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1 AS TERMAS E A PRÁTICA DO TERMALISMO

1.1 AS HIERARQUIAS DAS ÁGUAS TERMAIS NAVEGANDO

A prática termal vem sofrendo inúmeras transformações ao longo da história. De lugares destinados ao lazer e ao prazer, na Antiguidade, elas passaram a ser apropriadas pelo discurso médico – as águas são boas para pensar a saúde, porque o lazer e o tempo livre em contato com a natureza – natureza em oposição à cultura ou, neste caso, em oposição ao ambiente urbano – , são vistos como eficazes para a manutenção do

corpo saudável, da mente, da alma e do espírito sadios. Sair de uma cidade grande para uma cidade menor já significa, em parte, este retorno à natureza.

Esta viagem às estações termais e aos tratamentos realizados ali se vincula com a cura de doenças, uma motivação que teve origem num contexto europeu em que as epidemias e enfermidades (entre elas, a tuberculose) não tinham remédio imediato. Bastos (2011a) comenta:

Princesas, duquesas e cortesãs aprisionadas em espartilhos que lhes trazem os nervos à flor da pele procuram nas águas o refrigério para as suas hipocondrias e reais padecimentos; elas e eles, príncipes, duques e outras celebridades que as acompanham, buscam também, no pretexto dos banhos, o momento dos encontros, o terreno dos matrimônios, das alianças, das cumplicidades, dos negócios e, até, da criação literária.

Igualmente reais, para Bastos, são os leprosos e outros intocáveis que:

(...) procuram nas águas a possibilidade de atenuar as incompletudes, as dores, o ardor das chagas; ou os paralíticos, apopléticos e reumáticos que, apoiados em bengalas ou transportados em macas, querem nos banhos aliviar dores e recuperar alguma mobilidade perdida (BASTOS, 2011b).

Para a autora, todos usam das mesmas águas, “mas talvez não das mesmas tinas, ou das mesmas banheiras, ou sequer das mesmas nascentes”. Neste partilhar e separar, nesta hierarquia das águas, está a “essência do termalismo europeu: água para todos, para tudo tratar, mas a todos de modos diferentes, cada um no seu lugar” (idem).

Da mesma forma que hoje em dia, as termas em alguns momentos da história abrigavam absolutamente todas as pessoas de uma localidade e em outros momentos podiam significam distinção social e possibilidades de curas. Com relação à manutenção da saúde e à cura (ao milagre, em algumas situações), são comuns os relatos de que algumas pessoas que foram curadas nas termas tinham sido desenganadas pelos médicos. As termas as salvaram da morte, digamos assim. Nas ocasiões das visitas a campo, não percebi nenhum caso extremo.

As termas são locais procurados preferencialmente pela terceira idade, por pessoas que são acometidas por doenças reumáticas (artroses, artrites). Eventualmente foram vistas pessoas com dificuldade de locomoção, vítimas de paralisias, mas não foi comum se perceber nas termas visitadas a presença, por exemplo, de pessoas com doenças de pele visíveis, sendo que para problemas de pele é bastante comum este tipo de cura, devido ao enxofre encontrado nas águas minerais. Talvez porque lugares com aglomerações de pessoas sejam oportunidade de contágio e, no imaginário coletivo, pode-se dizer que qualquer doença de pele é uma manifestação da lepra bíblica.

Os lázaros aludidos por Bastos (2011b) sumiram das termas ou as utilizam, talvez, nas maneiras mais particulares do aproveitamento das águas termais, que seriam os quartos individuais nos hotéis, onde cada um pode tomar seu banho termal sozinho, trancado em uma suíte particular. Isso já é impossível no parque termal de Nueva Federación, porque os hotéis ao redor do parque não são servidos de água termal. Em Caldas da Imperatriz, no entanto, o banho individual é possível nos quartos do hotel mais caro, o Plaza Caldas da Imperatriz, todos contam com água termal. Mesmo no hotel tombado, os banhos termais são tomados em banheiras de uso coletivo.

