• Nenhum resultado encontrado

A primeira dificuldade encontrada na análise dos dados sobre a cobertura da Educação Infantil é a disparidade entre o núme- ro de matrículas em Creche e Pré-Escola registrado pelo Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio- nais Anísio Teixiera (Inep) e o número de crianças que frequen- tam as diversas modalidades de Educação Infantil, segundo os

Maria Malta Campos

Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), é pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas (FCC), professora do Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e presidente da ONG Ação Educativa.

Yara lúcia Esposito

Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisadora sênior do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas (FCC).

Nelson Gimenes

Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP). Pesquisador da Fundação Carlos Chagas (FCC) e membro do Comitê Editorial da revista

Estudos em Avaliação Educacional. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em avaliação educacional e formação de professores.

68

d e o l h o n a s m e ta s 2 0 1 2

dados do IBGE (Pnads e Censos). Como já analisaram Rosem- berg e Artes (2012) e Kappel (2008), o IBGE vem apresentando números consideravelmente superiores aos do Inep. A Tabela 1 (abaixo) reproduz as diferenças encontradas por Kappel entre as duas fontes de dados relativas ao ano de 2006.

Tabela 1 Diferenças entre o número de crianças de 0 a 6 anos frequentando a escola,

segundo o IBGE e o Inep – 2006

Faixa etária A B C %

Pnad - IBGE Censo Escolar Inep Diferenças C/A

0-3 anos 1.741.755 1.194.150 547.605 31,4

4-6 anos 7.140.642 6.375.439 765.203 10,7

Total 8.882.397 7.569.589 1.312.808 14,8

Fonte: Kappel, 2008, p. 9.

Essas diferenças revelam que, mesmo após uma década da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e já na vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), se registrava uma considerável subnotificação de matrículas nos dados colhidos pelo Censo Escolar, mais marcante na faixa correspondente à Creche, porém ainda significativa no que se refere às crianças entre 4 e 6 anos de idade. A Tabela 2 (abaixo) mostra que continua- ram a ser registradas disparidades significativas em relação ao ano de 2010, especialmente no que tange à Creche, que contabilizou uma porcentagem de discrepância ainda mais alta do que em 2006.

Tabela 2 Diferenças entre o número de crianças de 0 a 6 anos frequentando a escola,

segundo o IBGE e o Inep – 2010

Faixa etária A B C %

Pnad - IBGE Censo Escolar Inep Diferenças C/A

0-3 anos 2.575.948 1.535.068 1.040.880 40,4

4-6 anos 7.393.401 6.644.617 748.784 10,1

Total 9.969.349 8.179.685 1.789.664 18,0

Fonte: Microdados do Censo Escolar – Inep, 2010 e IBGE, 2010.

Diversas explicações foram propostas para essas dispari- dades: a fonte de dados do Inep são as escolas, e a do IBGE, os domicílios. A existência de estabelecimentos não creden- ciados ou que não preenchem os formulários do Censo Esco-

a r t I g o 1

lar corresponderia a uma parte das diferenças. Além disso, os meses de referência para os cortes de grupos etários não coincidem. O fato de a discrepância ser consideravelmente maior na faixa etária correspondente à Creche pode também indicar que os informantes do Inep e do IBGE ainda não têm clareza sobre a identidade e a definição legal de Creche. Ou, ainda, pode sinalizar que – sobretudo no caso do Inep – es- sas fontes não deixam suficientemente claro qual é o critério adotado para a sistematização dos dados. As análises mais cuidadosas sobre tais problemas reconhecem que seria ne- cessário estudar melhor esse fenômeno, para esclarecer os motivos de diferenças tão significativas1.

Para examinar melhor essas discrepâncias é impor- tante considerar as diferenças entre regiões. Como se pode observar nas tabelas a seguir, as diferenças são maiores na Creche, em comparação com a Pré-Escola, e no Norte e Nor- deste, quando comparados às demais regiões. Esses dados reforçam a hipótese da subnotificação de matrículas no Cen- so Escolar, embora não fique claro qual motivo levaria as prefeituras a não registrar matrículas em estabelecimentos públicos, o que resulta na sua não contabilização para efeito da distribuição dos recursos do Fundeb2.

Tabela 3 Crianças de 0 a 5 anos frequentando a escola – Brasil e regiões, 2010

Cr

eche

Fonte de dados Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro- -Oeste Censo - Inep, 2010 2.069.599 86.083 460.669 1.026.977 356.757 139.113 Censo - IBGE, 2010 2.221.953 129.052 527.372 1.028.375 397.017 140.137 Diferenças 152.354 42.969 66.703 1.398 40.260 1.024 % 7,4% 49,9% 14,5% 0,1% 11,3% 0,7% Pr é-Escola Censo - Inep, 2010 4.707.892 452.050 1.582.478 1.864.206 507.209 301.949 Censo - IBGE, 2010 5.125.603 464.453 1.680.439 2.098.162 536.729 345.820 Diferenças 417.711 12.403 97.961 233.956 29.520 43.871 % 8,9% 2,7% 6,2% 12,5% 5,8% 14,5% Educação Infantil Censo - Inep, 2010 6.777.491 538.133 2.043.147 2.891.183 863.966 441.062 Censo - IBGE, 2010 7.347.556 7.347.556 7.347.556 7.347.556 7.347.556 7.347.556 Diferenças 570.065 57.434 191.347 224.608 72.030 45.439 % 8,4% 10,7% 9,4% 7,8% 8,3% 10,3%

Fonte: Microdados do Censo Escolar – Inep, 2010 e IBGE, 2010.

1. Ver rosemberg, 2012 e Kappel, 2008.

2. os recursos do Fundeb são distribuídos entre cada estado e seus municípios com base nas matrículas registradas pelo Inep no ano anterior, em cada etapa e modalidade educacional.

