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As instruções indiretas da alegoria

1. Como e por que ler Telêmaco hoje

1.3 As instruções indiretas da alegoria

Ao fim de todas essas aventuras, o leitor é capaz de reconstruir a imagem do príncipe ideal para Fénelon: filósofo, pacifista, mestre de si mesmo, cristão, preocupado em começar na vida terrena o plano de felicidade prometido para a eternidade, e, ao mesmo tempo, um príncipe conhecedor de suas limitações e das imperfeições humanas, que procura na simplicidade os parâmetros para sua conduta política e moral. Em outras palavras, apesar de fazer circular figuras da Antiguidade homérica, é um príncipe agostiniano que Fénelon deseja formar. E não restam dúvidas acerca da função dessa narrativa: agradar um jovem cujo destino é reinar para formá-lo na arte de governar.

Desde o Traité d’Éducation des filles Fénelon defendia a tradição horaciana de agradar para instruir. A reflexão pedagógica deste texto inicia-se com uma censura à negligência com que se tratava a educação de jovens mulheres da época. A partir do capítulo III, Fénelon deixa de mencionar as jovens especificamente e passa a tratar das crianças de forma generalizada. Com a finalidade de demonstrar “Quais são os

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primeiros fundamentos da educação”, afirma, desde logo, a necessidade de levar-se em consideração uma característica própria da infância, a de que o temperamento das crianças lhes daria uma admirável facilidade de aprendizagem. Essa ideia não se apresentava como uma novidade, Philippe Ariès nos mostra que ela era a base comum das teorias pedagógicas do século XVII51.

Fénelon insiste sobre o poder da imagem, como se pode constatar nesta pergunta: “mas que atenção do espírito não é necessária para discernir as imagens e fixá-las a seus objetos?”52 Fénelon apostará toda sua pedagogia no desafio de fixar a atenção das crianças a fim de imprimir-lhes imagens da virtude.

si, au lieu de les laisser suivre toutes les imaginations de leurs nourrices pour les choses qu' ils doivent aimer ou fuir, on s' attachait à leur donner toujours une idée agréable du bien et une idée affreuse du mal, cette prévention leur faciliterait beaucoup dans la suite la pratique de toutes les vertus (FÉNELON, 1983, v1, p. 97). Reconhecido o desafio, o autor apresenta as orientações para uma educação devota. Na primeira infância, administração da saúde com uma alimentação regrada; com o avançar da idade, cultivo de uma linguagem imagética para fazê-las amar a verdade. Frequentemente, neste tratado, Fénelon propõe que a facilidade de admiração e a curiosidade da infância sejam exploradas. A partir do momento em que o autor começa a explicitar os modos dessa exploração, como vimos na última citação, os preceitos de eloquência que fizeram a fama do “Fénelon predicador” aportam em sua pedagogia: “toute la force de la parole ne doit tendre qu’à mouvoir les ressorts cachés que la nature a mis dans le coeur des hommes”53. No Traité de l’Éducation des Filles, encontramos uma imagem mais clara do que a natureza oculta no coração do homem:

Si peu que le naturel des enfants soit bon, on peut les rendre ainsi dociles, patients, fermes, gais et tranquilles; au lieu que si on néglige ce premier âge, ils y deviennent ardents et inquiets pour toute leur vie; leur sang se brûle, les habitudes se forment, le corps encore tendre, et l' âme qui n' a encore aucune pente vers aucun

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ARIÈS, P. História social da criança e da família. 1981, p. 165-194.

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FÉNELON, 1983, v1, p. 96.

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objet, se plient vers le mal; il se fait en eux une espèce de second péché originel, qui est la source de mille désordres quand ils sont plus grands.

Dès qu' ils sont dans un âge plus avancé, où leur raison est toute développée, il faut que toutes les paroles qu' on leur dit servent à leur faire aimer la vérité et à leur inspirer le mépris de toute dissimulation. Ainsi, on ne doit jamais se servir d' aucune feinte pour les apaiser ou pour leur persuader ce qu' on veut; par là on leur enseigne la finesse qu' ils n' oublient jamais: il faut les mener par la raison autant qu' on peut. (FÉNELON, 1983, v1, p. 98).