De maneira geral, o fenômeno termal, para Bastos (2011b), sempre incluiu pobres e nobres, já que tanto uns quanto outros sempre foram a clientela das termas: aristocratas e plebeus frequentavam os mesmos lugares e bebiam das mesmas águas, “ainda que não se enxergassem mutuamente”. Para Bastos, “o termalismo de glamour, o luxo e o uso prazenteiro e festivo das temporadas termais excluem da vista as doenças de pele, a sífilis, a tuberculose, as dificuldades ou a impossibilidade de locomoção”. Em todo caso, é a combinação destas duas vertentes que constitui o fenômeno termal tanto na Europa quanto nas Américas, tanto no passado como no presente: trata-se do lazer e da cura, ao mesmo tempo, para uns e para outros, utilizando o mesmo recurso natural, a água termal.

O uso terapêutico das águas termais constituiu, portanto, em alguns momentos históricos, uma das poucas formas conhecidas de tratar as doenças e era com este intuito que se realizavam viagens até estas estações termais, onde os visitantes permaneciam por determinados períodos. Ainda conforme Bastos (2011a), contudo, não bastavam as águas, ainda que pudessem ser elas o motivo da ida aos banhos.

Havia também os ares, o encanto dos lugares, os cenários, naturais e construídos, os jardins, as alamedas, as extravagantes tavernas e os monumentais balneários, os grandes hotéis, os seus luxuosos salões; e os cassinos, os bailes, as orquestras, as indumentárias, os encontros, as sagas familiares, os namoros, os negócios, o divertimento, a parada de vaidades.

Cronistas europeus dos séculos XVIII e XIX escreveram sobre as estações termais. A escritora Jane Austen, em Persuasion e em

Northanger Abbey (publicados respectivamente em 1816 e em 1818)

nos leva à sofisticação de Bath, na Inglaterra, com seus enredos, tensões e as microdiferenças de classe que determinavam aproximações, afastamentos, consentimentos e amores dos jovens ingleses que ali acorriam para acompanhar seus pais, tios, padrinhos e outros familiares. Conforme a autora, na sala da fonte, de manhã, ou no salão de baile, à noite, os convivas gastavam o tempo nos rituais de ver e ser vistos (BASTOS, 2011a). Jane Austen morou na cidade durante parte de sua infância, parece que se entediou muito ali, mas, hoje, dá nome a um centro cultural municipal.

Bastos (2011b) analisa duas espécies de narrativas sobre o termalismo europeu – a do luxo, glamour e lazer, por um lado, e a do tratamento de doenças “asquerosas”, por outro. Embora negando-se mutuamente e definindo-se por oposição, estas duas vertentes são indissociáveis e coexistem, formando estratos e camadas que acomodam diferenças de interesses, de propósitos e de classe. As termas, em última instância, continuam sendo oportunidades da cura pelo prazer.

A autora relata que as termas são um lugar de princesas e do que estas simbolizam – poder, beleza, nobreza, lazer, classe –, mas são também o lugar dos leprosos e do que eles simbolizam: o radical sofrimento humano, os limites da integridade física, a dissolução da pele, dos órgãos, dos sentidos.

As termas são de uns e de outros, e a sua associação é de tal modo central que aparece nas narrativas de origem de alguns lugares termais – seja em histórias de rainhas e indigentes, como nas Caldas da Rainha, em Portugal, ou de imperatrizes e índios, como nas Caldas da Imperatriz, no Brasil (BASTOS, 2011b).

Podemos imaginar que existem traços comuns entre os “aquistas” – ou os também chamados turistas termais ou ainda turistas de saúde –, uma espécie de comportamento grupal em que as experiências e os percursos ou itinerários de cura e lazer são compartilhados entre os sujeitos, motivando o aparecimento de roteiros específicos, que poderíamos chamar de circuitos das águas termais.

Na atualidade, devido à concentração dentro de um mesmo equipamento de funções vinculadas à saúde, ao ócio e à estadia, as estações termais podem ser analisadas como uma mescla de hospital, hotel e cassino (QUINTELA, 2011; RAMÍREZ, 2008; BASTOS, 2011a).

