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As funções das reclamações no discurso dos professores 60

4.2 As reclamações nos encontros do projeto EDUCONLE 49

4.2.2 As funções das reclamações no discurso dos professores 60

A análise das reclamações nos dois contextos de pesquisa permite perceber que todas, de maneira geral, servem para compartilhar experiências e/ou sentimentos negativos. Contudo, outras funções talvez mais específicas do contexto foram verificadas nas análises. A seguir, são apresentadas as funções consideradas mais características das interações durante encontros do projeto. A intenção dessa análise não foi a de classificar todas as reclamações coletadas de acordo com suas funções, tarefa inviável visto que uma reclamação pode exercer mais de uma função de maneira simultânea. Dessa forma, a presente análise foi conduzida no intuito de retratar algumas das diferentes funções que as reclamações assumiram no discurso dos professores, e que servem para caracterizar as interações dentro do projeto. Além disso, é preciso mencionar que essas funções foram identificadas a partir de possíveis interpretações para as reclamações, considerando seus contextos de enunciação e suas respectivas respostas.

4.2.2.1 As reclamações como forma de desabafar

Muitas das reclamações podem ser entendidas como formas de desabafar. A própria necessidade de reclamar durante o decorrer de uma aula (como ocorreu durante a aula de metodologia), muitas vezes interrompendo seu assunto, demonstra uma grande necessidade por parte dos professores de se expressarem. Também a carga emotiva com que são expressas essas reclamações geram essa sensação nos ouvintes. Em alguns casos, a seriedade daquilo que é narrado e o decorrente alto nível de exposição para aquele que reclama, também contribuem para a sensação de que se está escutando a um desabafo.

A utilização das reclamações como forma de desabafar também é mencionada nas entrevistas semi-estruturadas (discutidas na seção 4.4). Nessa ocasião, uma professora fala, inclusive, que os professores sentiam tanta necessidade de desabafar que qualquer "brechinha" na aula servia para que um momento de reclamações se iniciasse.

O excerto abaixo (25) traz um exemplo que revela o alto nível de exposição a que o professor se submete para reclamar de um problema que o atormenta em seu cotidiano profissional. A reclamação foi veiculada durante a aula de metodologia na qual participavam cerca de 25 professores, duas formadoras, um monitor e a pesquisadora.

(25)

IVO: O aluno pode dar um tapa na cara do professor, o professor tem que ficar de braços cruzados. Você põe de volta, já era.

4.2.2.2 As reclamações como forma de denunciar situações condenáveis

Em várias reclamações podem ser também observados traços que as associam a uma espécie de denúncia. A reclamação abaixo (excerto 26), feita pela formadora Shirley, é um exemplo desse tipo de ocorrência. A reclamação pode ser percebida como uma forma de denunciar uma situação conhecida pela formadora, mas, muito provavelmente, desconhecida por seus interlocutores. O fato da reclamação descrever uma situação altamente condenável somada ao fato de que essa situação não é de conhecimento coletivo, gera a percepção de que se trata de uma forma de denúncia. Contudo, considerando que todos os ouvintes são professores que vivenciam situações muito semelhantes, e considerando outros traços e funções que caracterizam essas expressões, fica evidente que não se tratam de denúncias em si, mas de reclamações indiretas.

(26)

ForSHI: Então os meninos estão sem escola porque a escola não pode abrir turma. Olha para você ver que absurdo. E nós ficamos sem as turmas. Então nós, os professores, voltamos pra SMED. Então, assim, é muito confuso, né.

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4.2.2.3 As reclamações como forma de apresentar a realidade para o formador

Várias reclamações possuem traços que indicam serem elas uma forma de apresentar para o formador uma realidade que os professores julgam ser desconhecida pelos formadores. A percepção da ocorrência de reclamações que exercem essa função é confirmada pelos relatos coletados pelas entrevistas semi-estruturadas. Algumas dessas reclamações são introduzidas por expressões como: "Olha para você ver como é que funciona a questão lá da escola," ou finalizadas com expressões como: "entendeu?". O excerto 27 exemplifica esse tipo de ocorrência. Nele, a professora Márcia reclama da falta de disciplina dos alunos da escola onde leciona. Como pode ser observado, o início de sua reclamação faz com que esta seja interpretada como um modo de informar o formador sobre uma realidade que ele desconhece.

(27)

MAR: Você tem que ir lá para você ver, entendeu, como é que é. É uma escola super xxx. Os alunos são... À tarde diz que é três vezes pior.

4.2.2.4 As reclamações como forma de expressar solidariedade

Outro uso também comum das reclamações está associado a manifestações de solidariedade. Embora as reclamações solidárias tenham aparecido prioritariamente como respostas as outras reclamações (questão discutida na seção 4.3), elas também figuram entre os turnos considerados como proposições.

No excerto 28, por exemplo, a formadora inicia um novo assunto no contexto de uma discussão, reclamando de uma situação que ela teria vivido em função de problemas com a Secretaria Municipal de Educação. Sua reclamação serve como meio de mostrar para os professores que ela se solidariza com seus problemas e que, inclusive, vive problemas parecidos. Essa estratégia de emprego de reclamações solidárias foi também confirmada por dados provenientes das entrevistas semi- estruturadas (analisadas na seção 4.4).

ForSHI: Aí eles falaram comigo vai para a SMED igual cachorro, né. Lá vou eu pra SMED. Aí fui pra SMED, fiquei lá na SMED, lá no arquivo lá, molhando as plantas... Vai pro [nome da escola]. Professora de Português, porque não tem nem vaga pra professora de Inglês. Mas eu não sou formada...

4.2.2.5 As reclamações como forma de justificar-se

Em algumas ocorrências é possível perceber que uma reclamação servia para justificar o fracasso do professor em conseguir desenvolver uma atividade ou mesmo mudar suas estratégias de ensino. Essa situação foi observada com grande frequência no contexto dos encontros do projeto. No excerto 29, por exemplo, a professora Márcia justifica seu insucesso com a condução de uma atividade elaborada por seu grupo reclamando de seus alunos. Em suas reclamações, a professora veicula a ideia de que, apesar de seus esforços, seria impossível conseguir que seus alunos fizessem as atividades.

(29)

MAR: Já, já falei. Falou que não quer. Já falei na direção já. Tem vários alunos também que eles não fazem nada, entendeu?