O homem nasce corrompido, mas é possível educá-lo. A palavra possui, como se pode perceber, um papel fundamental nesse processo de educação, que vai além de ministrar conteúdos, atingindo uma paidéia cristianizada. Xavier-Cuche entende que essa pedagogia admite o dogma agostiniano da corrupção da natureza pelo pecado original, mas que leva em consideração a bondade essencial da natureza humana54. Em síntese, tendo sempre em vista o horizonte cristão, Fénelon nos conduz a pedagogia da eloquência: falar bem para tocar os corações por meio da razão, e assim transformar e formar homens virtuosos. Em suas próprias palavras, homens sinceros, modestos, desinteressados, fiéis, discretos, mas, sobretudo, piedosos55. Em nome desse ideal, sua defesa do poder da imagem não exclui sua voz do coro que, no século XVII, condenava a ficção:

Au contraire, les filles mal instruites et inappliquées ont une imagination toujours errante. Faute d'aliment solide, leur curiosité se tourne toute en ardeur vers les objets vains et dangereux. Celles qui ont de l'esprit, s'érigent souvent en précieuses, et lisent tous les livres qui peuvent nourrir leur vanité; elles se passionnent pour des romans, pour des comédies, pour des récits d' aventures chimériques, où l'amour profane est mêlé: elles se rendent l'esprit visionnaire, en s'accoutumant au langage magnifique des héros de roman; elles se gâtent même par là pour le monde; car tous ces beaux sentiments en l'air, toutes ces passions généreuses, toutes ces aventures que l'auteur du roman a inventées pour le plaisir, ont aucun rapport avec les vrais motifs qui font

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CUCHE, F-X. Télémaque entre père et mer. Paris: Champion, 2009, p. 24.

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agir dans le monde et qui décident des affaires, ni avec les mécomptes qu'on trouve dans tout ce qu'on entreprend (FÉNELON, 1983, v1, p. 95).

A condenação da ficção feita por Fénelon origina-se no descompasso entre a realidade e a ficção, que ilude, que frustra, que engana. Fénelon parece considerar seriamente a etimologia da palavra ficção, quando afirma que o universo do romance não tem qualquer relação com a verdade do mundo. Assim, “Donner toujours une idée agréable du bien”, para Fénelon, implica transformar sua ideia do bem em imagens que contenham a verdade, para que ela se fixe para sempre na memória da criança. Os capítulos V e VI sistematizam as estratégias mais adequadas para este fim. Ao defender o uso de “Instruções indiretas”, ele tem em mente um ensino que não pressione a infância com o rigor e a austeridade da vida adulta: “Laissez donc jouer un enfant, et mêlez l' instruction avec le jeu; que la sagesse ne se montre à lui que par intervalle et avec un visage riant”56.

A alegoria constitui uma das formas dessas instruções indiretas. A ficção seria admitida como um manancial de imagens agradáveis do bem apenas quando correspondesse ao modelo de leitura figural cristão do texto bíblico, cujas verdades são tocantes e ajudam a conceber e a reter o mistério57. Essa ideia está aprofundada no capítulo VI, “Do uso de histórias para as crianças”. Depois de demonstrar o prazer que a história de José e de seus irmãos pode proporcionar, Fénelon defende o uso da narrativa na educação da sensibilidade. O capítulo encerra-se com a sugestão do uso de imagens pictóricas (tapeçarias, quadros) que representam a história santa58. Na elaboração de seus próprios textos literários, Fénelon pode provocar no leitor a sensação de estar diante de um projeto incoerente, pois faz uso de figuras mitológicas pagãs para veicular ideias cristãs.

De modo geral, a síntese “donner toujours une idée agréable du bien et une idée affreuse du mal” fazia convergir as concepções retóricas de seu tempo, cujo logos havia sido enfraquecido para dar lugar à experiência subjetiva59, como a noção de 56 FÉNELON, 1983, v1, p. 104. 57 FÉNELON, 1983, v1, p. 120. 58

Sobre a presença da pintura no projeto pedagógico de Fénelon, cf. LECOQ, Anne-Marie. La Leçon de

peinture du duc de Bourgogne. Fénelon, Poussin et l’enfance perdue. Paris: Le Passage, 2003.

