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Capítulo 3. A criança: os vínculos criados com o pequeno encantado

3.3. Contos de fadas: vínculos mágicos

3.3.1. As histórias auxiliando o desabrochar das habilidades

Ao lado de um contexto que serve como tradutor de questões existenciais, as histórias podem auxiliar o desenvolvimento de habilidades que, embora não tenham conteúdo cognitivo, colaborarão com um melhor desempenho pessoal.

De forma genérica, as histórias contribuem com diversos aspectos da formação de crianças e de jovens. Esses aspectos podem variar de intensidade de uma história para outra, porém, pode-se dizer que, de maneira geral, todas as histórias propiciam o desenvolvimento da observação, senso crítico, imaginação e criatividade.

Antes de qualquer coisa, as histórias provocam na criança um estado de atenção, o acompanhamento do desenrolar dos fatos e a formulação de probabilidades que antecipam o seu desfecho. As histórias têm o poder mágico de prender a atenção das crianças. Isso por si só já é um exercício, mas as histórias provocam muito mais do que isso. As crianças acompanham os fatos e fazem conjecturas: como será que o herói se saíra dessa situação? Será que o ratinho, por gostar somente de queijo, rejeitará o chocolate? A princesa encontrará o príncipe e será feliz novamente? Ao tomarem conhecimento do desfecho do enredo, irão compará-lo com as suposições que fizeram. Isso fará com que elas exercitem a relação de causa e efeito, que faz parte do seu amadurecimento.

A narrativa exercitará também a memória, pois as maldades feitas pela rainha má serão relembradas no final da história, quando esta for castigada. Alguns personagens que aparecerem apenas no início da história podem ter um papel decisivo no seu final. A criança, por estar interessada no enredo, gravará elementos e detalhes que sabe que lhe trarão satisfação em outra parte da história. Isso também pode acontecer quando a mesma história é contada diversas vezes; a cada nova narrativa, a criança saboreará melhor esses elementos. E as crianças têm uma predileção por ouvir a mesma história muitas vezes, isto porque elas querem ter certeza de que o mal foi derrotado e de que tudo acaba bem no final.

Outra situação que a comunicação através da história proporciona é o exercício do senso crítico. Sem dúvida, pensando na formação do cidadão de amanhã, umas das maiores preocupações dos educadores é formar um homem e uma mulher críticos, que tenham capacidade de analisar o que está à sua volta, de avaliar o que está de acordo com os seus princípios e o que não está, e de tomar decisões de acordo com as suas próprias convicções. Isso nem sempre é fácil perante uma sociedade massificante, na qual as informações se cruzam em velocidade vertiginosa e nem sempre com objetivos explícitos.

As ingênuas histórias podem ser um motivo para a discussão de comportamentos e posicionamentos não de forma impositiva, mas sim convidativa ao pensar, o que proporcionará a encantadora satisfação de ver o amadurecimento do pequeno ouvinte.

As crianças pequenas ficam encantadas quando Cinderela apaixona-se imediatamente pelo príncipe. Mas, as mais velhas poderão se questionar se somente o fato de ser bonito, rico e poderoso é suficiente para alguém se apaixonar.

E será que o Patinho Feio não seria mais feliz continuando feio, porém filho de sua mãe pata e irmão dos patinhos, do que se transformar em um cisne belo, no entanto sozinho?

O que importa é que as histórias vão trazer o contexto no qual os contadores, com habilidade, poderão fundamentar uma discussão que busque produzir a reflexão e o exercício do senso crítico.

Mas, sem dúvida, incitar a imaginação é o ponto forte do resultado de uma comunicação através de histórias. Elas conduzem o ouvinte às mais diversas paragens, e não há limite. Uma boa narrativa pode levar ao fundo do mar, acima das nuvens, a países distantes, ao futuro e ao passado.

A descrição detalhada fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores, visualize a grama verdinha e se encante com o cavalo alado que dorme sossegadamente. Porém, este detalhamento não deve ser exagerado, a fim de permitir que o ouvinte coloque a sua “própria” cor do céu, enfeite o campo com “suas” árvores e flores. A narrativa é um convite para que a imaginação se desencadeie e complemente o cenário.

A conseqüência do exercício da imaginação leva a uma predisposição para a criatividade, uma vez que fornece, gera, imagens mentais que se tornam referências. Nos dias de hoje, sabe-se que a criatividade é diretamente proporcional à quantidade de referência que uma pessoa possui. E o importante é que referências

fornecidas pelas histórias não são apenas aquelas apresentadas às crianças, prontas, de forma conceitual ou visual, mas são também resultantes de seu próprio raciocínio e de sua imaginação.

Mas é possível ir além: as histórias fornecem um contexto com o qual se pode trabalhar de diversas maneiras, fazendo com que as crianças sejam convidadas a criar. Após ouvirem uma história, elas podem fazer um desenho da cena de que mais gostaram, ou a modelarem em argila. Um grupo de crianças poderá representá-la ou, mesmo, ser convidado a fazer a sua continuação. Será necessário criar o roteiro, fazer o cenário, o figurino. Situações que ficariam difíceis de serem pedidas aleatoriamente, mas que ganham sentido dentro de uma história que acabou de ser contada.

3.3.2. Seres mágicos são capazes de construir mais que um mundo fantástico: um