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Um desdobramento recente do trabalho de Austin é a Teoria da Língua em Ato. Elaborada por Emanuella Cresti (2000) a teoria da Língua em Ato baseia-se em estudos de corpora e fundamenta-se na correspondência entre unidades do agir humano (atos) e unidades linguísticas (enunciados), e na possibilidade de se individualizar tais unidades através de parâmetros entonacionais. Ao afirmar que cada ato de fala é composto de três atos distintos, simultâneos e interdependentes (o ato locutório, o ilocutório e o perlocutório), Austin estabelece uma correspondência entre unidade linguística e unidade de ação, pois um agir ilocutivo e um perlocutivo são expressos através de uma locução. Fundamentando-se na proposição de Austin, a Teoria da Língua em Ato propõe a definição do enunciado como unidade mínima significante para a análise da fala. Cada enunciado, sob essa perspectiva, é a contraparte linguística de um ato de fala e se define como a unidade mínima interpretável pragmaticamente, sendo identificável através da percepção de um perfil entonacional com valor terminal. É a soma da prosódia que marca a originalidade da teoria da língua em ato. Além disso, trata-se de uma teoria induzida por análise de corpora, o que, de acordo com Raso, confere à mesma "uma fortíssima capacidade de verificação empírica" (RASO, 2012, p.92)

Em sua pesquisa com o corpus de língua italiana, Cresti e seus colaboradores, a partir da observação de 9300 enunciados do italiano, identificaram cerca de 90 tipos de atos de fala. Esses atos de fala foram identificados de acordo com suas propriedades linguísticas e agrupados dentre cinco classes ilocucionárias, a saber: representativos, diretivos, expressivos, ritos e recusa (ver tabela 1). De acordo com Raso (2012), a taxonomia adotada pela autora, embora seja, à primeira vista, similar àquela de Searle, baseia-se em um paradigma completamente distinto. A taxonomia de Searle organiza-se segundo um paradigma lógico e é guiada por propriedades lexicais. Na perspectiva de Searle, o enunciado equivale a um predicado performativo regido por proposições lógicas.Segundo essa perspectiva, os atos de fala podem ser identificados por um verbo performativo. As classes propostas por Searle, agrupam esses verbos performativos (e seus respectivos atos de fala), de acordo com uma série de condições necessárias e suficientes para sua aplicação.

Contudo, a perspectiva de Searle é refutada quando dados e experimentos com base em corpus são considerados. Segundo Raso,

(...) quando se realizam experimentos com base em corpus, essa visão não parece adequada para capturar dados reais. A riqueza das ações que emergem na conversação cotidiana não está contida na lista dos verbos performativos, e as condições de aplicação de Searle não funcionam como um princípio heurístico válido para individualizar os atos de fala. Por um lado, Searle acaba dando grande importância para atos que se realizam muito raramente ou simplesmente não se realizam em corpora; por outro, atos de fala muito comuns e frequentes não são identificados através do princípio do verbo performativo (dêixis, chamamento, instrução, etc.). Além disso, mesmo se na fala espontânea um performativo pode, em princípio, parafrasear um enunciado na sua forma primitiva, não temos nenhuma garantia de que o ato realmente realizado corresponda ao tipo indicado pelo performativo. (RASO, 2012, p.100)

Ainda segundo Raso (2012), o motivo desse distanciamento entre a realidade e a classificação dos atos de fala, como proposta por Searle, seria resultado de uma desconsideração da prosódia pela teoria clássica dos atos de fala. Fato que, segundo Raso, resulta também em um conhecimento ainda insatisfatório sobre os tipos de atos possíveis na fala e sobre suas definições.

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Tabela 1 - Referência das classes e dos tipos de atos de fala baseada no corpus LABLITA

Fonte: Raso (2012, p.101), traduzido de Moneglia (2011)

A identificação de um ato de fala, na perspectiva da Língua em Ato, deve ser, primeiramente, induzida pela observação de suas ocorrências em um corpus. Para serem estudados, os enunciados precisam estar segmentados e etiquetados. O processo de segmentação dos enunciados que compõem um texto se dá através da percepção acústica de quebras entonacionais terminais. Já o processo de segmentação das unidades internas que compõem o enunciado se dá através da percepção acústica de quebras entonacionais de valor não-terminal. Uma vez identificadas, essas unidades precisam ser classificadas (ou etiquetadas), este processo é feito através da

observação de critérios entonacionais, distribucionais e funcionais. A partir daí é possível identificar a unidade de comentário - responsável por veicular a força ilocucionária de um enunciado. Uma vez identificada a unidade de comentário, o processo de descoberta e descrição de uma ilocução, dentro dessa proposta, desenvolve-se através de uma série de etapas. O quadro a seguir reproduz um resumo da metodologia empírica padrão para a exploração de dados provenientes de corpus para os fins de uma pragmática empírica, apresentado por Moneglia (2011).

Quadro 1: Metodologia empírica padrão

Indução guiada por corpus

• coleta de ocorrências de atos de fala que foram julgados como sendo do mesmo tipo ilocucionário durante a anotação do corpus

Repetição positiva do perfil em contexto de elicitação controlado

• descrição operativa dos traços pragmáticos do contexto de elicitação

• produção e validação de um contexto ficcional de elicitação para um comentário com o perfil apropriado

• repetição e validação por diferentes locutores do perfil como uma função do contexto de elicitação

• ajustes e definição das características pragmáticas do contexto de elicitação que melhor permitem a produção do perfil

Teste de substituição

• o trecho de fala executado com o perfil apropriado é substituído pela trecho de fala com outros perfis

• falantes competentes avaliam se o perfil se adequa às circunstâncias

Propriedades prosódicas distintivas

• Repetição do perfil em estruturas acentuais diferentes no contexto de elicitação • Descrição das propriedades prosódicas distintivas dos perfis

• Modificação sintética das características necessárias e validação da extensão aceitável de variação na situação de elicitação.

Fonte: Extraído e traduzido de Moneglia (2011, p.499)

O processo de identificação e caracterização dos diferentes atos de fala do italiano, realizado por Cresti e sua equipe no laboratório LABLITA8, ainda está em desenvolvimento. De acordo com Raso, para que os conhecimentos avancem, dentro desse paradigma "é necessário identificar os atos realizados através dos enunciados e

8Laboratório Linguístico do Departamento de Italianística da Universidade de Firenze. Maiores

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etiquetá-los iloucionariamente, para depois poder realizar estudos empíricos informatizados." (RASO, 2012, p.101) Ainda segundo Raso, as bases para o avanço na compreensão e identificação dos atos de fala teriam sido postas pelos estudos desenvolvidos no LABLITA e pela formação de uma base de dados, proposta também por integrantes do referido laboratório, capaz de combinar a etiquetagem ilocucionária, informacional e léxico-morfossintática; caminho que, de acordo com Raso, tem ainda uma longa extensão a ser percorrida.