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DECLERCQ, G. in: FUMAROLI, M. Histoire de la rhétorique dans l’Europe moderne. Paris: PUF, 1999, p. 701.

individualidade, o gosto independente dos padrões impostos pela tradição, para sua preocupação de tornar o ensino flexível. A alegoria, por exemplo, funciona, no plano da linguagem, como uma forma, um código que transforma as “verdades necessárias” em imagens assimiláveis para o príncipe. Tal procedimento era familiar ao homem de corte, pois sua educação pressupunha a frequentação de textos literários e de obras de arte que combinavam “uma representação figurativa com uma explicação alegórica”60.

Em seu Dictionnaire de 1690, Furetière define alegoria como uma metáfora continuada. Segundo João Adolfo Hansen, que pesquisou os diferentes sentidos e funções que a alegoria apresenta ao longo da tradição ocidental, a relação entre metáfora e alegoria, nessa definição, se dá a partir da noção de quantidade. A metáfora seria um tropo de léxico capaz de substituir um termo isolado; já a alegoria equivaleria a todo um enunciado61. No século XVII, afirma o especialista, a alegoria subtendia o projeto de afirmar uma presença in absentia. Poetas, pintores, intelectuais, de uma forma geral, utilizavam esse “tropo do pensamento” para evidenciar a ubiquidade de um significado ausente62. Como se trata de um uso “continuado” da metáfora, a alegoria teria o poder de presentificar um significado “aos poucos”, nas “partes” do texto, ao longo de seu encadeamento.

Essa característica alegórica traz para a linguagem a possibilidade de facilitar a expressão de certas ideias. A escolha de Fénelon parece ter se orientado nesse sentido. A alegoria permitia ao autor concretizar as abstrações necessárias ao aprendizado do poder. Nas palavras de Mentor, máscara da Sagesse, Fénelon explica seu procedimento alegórico e explicita seu objetivo pedagógico:

Fils d’Ulysse, écoutez-moi pour la dernière fois. Je n’ai instruit aucun mortel avec autant de soin que vous. Je vous ai mené par la main au travers des

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Cf. KAPP, 1982, p. 73. Peter Burke demonstra a importância da alegoria na vida cortesã francesa do século XVII, esboçando um pequeno inventário das alegorias mais utilizadas naquele tempo (o deus Marte para a coragem, a deusa Minerva para a sabedoria, Hércules para a força etc)60. Burke ressalta que os intelectuais de Luís XIV encontraram nessa figura retórica um poder de síntese interessante para a fabricação de conteúdos convenientes às intenções políticas do rei. A utilização de figuras mitológicas, ou mesmo históricas da Antiguidade, fazia supor que havia uma relação indireta entre o passado e o presente. “Quando Luís XIV pediu a Charles le Brun que pintasse cenas da vida de Alexandre Magno, estava não só expressando sua admiração por Alexandre como se identificando com ele” (BURKE, P. A fabricação

do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 43)

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HANSEN, J. A. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Hedra; Campinas: Unicamp, 2006, p. 30.

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naufrages, des terres inconnues, des guerres sanglantes et de tous lesmaux qui peuvent éprouver le coeur de l’homme. Je vous ai montré, par des expériences sensibles, les vraies et les fausses maximes par lesquelles on peut régner (FÉNELON, 1920, L. XVIII, p. 532).

Fénelon havia sido educado segundo a tradição do humanismo cristão praticado pelos jesuítas; participou, portanto, do “comércio” literário com autores da Antiguidade, conhecia muito bem as particularidades técnicas da “alegoria dos poetas”63. Sua compreensão da alegoria, por isso mesmo, ia muito além dos tratados de retórica, pois sua formação jesuítica lhe trouxe o conhecimento da alegoria como instrumento de leitura dos textos sagrados64. A passagem acima indica, ao mesmo tempo, o uso da alegoria como recurso figurativo e um modo de interpretar essas “figuras” da “experiência sensível”.