É comum, também, que se localizem distantes dos grandes centros urbanos, numa lógica que aproximaria o urbano da cultura e da doença, enquanto agruparia num mesmo contexto imaginário o rural, a natureza e a saúde.18 Trata-se de uma generalização, mas numa lógica

que se aplica tanto ao bairro turístico de Caldas da Imperatriz, em Santo Amaro da Imperatriz, um bairro de certa forma segregado do contexto urbano, afastado do Centro, quanto à cidade de Nueva Federación, cidade pequena que preserva certas características rurais e, mesmo, bucólicas.

Tanto no caso de Caldas da Imperatriz quanto no caso de Nueva Federación, observa-se a presença de turistas, idosos e doentes, mas em nenhum momento se observa a presença de pessoas que pudessem ser classificadas como pobres ou miseráveis em busca de curas milagrosas. Tanto numa estação quanto na outra não me pareceu que se faça caridade com a água termal, muito embora, como veremos, tivesse sido este o propósito, no caso das Caldas da Imperatriz – o hotel tombado foi, na sua origem, um hospital público e teria sido para isso que foi enviado dinheiro real para cá, para se edificar o prédio e mandar buscar banheiras de mármore de carrara.

Gaia, uma de minhas interlocutoras, reside em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e é formada em relações públicas. Ela relata que ela e sua família se habituaram a frequentar as termas. “Sentimos necessidade de buscar momentos saudáveis de extremo descanso e relaxamento pra driblar a rotina do cotidiano”. Para ela, as águas termais

18 Os termos natureza e saúde são utilizados nas suas mais diversas acepções pelos meus informantes, como veremos ao longo do texto.

permitem, através de sua temperatura, a sensação de usufruir da “leveza e do descanso de nossos corpos”. Gaia e o marido começaram a frequentar as águas termais há mais de 20 anos e desfrutam desses relaxantes banhos com os três filhos, ainda menores:

Os complexos de águas termais que conhecemos são bem distintos, vão do luxo do hotel Plaza Caldas da Imperatriz, em Santo Amaro da Imperatriz, à contemplação única e simples da natureza, sem nenhuma estrutura hoteleira, nas termas de Puritama, que brotam no meio do deserto do Atacama, no Chile.

Conforme a informante, a maior parte das termas possuem estrutura e atendimento muito bons, “pois estão preparadas para atender e trabalhar com o potencial do turismo”. Na opinião dela, os agentes turísticos “sabem receber, esclarecer e, principalmente, encantar o hóspede com as inúmeras atividades oferecidas no período da hospedagem”. Percebe-se que não se trata apenas do aproveitamento da água termal porque a maior parte das termas que Gaia e sua família conhecem possui uma vegetação exuberante, além de vários atrativos como parques temáticos, quadras de esportes e piscinas internas e externas, “enquanto as águas possuem diferentes propriedades terapêuticas, indicadas para tratamentos de diversas enfermidades”, conforme ela.

Uma característica dos termalistas: eles primeiro dispõem de dinheiro e tempo para viajar e, segundo, se informam com outros usuários sobre roteiros alternativos com que compõem, então, listas que de certa forma hierarquizam as termas sob os mais diferentes critérios – pela temperatura das águas, pelo acesso, pela gastronomia, pelo tipo de instalações, do camping ao hotel de luxo, pelos outros inúmeros atrativos além das águas termais em si. Ainda que os critérios possam ser diversos, no entanto, surge entre os aquistas, de alguma forma, uma espécie de identificação coletiva em que o item principal são os roteiros turísticos que incluem as águas termais. Gaia enumera as termas que já visitou no Brasil e na América do Sul: Piratuba, Santo Amaro da Imperatriz, Gravatal, Termas da Guarda (Tubarão) e Itá, em Santa

Catarina,19 Machadinho e Caldas da Prata, no Rio Grande do Sul,

Guaviyú, Paysandú, Del Daymán, Salto e Arapey, no Uruguai; Puritama e San Pedro de Atacama, no Chile. Esta é a lista de Gaia. De certa forma, quando uma estação termal é incluída num circuito, isso valoriza seu atrativo turístico, que é divulgado por todos os outros integrantes deste mesmo circuito, o que incrementa a possibilidade de uma turistificação cada vez maior de cada um destes destinos, tanto coletiva quanto individualmente.20

