• Nenhum resultado encontrado

As imagens de Amazônia da última década do século

2. O S LAMPEJOS DAS IMAGENS DE A MAZÔNIA NA REVISTA

2.2. A S IMAGENS DE A MAZÔNIA NA NARRATIVA

2.2.4. As imagens de Amazônia da última década do século

cada de 1980 a Amazônia passou por uma intensa política de ocupação. Entretanto, o movimento se deu de forma desordenada. Nesse período, colonizar significava desmatar a floresta. O homem derrubava as árvores e dizia levar o progresso. Por conta dessa empreitada na selva, a Ama- zônia ficou maculada pela imagem da destruição.

O fogo, o devorador do verde, foi consumindo o ecossistema aos poucos. A situação se agravou nos anos de 1980. A onda de devastação deflagrada pelas derrubadas e queimadas despertou a sociedade mundial e ela repudiou o avanço da destruição na Amazônia. As pessoas exigiam do governo brasileiro políticas que diminuíssem o extermínio da mata, contudo o cenário devastador não se modificou muito. Ao contrário, na década de 1990, ele intensificou-se.

Os últimos anos do século XX registram as imagens da degrada- ção da Amazônia. O momento em que a flora vai desaparecendo, sendo derrubada pela mão do homem. A imagem do desmatamento, inicial- mente progresso, passa a ser motivo de preocupação e crime contra o ecossistema amazônico. Ambientalistas, ecologistas, cientistas e pesqui-

sadores afirmam que, está-se destruindo um habitat que sequer se co- nhece. As imagens da década de 1990 mostram a ameaça ao verde da Amazônia – o flagrante gradativo do desaparecimento das árvores em uma das maiores florestas do mundo.

A revista Veja de abril de 1999 flagra muito bem esta imagem. Estampa a capa do periódico a seguinte manchete: O massacre da moto- serra. A publicação não é uma edição especial. Traz apenas um texto sobre a Amazônia, divulgado no caderno “Ambiente”. A narrativa faz um panorama jornalístico com as imagens da destruição, denunciando os agressores da mata.

Figura 19: Capa de Veja. Edição abr./1989 Fonte: VEJA, abr. 1989

Na reportagem Carrascos da mata, são identificados os dez mai- ores desmatadores da Amazônia. De acordo com o texto jornalístico, a área verde que desapareceu da floresta em trinta anos de colonização é equivalente à extensão do território da França: “Nas últimas três déca- das, o exuberante patrimônio vegetal brasileiro perdeu principalmente para o boi uma área maior que a da França” (CAVALCANTI; MAN- SUR In VEJA, abr. 1999, p. 110).

A falta de fiscalizações mais eficientes não apontavam os maiores desmatadores da selva, porém, segundo a reportagem, sobrepondo as fotografias tiradas pelo satélite Landsat com as imagens do território brasileiro foi possível identificar a localização exata das áreas desmata- das para punir os agressores da floresta: a maioria deles são pecuaristas. As árvores das fazendas estão sendo substituídas pelo capim. A pecuária extensiva obriga os fazendeiros a desmatarem a floresta na intenção de destinar mais espaços de pasto para fazer o manejo dos animais. A Amazônia perde espaço para a criação de gado e, em algumas cidades, ainda alimenta a indústria madeireira com as árvores retiradas da mata. Veja destaca que “enquanto todo o resto do Brasil condena a destruição da Floresta Amazônica, nos municípios em que fazendeiros e madeirei- ros dão as ordens, a população vai às ruas em favor do desmatamento” (CAVALCANTI; MANSUR In VEJA, abr. 1999, p.112).

O resultado de toda esta política é a imagem do vazio provocado pela devastação. A derrubada das árvores sintetiza a destruição. Na dé- cada de 1990, é esta referência imagética que mais preocupa os ambien- talistas e pesquisadores da Amazônia. Veja denuncia que “o ciclo da destruição começa em abril e maio, quando os fazendeiros procuram os empreiteiros, chamados ‘gatos’, que contratam os trabalhadores para derrubar a floresta” (CAVALCANTI; MANSUR In VEJA, abr. 1999, p.113-114). Assim, a mata vai sendo amputada. O que resta é a imagem de um espaço vazio, queimado, cinzento. “No momento em que o fogo se apaga, só restam cinzas e poucos troncos teimosos fincados como palitos na paisagem calcinada. À primeira chuva, o fazendeiro semeia o capim” (CAVALCANTI; MANSUR In VEJA, abr. 1999, p.108). O espaço vazio deixado pelo fogo que consome a madeira, a floresta, é apresentado nas narrativas de Milton Hatoum. A personagem Mundo consegue enxergar as ruínas, os destroços na vida dos moradores da floresta – dos exilados. O novo eldorado da Amazônia talvez seja a ima- gem da destruição:

A visão das ruínas acentuava a tristeza do lugar. Cruzes de madeira crestadas cobriam um descam- pado; o tronco da seringueira fora abatido, as raí- zes arrancadas; galhos secos espetados em trapos queimados pareciam carcaças carbonizadas. (...) A obra de meu amigo, no Novo Eldorado, também terminara em cinzas (HATOUM, 2005, p. 177).