70

d e o l h o n a s m e ta s 2 0 1 2

Na região Norte, por exemplo, metade das crianças con- tabilizadas pelo IBGE como frequentando Creche não consta dos dados do Censo Escolar do Inep. Considerando a Educa- ção Infantil no País, mais de meio milhão de crianças que constam do Censo do IBGE realizado em 2010 estão ausentes das estatísticas do Inep relativas ao mesmo ano.

Levando-se em conta essas imprecisões constatadas nos dados, ainda assim é possível ressaltar que houve uma evolução na cobertura da Educação Infantil no País duran- te a última década, tanto na Creche como na Pré-Escola, e, no caso das crianças com idade mais próxima a 6 anos, também no início do Ensino Fundamental. O Gráfico 1 (abaixo) mostra a evolução, segundo o Inep, do número de matrículas entre os anos de 2005 e 2011.

A partir de 2007, observa-se o efeito da antecipação do in- gresso no Ensino Fundamental para as crianças antes matri- culadas na Pré-Escola. Também a partir desse ano verifica-se uma aceleração no aumento de matrículas na Creche, talvez pelo efeito da introdução do Fundeb, que passou a financiar esse segmento da Educação Infantil.

Gráfico 1 Evolução das matrículas na Educação Infantil

e no ano inicial do Ensino Fundamental – Brasil, 2005 a 2011

Fonte: Sinopses do Censo Escolar – Inep, 2005-2011. 8.000.000 7.000.000 6.000.000 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 5.000.000 0 Legenda Educação Infantil Pré-Escola Ano inicial Creche

a r t I g o 1

Porém, no caso da faixa etária de 0 a 3 anos, é preciso considerar as diferenças de cobertura por idade, pois as ida- des mais próximas do nascimento representam uma propor- ção muito pequena do total correspondente à Creche, como se verá a seguir.

A Tabela 4 (abaixo) mostra a variação do número de ma- trículas por idade em 2010 conforme as duas fontes, IBGE e Inep. Não só a distribuição por idade revela grandes dispa- ridades, como também a diferença entre os números forne- cidos pelas duas fontes de dados é mais significativa no que se refere às crianças mais novas e, surpreendentemente, maior para a rede pública, nas idades de 0 a 4 anos.

Tabela 4 Diferenças entre o número de crianças de 0 a 6 anos frequentando a escola,

por dependência administrativa da escola, segundo o IBGE e o Inep – 2010

Idade

Censo Escolar

Inep 2010 IBGE 2010 Diferença % diferença/IBGE

Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada

0 4.287 2.581 89.643 33.040 85.356 30.459 95,2 92,2 1 118.567 61.442 239.550 113.166 120.983 51.724 50,5 45,7 2 269.819 172.344 463.029 273.042 193.210 100.698 41,7 36,9 3 539.879 366.149 876.082 488.396 336.203 122.247 38,4 25,0 4 1.102.964 498.762 1.500.612 584.652 397.648 85.890 26,5 14,7 5 1.802.442 521.720 1.961.012 600.708 158.570 78.988 8,1 13,1 6 2.199.468 519.261 2.199.397 547.020 -71 27.759 0,0 5,1 Total 6.037.426 2.142.259 7.329.326 2.640.024 1.291.900 497.765 17,6 18,9 Fonte: Microdados do Censo Escolar – Inep, 2010 e IBGE, 2010.

Levando-se em conta essas discrepâncias entre os dados do Inep e do IBGE, os cálculos das taxas de cobertura base- ados em uma ou outra fonte também resultam em porcen- tagens de atendimento diversas. Nos intervalos de tempo entre os Censos decenais do IBGE, um recurso utilizado para calcular as taxas de cobertura da Educação Infantil por ida- de é comparar as projeções de população por idade, realiza- das pelo Sistema Único de Saúde (SUS), obtidas no DataSUS, com as matrículas registradas, por idade, no Censo Escolar do Inep, conforme mostra a Tabela 5 (p. 72). →

72

d e o l h o n a s m e ta s 2 0 1 2

Tabela 5 Crianças de 0 a 5 anos de idade,

segundo a etapa de ensino que frequentam – Brasil, 2010

Etapa / Idade < 1 ano 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos

Creche 6.345 177.920 426.607 791.043 611.689 45.959 Pré-Escola 99 957 12.854 108.786 968.163 2.222.449 1º ano 37 85 90 446 2.308 17.101 1ª série /2º ano 21 71 130 317 909 2.554 Demais séries EF 49 118 139 233 510 870 Outras etapas 317 858 2.343 5.203 18.147 35.229 Total 6.868 180.009 442.163 906.028 1.601.726 2.324.162 População 2.713.244 2.694.909 2.726.958 2.790.782 2.870.266 2.931.988 % na escola 0,25% 6,68% 16,21% 32,47% 55,80% 79,27%

Fonte: Microdados do Censo Escolar, Inep, 2010 e Datasus, 2010.

As matrículas em Creche concentram-se nas idades de 2 e 3 anos, o que é importante para o desenho das políticas de expansão da Educação Infantil. Este fato pode tanto in- dicar diferenças na demanda por atendimento conforme as idades, como também refletir a menor oferta de vagas para bebês até 2 anos, ou, provavelmente, uma combinação en- tre os dois fatores. Outro dado preocupante são as crianças que constam como matriculadas em etapas não adequadas à sua idade, fenômeno que será comentado na segunda parte deste artigo. De qualquer forma, as porcentagens de cober- tura relativas às idades correspondentes à Creche indicam que a realidade ainda se encontra bem distante das metas previstas no PNE de 2001 e também no projeto de PNE em discussão no Congresso Nacional.

Desafios colocados pelas metas de