Estamos, pois, diante de um tipo de alegoria muito específico, “a alegoria dos teólogos” que, segundo Hansen, não pode ser, exatamente, definida como um modo de expressão verbal, mas deve ser entendida, antes, como uma forma de interpretação religiosa. Por isso a Sabedoria divina diz a Telêmaco: “Eu vos mostrei, por experiências sensíveis, as verdadeiras e as falsas máximas pelas quais se pode reinar”. Esse emprego da alegoria como procedimento hermenêutico remonta à tradição patrística, de quem Fénelon foi grande leitor65. Para os primeiros Pais da Igreja, interessavam menos as palavras que representavam coisas, do que a revelação dos conteúdos sagrados que as coisas do mundo (representadas por palavras) encerravam66. Assim, podemos dizer que Fénelon encontrou na complementaridade entre a alegoria como expressão e a alegoria como interpretação um modus operandi para instruir divertindo, sem corromper suas imagens pedagógicas com os vícios da ficção.

Fénelon produziu Les aventures de Télémaque como uma grande peça de tapeçaria cujas imagens alegóricas da Antiguidade guardam como motivo real as Verdades do Cristianismo. Como já havia nos advertido João Adolfo Hansen, as

63 Sobre a formação jesuítica de Fénelon, cf. os trabalhos de Goré (GORÉ, J-L. L’Itinéraire de Fénelon:

Humanisme et spiritualité. Paris: PUF, 1957, p. 33-47; 250-324) e de Melchior-Bonnet (MELCHIOR-

BONNET, S. Fénelon. Paris: Perrin, 2008, p. 25-43) e, ainda, o primeiro tomo das Correspondances organizadas por Jean Orcibal (1972).

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GORÉ, 1957, p. 123-131.

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Cf. Goré (1957) e Raymond (RAYMOND, M. Fénelon. Paris: Desclée de Brouwer, 1967).

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imagens alegóricas podem ter um significado óbvio para um grupo de leitores e permanecerem herméticas para outro grupo. De modo semelhante, essa variação acontece na relação entre as alegorias dentro do mesmo texto. Em Telêmaco, algumas alegorias são facilmente lidas e interpretadas, outras exigem certa iniciação no universo espiritual de Fénelon. A título de apresentação, vejamos algumas das alegorias construídas para instrução do Duque de Borgonha: a cidade de Bética, por exemplo, foi criada a partir de uma fusão entre os imaginários da Idade de Ouro e do Éden. Segundo Goré, o autor pensava na Idade de Ouro como uma Grécia antiga cristianizada, onde as crianças pudessem desenvolver-se na graça e na virtude, ignorando o pecado67. Fénelon buscava, assim, inspiração tanto na cultura pagã quanto na tradição hebraica para reconstituir seu paraíso de pureza original.

François Xavier-Cuche, em seu livro Télémaque entre père et mer (2009), aponta Mentor como uma figura de Cristo. A análise de Cuche persegue as pistas de uma cristianização do mito. Alguns dos elementos dessa análise nos ajudam a definir o que aqui estamos chamando de alegorização. Cuche demonstra, por exemplo, como a personagem homérica de Mentor estava pronta para a metáfora de Cristo: Mentor é uma figura originalmente divina, pois sob sua máscara de estrangeiro está Palas Atena – que Fénelon chama de Minerva por reconhecer a difusão do catálogo de alegorias de Ripa. Nossa interpretação nos leva a afirmar essa construção imagética como uma alegoria, já que, no desenrolar da ação, a metáfora “continua”: Mentor, apesar de ser apresentado e de apresentar-se, sempre, como um simples estrangeiro, possui uma autoridade sobrenatural sobre as personagens à sua volta, inclusive sobre personagens que ocupam um lugar social superior ao seu. O episódio em que Mentor chega a Salento e resolve o problema da guerra causado pela arrogância de Idomeneu, conversando com reis do porte de Nestor, ilustra bem o caso. Quando Mentor fala publicamente, nessas Aventuras, demonstra os pressupostos de “belo natural” e de “simplicidade sublime” com os quais Fénelon acreditava captar a benevolência do auditório:

Pendant que Mentor parlait ainsi avec Nestor, au milieu des troupes confédérées, Idoménée et Télémaque avec tous les Crétois armés les regardaient du haut des murs de Salente; ils étaient attentifs pour