Quando o fogo queima, a floresta não existe mais. Resta o vazio deixado pela imagem da mata e pela ação do homem. A revista destaca que os devastadores “não possuem noção de que são peças de uma gi- gantesca engrenagem de destruição que, imperturbavelmente, vai moen- do a mata da mais rica floresta de clima tropical do mundo” (CAVAL- CANTI; MANSUR In VEJA, abr. 1999, p. 111). Estão intensificadas as imagens da destruição.

Em alguns espaços amazônicos não há mais floresta. A pastagem substituiu completamente a imagem de Amazônia que foi formada pelas árvores. A floresta deixou o espaço mais vazio. Depois de destruída, só há pasto. O capim ativa as referências imagéticas da mata que um dia esteve ali, mas que agora falta. Se se levar a cabo “que ver é perder” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 141), as imagens da destruição da Ama- zônia farão com que as pessoas comecem a ver a região, porque ela nos olha do espaço em que jaz. “O que era Floresta Amazônica vira pasta- gem. A cena se repete aos milhares na Amazônia. (...) Segundo um le- vantamento internacional, de cada dez árvores que tombam pela ação do homem no planeta, uma está na Amazônia” (CAVALCANTI; MAN- SUR In VEJA, abr. 1999, p. 110). Com um índice desses, a imagem do ecossistema amazônico fundamentado pela floresta está cada vez mais vazia, pois as referências da flora estão mais restritas às zonas de difícil acesso.

Talvez seja a partir desta década o momento em que mais se verá a Amazônia, pois a sociedade já começa a sentir falta dela, a perdê-la. Quando a ideia da perda ameaça a imagem, o ser humano sente um de- sejo maior de visualizá-la. No momento em que há o desejo de ver, en- contrar-se-ão imagens que não estavam presentes no imaginário sobre a região, mas que podem ser referências para enxergá-la. As imagens serão lançadas umas às outras, ativando e sendo ativadas, encontrando e sendo encontradas – intersectando-se mutuamente, “indicadas por índi- ces, por vestígios e por dessemelhanças – no próprio lugar de sua ausên- cia, de seu desaparecimento”, onde elas estiverem localizadas: em outras imagens, em outras cronologias ou no movimento de anacronia (DIDI- HUBERMAN, 2010, p. 144).

Na revista, assim como em outros suportes jornalísticos, os tem- pos (suas poli e anacronias) e as imagens (psíquicas, pictóricas e narrati- vas) se tornam visíveis no acontecimento como se fossem relâmpagos passageiros que vêm em nossa direção e nos atingem em forma de ima- gens-sobrevivência. Na perspectiva de Walter Benjamim, as imagens estão no centro da história, pois são entes capazes de encadear, montar e re-montar pensamentos. Didi-Huberman corrobora esse pensamento e

afirma que “o Outrora encontra o Agora para formar um clarão, um brilho, uma constelação onde se libera alguma forma para nosso próprio Futuro” (2011, p. 60). Assim, as imagens nos chegam.

As imagens intersectam o tempo e as cronologias. O aconteci- mento-imagem ou a imagem-acontecimento “se encontra [no] ‘mundo a comentar’ como surgimento de uma fenomenalidade que se impõe ao sujeito, em estado bruto, antes de sua captura perceptiva e interpretati- va” (CHARAUDEAU, 2007, p. 95). O sujeito o apreende, coloca-o em relação com outros eventos e o faz significativo no plano das ideias. A citação do evento num contexto de significações dá visibilidade aos fatos ocorridos. Uma vez registrados, os acontecimentos dão a conhecer os lampejos do passado no tempo presente como uma forma de percep- ção, pois “o acontecimento nunca é transmitido à instância de recepção em seu estado bruto; para sua significação, depende do olhar que se estende sobre ele, olhar de um sujeito que o integra num sistema de pensamento e, assim fazendo, o torna inteligível” (Ibidem, 2007, p. 95).

Ao compor sentido por meio das narrativas, a revista registra as imagens do tempo, no tempo e para o próprio tempo. As referências imagéticas de Amazônia publicadas nos materiais jornalísticos analisa- dos são formas diversificadas de ver a região. A presença de uma ima- gem não significa a nulidade da outra, porém, a pluralidade de referên- cias ajuda a formar o caleidoscópio imagético da Amazônia. São ima- gens e tempos que habitam nessas sobrevivências aqui apresentadas.