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Capítulo 1. O autor e seu caldeirão mágico de histórias

1.2. A ficção e a realidade

1.2.1. Os elementos da fantasia

Os códigos desse universo simbólico são revoadas de fadas, exércitos de ogros, ordens de nobres, famílias de animais falantes e seres alados que se aventuram em castelos fantásticos e florestas encantadas.

Morin (1963), no seu livro Paradigma Perdido, dá uma explicação para a criação de seres fantásticos, afirmando que o homo sapiens, ao tomar consciência da morte, constrói “uma segunda existência” do mundo exterior, uma imagem mental, a qual ele revela através da pintura e dos ritos sepulcrais. O grafismo mural também revela a ligação imaginária com o mundo. A palavra, o sinal, o símbolo, a figuração vão reapresentar ao espírito, mesmo na ausência deles, os seres e as coisas do mundo exterior.

Nós descobrimos, portanto, que a imagem, mito, rito, magia são fenômenos fundamentais ligados ao aparecimento do homem imaginário. Daí por diante, mitologia e magia serão complementares e associadas a todas as coisas humanas, mesmo as mais biológicas (morte, nascimento), ou as mais técnicas (a caça, o trabalho); elas vão colonizar a morte, arrancá-la ao nada (MORIN, 1973, p. 101).

O surgimento do imaginário, a criação das mitologias e mágicas, são instabilidades, alucinações entre o real e o imaginário, que fazem surgir os sonhos e as fantasias para produzirem incansavelmente combinações novas, estranhas, surpreendentes, mistura de incoerência e de coerência, enfim, a loucura.

Para Jung (2000), o imaginário habita o inconsciente coletivo e se expressa através dos arquétipos encontrados no mito e no conto de fada:

O arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (JUNG, 2000, p.17).

Os arquétipos são provenientes do inconsciente coletivo que deriva dos remanescentes arcaicos da história da humanidade. Estas impressões permanecem estocadas para surgirem através de imagens arquetípicas, amoldadas através da cultura e experiências da mente individual.

Quando trata dos contos de fadas no livro Os arquétipos e o inconsciente coletivo, fica clara a posição de Jung em igualar os sonhos ao ato lúdico de narrar histórias de fadas, pois ambos são abrigos para os arquétipos. "Se considerarmos o espírito em sua forma arquetípica, tal como ele se apresenta no conto e nos sonhos..." (JUNG, 2000, p.246). Marie Von Franz (2003) completa:

Parece-me que as histórias arquetípicas se originam, freqüentemente, nas experiências individuais através da erupção de algum conteúdo inconsciente, que pode surgir em sonhos, ou em alucinações em estado de vigília (2003, p.31).

Para Jung (2000), os mitos são representações psicológicas atemporais de caráter universal desses arquétipos; têm uma estrutura que funde o real e o imaginário que tenta explicar a vida e os seus mistérios.

Apoiado em Jung, Campbell (1990) vê a mitologia como uma metáfora ou expressão da relação do homem com a natureza. O mito vai se relacionar com os mistérios do nascimento e da morte, as contradições da criação e da destruição, tentando reconciliar esses pólos opostos e atenuar os temores.

Os mitos passam a se expressar através das histórias, dando um panorama do modo de ver e compreender esses fenômenos em diversas culturas. Passam a fazer parte das crenças e religiões. A obra de Campbell demonstra que os mitos arcaicos deram, e continuam dando, inspiração a todos os heróis.

O conceituado psicanalista inglês Bruno Bettelheim, em seu livro A Psicanálise dos

Contos de Fadas, fala sobre a importância dos seres fantásticos no desenvolvimento

emocional das crianças. As histórias de fadas falam, de maneira simbólica, a linguagem da criança, elas dão explicações simples para fatos que ela não conseguiria entender. “ O conto de fadas oferece materiais de fantasia que sugerem à criança, sob forma simbólica, o significado de toda a batalha para conseguir uma auto-realização e garantir um final feliz” (BETTELHEIM, 2007, p. 56).

• Acontecem em um mundo irreal, mas possível; • São independentes de tempo e espaço;

• Não exigem qualquer justificativa;

• As características de seus personagens são maniqueístas.

Mundo irreal, mas possível, consiste em um conjunto de indivíduos dotados de propriedades, ações, cursos de eventos. Este curso de eventos não é real, mas possível, ele deve depender de comportamentos proposicionais de alguém que o afirma, nele acredita, com ele conta, deseja-o, prevê, Um mundo narrativo toma emprestado os próprios indivíduos e as suas propriedades do mundo “real” de referência (ECO, 2004, p.111).

Quanto à interdependência no tempo e no espaço, pode-se dizer que as histórias não determinam onde nem quando elas se desenrolarão; elas acontecem em tempo e lugares indiscriminados, longínquos, de onde se pode ir e voltar sem qualquer comprometimento. Isto permite que cada um dos ouvintes se identifique com ela, pois ao ouvir; “era uma vez”, o ouvinte se coloca como participante da trama, e as coisas que acontecem com o herói poderão acontecer, ou estar acontecendo com ele.

Os personagens, além de não terem nuances de personalidade e comportamento, raramente têm nomes: são os príncipes, os reis, as bruxas, a bela princesinha, a madrasta etc... Isto auxilia para que o símbolo que estes personagens encerram tenham os mesmo significados em diferentes histórias.

As histórias não exigem qualquer justificativa; os contos de fadas têm uma aura de fantasia que transporta para um mundo de imaginação onde tudo é possível, não necessitando de muita explicação.

Outra característica dos contos de fadas é o maniqueísmo no qual as pessoas ou são boas ou más, de uma forma simples e pura. Isto permite que as crianças compreendam melhor a história, pois cada personagem tem um comportamento esperado e lógico.

É característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de forma breve e categórica, isto permite à criança apreender o problema em sua forma mais essencial, onde uma trama mais complexa confundiria o assunto para ela. O conto de fadas simplifica todas as situações. Suas figuras são

esboçadas claramente e, detalhes, a menos que muito importantes, são eliminados. Todos os personagens são mais típicos do que únicos (BETTELHEIM, 2007, p. 6).

Os predicados humanos que os personagens apresentam são sempre básicos e, portanto, de fácil compreensão. O maniqueísmo aparece como um fator que permite que essa compreensão aconteça. Os personagens são bons ou ruins, egoístas ou generosos, falsos ou leais sem muita necessidade de explicações.

Não existem "meias-palavras", textos com “entrelinhas” ou situações que irão expor o verdadeiro caráter de uma pessoa. Desde o começo da história, cada um se apresenta da mesma maneira que ele é realmente e da forma como isto influenciará o desenrolar da trama. O que possibilita a compreensão, mesmo para crianças muito pequenas, de três ou quatro anos.