Pelo relato, podemos depreender que minha informante pertence a uma categoria de turistas que se diferenciam dos turistas de sol e mar ou dos que praticam turismo religioso ou de aventura, por exemplo. Não que não possam também praticar todos esses outros tipos de turismo, mas seus gostos peculiares tingem com uma coloração específica o que se entende por água termal, patrimônio natural, recursos naturais, de maneira geral, lazer, saúde e estética, termos interligados, no seu discurso, à água termal. Podemos depreender em sua fala, também, que existem estações de águas termais para todos os níveis de renda – ela frequenta os mais distintos, mas é possível que alguns aquistas só

19 Podemos observar que Santa Catarina, apesar de sua pequena extensão territorial – apenas 94,5 mil km2, ou cerca de 1% do território nacional –, é um dos estados brasileiros com maior número de fontes hidrotermais, aproveitadas em 14 estâncias turísticas. Existem fontes de águas termais com propriedades terapêuticas e relaxantes em 19 cidades de seis regiões turísticas catarinenses. O complexo hidromineral de Gravatal é considerado, na divulgação publicitária da cidade, como o segundo melhor do mundo (depois de Aux Les Thermes, na França). Já o complexo Caldas da Imperatriz, na Grande Florianópolis, também em alguns panfletos o segundo melhor do mundo, chama a atenção por ter sido a primeira estância termal do Brasil. Em Treze Tílias, no Vale do Contestado, a dica é aproveitar as águas termais no inverno, sendo que na cidade a temperatura pode chegar a -10°C. Quilombo (município vizinho de Chapecó) destaca-se com um parque de águas termais em plena praça central. E em São João do Sul (município vizinho de Praia Grande, na região do caminho dos cânions), encontra-se a única estância de água termal salgada do país. Mais em http://turismo.sc.gov.br/o-que-fazer/estancias-termais/. Consulta em 22 de agosto de 2014 e em www.athisc.com.br, acesso em 20 de novembro de 2013. 20 Vamos, mais adiante, explorar o conceito de circuito do ponto de vista da antropologia urbana e também o conceito de turistificação, do ponto de vista da geografia cultural.

utilizem as mais caras, assim como pessoas com menor poder aquisitivo possivelmente só possam se hospedar nas estações mais acessíveis.

As águas permitem identificar o comportamento das pessoas nestas estâncias, suas práticas e seus discursos a respeito de lazer, prazer e saúde, ingredientes que ajudam a compor o que poderiam ser entendidos como conceitos pertinentes à cultura termal.

Em Curar e folgar, uma das aquistas entrevistadas por Quintela (2004) revela de que forma estão presentes no imaginário dos turistas termais e pacientes de hidroterapias as ideias de calor, calor de um vulcão, e de milagre, assim como de energia e energização. Outra expressão que define a água termal naquela etnografia é “mistério da natureza” e todas estas expressões se referem ao calor que, aparentemente, desencadeia ações como “passar a andar”, “passar a comer” e “largar as muletas”.

As múltiplas propriedades das águas inspiram imaginários sociais de diferentes versões, entre os quais os utilizados na formulação de representações culturais que têm a ver com práticas voltadas para a saúde, para atividades religiosas e para o lazer, quando tanto o lazer quanto a religiosidade, de certa maneira, podem conduzir à manutenção ou à recuperação da saúde.

Lazer e prazer, como vimos até agora, são termos que estão ligados na literatura sobre o tema, a ponto de podermos usá-los como sinônimos em diversas circunstâncias, em que pese o fato de o primeiro possuir uma carga um tanto anódina, em algumas de suas conotações, enquanto o segundo mantém um significado mais ancestral de prazer dos sentidos, sexual, orgásmico.

