• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2. A mídia: O contador de histórias

2.1. O estudo de uma história

2.1.2. Componentes de uma história

Faz parte do estudo de uma história o conhecimento aprofundado dos seus componentes principais; dentre estes, os mais importantes são os personagens, àqueles a quem se atribui as vivências que irão compor toda a trama. Posteriormente, é importante compreender o local onde a história ocorreu, uma vez que ele irá influenciar os fatos e, também, a sua descrição irá ajudar os ouvintes na compreensão do enredo. O estudo do local será preponderante para que o contador preveja quantos cenários irá utilizar, o que é absolutamente necessário quando estiver utilizando recursos auxiliares, mas não é descartado quando se está apenas narrando a história, pois o contador, tendo em vista o número de "cenários" que são necessários para causar melhor compreensão da história, usa-os para estruturar a sua narrativa.

Algumas histórias estão ligadas a uma determinada época e sofrem influências culturais, identificadas por determinados aspectos presentes na história que, muitas vezes, explicam e justificam certos fatos, e que indicarão o que deve ser esclarecido aos seus ouvintes, causando uma melhor compreensão e uma maior contribuição cultural ao processo de comunicação focada na contação de histórias. Malba Tahan (1961) ensina, para este particular: “verificar se a história exige, para ser contada, alguma explicação prévia” e dá um pitoresco e delicioso exemplo:

Pode acontecer que no enredo da história apareça alguma alusão a um nome (moeda, planta, acidente geográfico, estrela, animal exótico, etc.) que os ouvintes desconheçam. Em certos casos é interessante elucidar previamente o auditório: “Vou contar, para vocês, uma estranha aventura ocorrida em Itaberaí. Itaberaí é uma próspera e pitoresca cidade de Goiás. A palavra Itaberaí significa “rio das pedras que brilham”. Essa cidade... (Seguem—se as indicações curiosas sobre a cidade que vai servir de cenário para a narrativa) (TAHAN, 1961, p. 53).

Voltando aos personagens, que são os elementos mais importantes da história, é preciso entender quem são e qual a importância de cada um deles. Toda história é composta de personagens principais, secundários e supérfluos. Os personagens

principais são aqueles que têm importância vital na história; sem eles a história não aconteceria. Toda história tem como personagens principais um herói e um vilão. Muitas vezes o personagem do herói é duplo, apresentando o masculino e o feminino. Assim, deve-se entender quem são eles para poder dar-lhes uma ênfase maior. Este destaque será dado na narração, onde se deve dar maiores detalhes da sua personalidade, da sua aparência física, da sua vestimenta. Se a história for narrada com recursos auxiliares, como fantoches ou marionetes, estes personagens deverão ser os mais elaborados e não poderão jamais faltar.

Os personagens principais são aquilo que Greimas (1973) chama de actantes principais que são sujeito & objeto e que formam a categoria central que se relaciona com duas outras: a categoria actancial destinador & destinatário e a categoria adjuvante & oponente, que são os personagens secundários.

Os personagens secundários também são importantes; costuma-se dizer que são o amigo do herói e o inimigo do herói, ou o amigo do vilão. Sua importância está no fato de que eles dão sentido às falas dos personagens principais e é através do diálogo com seu amigo que se conhece as intenções do herói ou os planos do vilão.

Usar ou não os personagens secundários vai depender das condições, porém a estes se dará sempre menor ênfase, mesmo porque isso será importante para o entendimento da história. Se o narrador dedicar o mesmo tempo para descrever o herói (personagem principal) e o amigo do herói (personagem secundário), ele confundirá a sua platéia. Já em se tratando do uso de recursos auxiliares, alguns deles proíbem o uso de muitos personagens, fantoches, por exemplo, onde o uso de mais do que quatro personagens torna o manuseio inviável; pode-se dispensar um personagem secundário, fazendo-se menção a ele através apenas através de um diálogo em que o personagem não aparece.

E, finalmente, os personagens supérfluos, estes são aqueles que não têm absolutamente importância alguma: tê-los ou não, não irá fazer a menor diferença. Os pais da Bela Adormecida, por exemplo, apesar de serem reis e progenitores da personagem principal não fazem diferença alguma no enredo, assim eles podem ser citados em apenas uma linha da narração e a compreensão da história será a

mesma. Por outro lado, com um grupo grande de crianças onde se queira narrar a história de forma interativa, ou se a história for utilizada para uma dramatização, o uso dos personagens supérfluos será interessante para dar-se um papel a todos.

O contador irá se valer das imagens mentais para poder relatar aquilo que “ele mesmo vê”; assim, conhecer este cenário irá alimentar sua imaginação, que elaborará estas referências juntamente com outras que ele já possui, gerando a inspiração necessária para dar esteio à sua narração.

As histórias geralmente encerram um ambiente envolvente: trata-se de um cenário marítimo, uma floresta cheia de mistérios ou um castelo com seus diversos aposentos e a pesquisa desses aspectos poderá ser muito fascinante. O autor de

Ouvidos dourados, o famoso contador de histórias Jonas Ribeiro, tem uma opinião

sobre o assunto:

Pode até parecer estranho ficar pensando na cor do vestido da princesa, viajando no dorso do cavalo Rondó e ficar experimentando a garra do leão, o bigode do cão, a pena de águia e a patinha da formiga. E daí? Não importa quão estranho isso possa parecer, importa sim que esse brincar com a história faz parte do ofício do contador de histórias (RIBEIRO, 2001, p. 80).

Muitas vezes o narrador irá pesquisar para ter elementos que enriqueçam a sua descrição. É útil se chegar à especificação do país, se isto for significativo na história. Certamente aquele que não conhecer as “estepes da Índia” não poderá descrevê-las com riqueza, mas talvez tenha prazer em conhecê-las, em estudá-las melhor e, com isso, ao lado de um grande prazer pessoal e intelectual, ele estará aumentando os seus horizontes de detalhes e, assim, conseguirá se expressar muito melhor. O conhecimento exato do local onde se passa a história evita erros grosseiros, que às vezes são cometidos, na atribuição de costumes errados a povos, na colocação de elementos de fauna e flora em áreas geográficas erradas.

Um ambiente pode se desenvolver através de vários cenários e o bom narrador deverá dar detalhes de cada um deles. Assim uma história que apresenta muitos cenários irá exigir mais do narrador, que deverá dar detalhes suficientes para que

cada ouvinte “sinta” cada cenário sem, contudo, se cansar. Muitas informações poderão, também, confundir os ouvintes.

Existem histórias que não têm época e, quando isto acontece, dá ao ouvinte a impressão de que aquele enredo poderia estar acontecendo com ele, naquele momento, como é o caso das histórias de fadas. Porém, quando a história tem uma época, certamente isto terá influência nos costumes e em como o seu enredo se desenrolará; existem fatos que adquirem significância própria dentro do contexto da época e compreendê-los será importante para fazer analogias com a época atual, ou para a compreensão de outros fatos na mesma época. Desconhecer essas peculiaridades ou fazer confusão com elas poderá ter conseqüências prejudiciais na veracidade com que a história é recebida, agindo como um ruído de comunicação, além do fornecimento de informações erradas.

Um exemplo é a história de Kotick, de Rudiard Kipling (1997), que retrata a dizimação de focas e se passa antes de 1911, data da promulgação de leis ambientalistas de preservação de espécies ameaçadas; essa história de cunho ambientalista reforça, através desse detalhe, a necessidade de intervenções públicas para o controle da caça predatória. Conhecer esses detalhes não só dará maior veracidade à narração como também será uma lição ambientalista importante.