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remarquer comment les discours de Mentor seraient reçus, et ils auraient voulu pouvoir entendre les sages entretiens de ces deux vieillards. [...]Les paroles de Mentor, quoique graves et simples, avaient une vivacité et une autorité qui commençait à manquer à l’autre. Tout ce qu’il disait était court, précis et nerveux. Jamais il ne faisait aucune redite; jamais il ne racontait que le fait nécessaire pour l’affaire qu’il fallait décider. S’il était obligé de parler plusieurs fois d’une même chose, pour l’inculquer ou pour parvenir à la persuasion, c’était toujours par des tours nouveaux et par des comparaisons sensibles. Il avait même je ne sais quoi de complaisant et d’enjoué, quand il voulait se proportionner aux besoins des autres et leur insinuer quelque vérité. Ces deux hommes si vénérables furent un spectacle touchant à tant de peuples assemblés (FÉNELON, 1920, L. IX, p. 228-229)

Do mesmo modo, podemos interpretar a aparição de Mentor para Telêmaco na ilha de Chipre como uma interpretação do encontro de Cristo com seus discípulos em Emaús logo após a Ressurreição68. Por fim, a cena da Transfiguração completa a alegoria: Palas Atena abandona o disfarce de Mentor na presença de Telêmaco. A descrição desse fenômeno poderia ser interpretada como uma metamorfose, o que fixaria o caráter imitativo e definiria a filiação dessa obra à tradição dos Antigos. Alguns elementos dessa descrição, contudo, geram uma ambiguidade que merece ser levada em consideração:

A peine le sacrifice est-il achevé, qu’il suit Mentor dans les routes sombres d’um petit bois voisin. Là, il aperçoit tout à coup que le visage de son ami prend une nouvelle forme : les rides de son front s’effacent comme les ombres disparaissent, quand l’Aurore, de ses doigts de rose, ouvre les portes de l’Orient et enflamme tout l’horizon; ses yeux creux et austères se changent en des yeux bleus d’une douceur céleste et pleins d’une flamme divine ; sa barbe grise et négligée disparaît; des traits nobles et fiers, mêlés de douceur et de grâces, se montrent aux yeux de Télémaque ébloui. Il reconnaît un visage de femme, avec un teint plus uni qu’une fleur tendre et nouvellement éclose au soleil : on y voit la blancheur des lis mêlés de roses naissantes; sur ce visage fleurit une éternelle jeunesse, avec une majesté simple et négligée.

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Une odeur d’ambroisie se répand de ses habits flottants; ses habits éclatent comme les vives couleurs dont le soleil, en se levant, peint les sombres voûtes du ciel et les nuages qu’il vient dorer. Cette divinité ne touche pas du pied à terre; elle coule légèrement dans l’air comme un oiseau le fend de ses ailes: elle tient de sa puissante main une lance brillante, capable de faire trembler les villes et les nations les plus guerrières; Mars même en serait effrayé. As voix est douce et modérée, mais forte et insinuante ; toutes ses paroles sont des traits de feu qui percent le coeur de Télémaque, et qui lui font ressentir je ne sais quelle douceur délicieuse. Sur son casque paraît l’oiseau triste d’Athènes, et sur as poitrine brille la redoutable égide. A ces marques, Télémaque reconnaît Minerve.

- O déesse - dit-il - c’est donc vous-même qui avez daigné conduire le fils d’Ulysse pour l’amour de son père !

Il voulait en dire davantage,mais la vo ix lui manqua: ses lèvres s’efforçaient en vain d’exprimer les pensées qui sortaient avec impétuosité du fond de son coeur; la divinité présente l’accablait, et il était comme unhommequi, dans un songe, est oppressé jusqu’à perdre la respiration, et qui, par l’agitation pénible de ses lèvres, ne peut former aucune voix (FÉNELON, 1920, L. XVIII, p. 531-532).

Fénelon toma de empréstimo expressões conhecidas na literatura bíblica para caracterizar uma transformação que se dá no mundo da antiguidade grega: a brancura de Minerva lembra aquela que reveste os lírios do campo para os quais Cristo chama a atenção em Mt 6, 29; a glorificação do Deus hebraico é muita vez feita, no Antigo Testamento, com o adjetivo “majestade”69; mas Cristo também assim se deixa