar que a larga maioria dos respondentes (69%) passou a ajudar a pagar despesas dos filhos(as) ou netos(as) e/ou passou a dar dinheiro todos os meses ao filho/a(s) (35,4%). Conclui- se, deste modo, que os impactos da crise económica na vida quotidiana dos idosos verificaram-se sobretudo ao nível do apoio financeiro aos descendentes, nomeadamente filhos(as)/netos(as) (ver Quadro 69).

Quadro 69. Situações ocorridas em virtude da crise (n=294) Na última meia dúzia de anos, ou seja, nos últimos 6 anos,

aconteceram as situações: n %

Deixou de viver num lar ou residência para idosos. 3 1,0 Deixou de frequentar o centro de dia 9 3,1 Foi viver para a casa de um filho/filha. 10 3,4 Um filho/filha foi viver consigo. 47 16,0 Acolheu na sua casa netos por força da emigração de um filho/a. 6 2,0 Acolheu na sua casa outros familiares. 47 16,0 Passou a dar dinheiro todos os meses ao seu filho/a(s). 104 35,4 Passou a ajudar a pagar despesas dos seus filhos/as ou netos/as. 203 69,0 Foi obrigado a mudar de casa para reduzir despesas. 9 3,1

Na sequência das análises anteriores, importa perceber se a redução das despesas/gastos e da necessidade de passar por determinadas situações em virtude da crise económica em Portugal tiveram algum efeito na prevalência de abuso. Mais concretamente, analisando a prevalência de abuso (e.g., de qualquer tipo) tendo em consideração a redução (ou não) de despesas com determinados bens e serviços, podemos verificar que no caso dos respondentes que não tiveram necessidade de reduzir as suas despesas com bens e serviços em virtude da crise a proporção dos que apresentam um qualquer tipo de abuso é de 16,9%, sendo de 27,7% no caso dos respondentes que, em virtude da crise, reduziram as suas despesas com bens e serviços. Sendo assim, a necessidade de redução de despesas em virtude da crise, reveladora de maior vulnerabilidade económica, tende a aumentar o risco de abuso dos idosos (ver Quadro 70).

84 Quadro 70. Prevalência de abuso, por redução de gastos/despesas em virtude da crise (n=677)

Presença de um qualquer tipo de abuso nos últimos 12 meses

Reduziu a despesa/gasto com determinados bens e serviços em virtude

da crise? Não reduziu n (%) Reduziu n (%) Sem abuso 196 319 (83,1) (72,3) Com abuso 40 122 (16,9) (27,7) Total 236 441 (100,0) (100,0)

Relativamente à análise da prevalência de abuso (e.g., de qualquer tipo) tendo em consideração a alteração (ou não) de determinadas circunstâncias da vida quotidiana em virtude da crise, podemos destacar que, apesar da maioria dos idosos não ter tido necessidade de passar por determinadas situações em virtude da crise, a proporção dos que apresentam algum tipo de abuso é claramente superior entre aqueles que assumem ter tido necessidade alterar alguma(s) circunstância(s) da sua vida quotidiana (30,3%) (ver Quadro 71), traço que reforça a narrativa de vulnerabilidade económica que se foi construindo ao longo do texto na procura das causas e dos contextos do abuso.

Quadro 71. Prevalência de abuso, por alteração de circunstâncias da vida em virtude da crise

(n=677)

Presença de um qualquer tipo de abuso nos últimos 12 meses

Teve necessidade de passar por determinadas situações em virtude da

crise? Não n (%) Sim n (%) Sem abuso 310 205 (80,9) (69,7) Com abuso 73 89 (19,1) (30,3) Total 383 294 (100,0) (100,0)

Em seguida, analisa-se a prevalência dos diferentes tipos de abuso considerando a necessidade (ou não) de redução das despesas/gastos em virtude da crise económica em Portugal. Nesse sentido, podemos verificar que entre os respondentes que declaram ter reduzido a despesa com determinados bens e serviços a prevalência dos diferentes tipos de abuso é sempre superior à dos que afirmam não ter tido necessidade de reduzir

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as suas despesas/gastos, destacando-se a prevalência de abuso psicológico (23,6%) e de abuso financeiro (6,1%) (ver Quadro 72).

Quadro 72. Prevalência por tipo de abuso, por redução de gastos/despesas em virtude da crise Reduziu a despesa com determinados bens e serviços em virtude da crise? Tipo abuso Abuso psicológico Abuso financeiro Abuso físico Abuso sexual Lesões físicas Não reduziu N 31 12 3 3 2 (n=236) % 13,1 5,1 1,3 1,3 0,8 Reduziu n 104 27 14 10 4 (n=441) % 23,6 6,1 3,2 2,3 0,9

No que concerne à análise da prevalência dos diferentes tipos de abuso considerando a necessidade de passar por determinadas situações em virtude da crise económica em Portugal, verifica-se uma maior prevalência dos diferentes tipos de abuso entre os respondentes que declaram ter tido necessidade de alterar determinadas circunstâncias da vida em virtude da crise, com destaque para a prevalência de abuso psicológico (25,9%) e para o abuso financeiro (6,5%) (ver Quadro 73).

Quadro 73. Prevalência por tipo de abuso, por alteração de circunstâncias da vida em virtude

da crise Teve necessidade de passar por determinadas situações em virtude da crise? Tipo abuso Abuso psicológico Abuso financeiro Abuso físico Abuso sexual Lesões físicas Não n 59 20 7 4 3 (n=383) % 15,4 5,2 1,8 1,0 0,8 Sim n 76 19 10 9 3 (n=294) % 25,9 6,5 3,4 3,1 1,0

Sintetizando, em termos globais podemos concluir que a maioria dos idosos teve necessidade de reduzir as suas despesas/gastos em virtude da crise, sendo que essa redução de despesas se refletiu sobretudo nos bens de consumo, no lazer, na alimentação e na realização de refeições fora de casa.

A maioria dos idosos não teve necessidade de alterar situações da sua vida quotidiana em virtude da crise. No entanto, os idosos que tiveram necessidade de passar por essas situações, sentiram-nas principalmente ao nível do apoio financeiro aos descendentes, nomeadamente filhos(as)/netos(as). Concomitantemente, a necessidade de redução de despesas em virtude da crise, indiciadora de uma maior debilidade económica, tende a

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aumentar o risco de abuso dos idosos. O mesmo acontece em relação àqueles que tiveram necessidade de passar por determinadas situações em virtude da crise.

Por fim, verifica-se uma maior prevalência dos diferentes tipos de abuso entre os idosos que declaram ter reduzido a despesa com determinados bens e serviços, bem como entre os que assumem ter tido necessidade de alterar determinadas circunstâncias da sua vida. Em ambos os casos, destaca-se a prevalência de abuso psicológico e do abuso financeiro.

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