Preferi usar a maior parte do tempo o termo lazer, por me parecer mais amplo, no sentido de conjunto de atividades inclusive prazerosas ou, ainda melhor, lúdicas, no sentido atribuído ao termo por Huizinga (1999). As noções do homo ludens, de Huizinga, e de ócio criativo, de

Domenico De Masi21 são esmiuçadas num artigo que relaciona

antropologia com psicologia e filosofia. Conforme Albornoz (2009), a tese central de Homo ludens é a de que o jogo é uma realidade

21 HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1999, e De Masi, D. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante,

2000. A relação entre as duas obras é realizada por ALBORNOZ, S. G. “Jogo e trabalho: do homo ludens, de Johann Huizinga, ao ócio criativo, de Domenico De Masi”, In: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 2009, v. 12, n. 1, p. 75-92, www.revistas.usp.br/. Consulta realizada em 27 de janeiro de 2015.

originária, que corresponde a uma das noções mais primitivas e profundamente enraizadas em toda a realidade humana.

(...) sendo do jogo que nasce a cultura, sob a forma de ritual e de sagrado, de linguagem e de poesia, permanecendo subjacente em todas as artes de expressão e competição, inclusive nas artes do pensamento e do discurso, bem como na do tribunal judicial, na acusação e na defesa polêmica, portanto, também na do combate e na guerra em geral.22

Assim, vamos utilizar lazer como conjunto de jogos e ações realizadas num tempo livre de obrigações, com referência ao período de folga ou de férias anuais e afastamento do trabalho e/ou da escola.

A visão predominante, nesta concepção de turismo e lazer, é a de consumo, pois a lógica é produzir, acumular e, no tempo que deveria ser destinado ao desenvolver-se, descansar ou divertir-se, tudo isso acontece a partir do consumo de pacotes de coisas e serviços. O turista se dedica por inteiro a consumir um conjunto de atividades com o objetivo de descansar, divertir-se, para desenvolver sua informação ou formação, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora.

Quando pensamos no termo turismo, imediatamente o associamos ao conceito de lazer, que seria um conjunto de atividades às quais dedicamos um tempo disponível e alguma reserva econômica a ser investida prioritariamente no contato consigo mesmo – e não com trabalho, na escola ou na família, por exemplo. O ócio, como equivalente a lazer, nos ajuda a entender a estreita relação entre lazer e turismo, porque está associado ao self, ou seja, o ócio propicia e reflete ações subjetivas, de prática da liberdade.

Percebemos que o termalismo é constituído de uma teia de significações, conectadas umas às outras, naquele conjunto de significados que os homens dão às suas ações e a si mesmos, como bem

22 ALBORNOZ, S. G. “Jogo e trabalho: do homo ludens, de Johann Huizinga, ao ócio criativo, de Domenico De Masi”, In: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 2009, v. 12, n. 1, p. 75-92, www.revistas.usp.br/, consulta realizada em 27 de janeiro de 2015.

sinaliza Geertz (1989). Sob a perspectiva da antropologia simbólica, o próprio autor define que a etnografia, para conhecer a cultura, mais que registrar ou descrever os fatos, deve interpretar e analisar os significados contidos nos atos, ritos e performances humanos, porque, para Geertz, o conceito de cultura é essencialmente simbólico.

Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura de significados (GEERTZ, 1989, p. 15).

Vemos, então, que Geertz defende a cultura como construções simbólicas, significados contidos num conjunto de símbolos compartilhados, uma análise cultural que se fundamenta no compartilhamento das ideias, numa “teia de significados” amarrada coletivamente. É disso que se trata quando percebemos, entre os turistas termais, um conjunto compartilhado de impressões sobre a ação das águas termais nos seus corpos e nos seus espíritos (ou mentes ou, ainda, corações). É disso que se trata quando percebemos, entre os agentes locais de turismo, esta valorização do recurso natural como patrimônio. Ou mesmo quando percebemos que esta valorização simplesmente não existe, nunca existiu ou saiu de moda e deu lugar a outras valorizações de outros patrimônios que não as águas termais.

Numa análise diacrônica, podemos incursionar sobre como essas práticas foram percebidas pelas culturas até hoje. Historicamente, diferentes civilizações desenvolveram diferentes conhecimentos e práticas a respeito das águas termais. Culturas pré-hispânicas na América do Sul, a antiga Grécia, celtas, árabes, judeus e cristãos são