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As matrizes curriculares dos cursos de Ciências Biológicas: o que dizem?

Entendo que a matriz curricular de um curso, ou seja, o rool de disciplinas, oferece pistas para dizer que tipo de formação está sendo desenvolvida e, por consequência, indica elementos que permitem descrever o perfil profissional do egresso. Penso que trazer algumas discussões a este respeito são interessantes à medida que vamos percebendo algumas nuances sobre o perfil dos futuros professores de Ciências. Advirto que farei considerações com base no rool de disciplinas e, portanto, não traçarei discussões sobre as teorias que envolvem o currículo, pois, de acordo com Silva (2005), currículo abrange o curso como um todo e suas relações e não somente a matriz de disciplinas.

Por meio de busca ao site de cinco universidades situadas no Rio Grande do Sul, quatro públicas e uma particular, analisei a matriz curricular do curso de licenciatura em Ciências Biológicas. Nas matrizes analisadas, há certa tendência de enfatizar disciplinas estritamente biológicas, ou seja, da formação específica do biólogo. Não estou afirmando que o conhecimento do conteúdo específico do professor, neste caso, do professor de Ciências, é desnecessário. De acordo com Carvalho e Gil-Pérez (2011), um professor de Ciências precisa conhecer a história das ciências, associando os conhecimentos científicos com os problemas que originam sua construção, bem como “conhecer as orientações metodológicas empregadas na construção de conhecimentos (...) e as interações Ciência/Tecnologia/Sociedade associadas à construção de conhecimento, sem ignorar o caráter, em geral, dramático do papel social das Ciências” (p. 24), articulando conhecimentos decorrentes dos desenvolvimentos científicos recentes, evidenciando, assim, uma visão

dinâmica da Ciência. E, por fim, o professor precisa “saber selecionar os conteúdos adequados que proporcionem uma visão geral da ciência” (p. 25).

Nesse sentido, o conhecimento sobre os conteúdos da disciplina que ministra é muito importante. Porém, no campo da formação de professores, também são apontados outros conhecimentos que, junto aos de conteúdo, tornam determinado assunto “ensinável”. Para Shulman (2005), há certos conhecimentos de base para que o professor possa desenvolver suas atividades de ensino, que estão relacionados ao:

Conocimiento del contenido;

Conocimiento didáctico general, teniendo en cuenta especialmente aquellos principios y estrategias generales de manejo y organización de la clase que trascienden el ámbito de la asignatura;

Conocimiento del currículo, con un especial dominio de los materiales y los programas que sirven como “herramientas para el oficio” del docente;

Conocimiento didáctico del contenido: esa especial amalgama entre materia y pedagogía que constituye una esfera exclusiva de los maestros, su propia forma especial de comprensión profesional;

Conocimiento de los alumnos y de sus características; Conocimiento de los contextos educativos, que abarcan desde el funcionamiento del grupo o de la clase, la gestión y financiación de los distritos escolares, hasta el carácter de las comunidades y culturas; y

Conocimiento de los objetivos, las finalidades y los valores educativos, y de sus fundamentos filosóficos e históricos (p. 11).

Para Shulman (2005), os conhecimentos de base para o ensino permitem ao professor se apropriar de sua profissão. O autor destaca o conhecimento do conteúdo, pois entende que o professor deve conhecer muito bem o conteúdo da disciplina que ministra, o que garante certa intencionalidade em sua prática, uma vez que terá condições de selecionar, de modo adequado, os conteúdos para serem trabalhados e as conexões possíveis com outras áreas do conhecimento. Além disso, a partir do

conhecimento do conteúdo, o professor poderá selecionar metodologias, métodos, formas de ensinar o conteúdo a seus aprendizes. A partir de Shulman (2005), entendo que todo professor de Ciências necessita conhecer, não só a Ciência enquanto disciplina, mas também como formação humana, produção humana e ação humana. Dessa forma, o professor que pretende trabalhar os conteúdos científicos de forma a aprofundar conhecimentos e mostrar as responsabilidades que os alunos possuem como cidadãos necessita, além de conhecer os conteúdos, saber como aplicá-los no contexto de sala de aula para que se tornem significativos.

Com base na leitura das matrizes curriculares, percebe-se um número significativo de disciplinas específicas da área da Biologia e uma lacuna em torno de disciplinas que contemplem conhecimentos voltados para uma formação ampla e generalista do professor que atuará com a disciplina de Ciências no ensino fundamental. Nas cinco universidades pesquisadas, aqui denominadas de Universidade A, B, C, D e E, o curso da universidade B possui, em sua matriz curricular, disciplinas específicas sobre temas atinentes ao campo da formação do professor de Ciências. Entre as disciplinas arroladas, duas são obrigatórias e duas são optativas. Os cursos das universidades A, C e D não possuem disciplinas que contemplem discussões sobre o ensino e a formação do professor de Ciências. Na matriz do curso da universidade A, há seis disciplinas relacionadas à educação, ou seja, de acordo com seu nome, entende-se que serão trabalhados os conceitos e conhecimentos relacionados ao ser professor, às tarefas do professor.

Em síntese, de forma geral, as matrizes curriculares dos cursos não oferecem, em sua maioria, disciplinas que poderão ajudar na construção de conhecimentos sobre: O que significa ser professor de Ciências? Quais são as suas especificidades? Qual o perfil profissional para a formação do professor? O que é ensinar Ciências a alunos que estão descobrindo um mundo psicológico, emocional e orgânico diferente?

Ao longo do curso do qual sou egresso, experienciei momentos, fatos, relatos e acontecimentos que marcaram minha trajetória profissional. Entretanto, só pude perceber, efetivamente, as mudanças de cunho psicológico, emocional e orgânico dos alunos sobre os quais se falava no curso de graduação quando ministrei aulas, como estagiário, nos anos finais do ensino fundamental. Nessa etapa da educação básica, os alunos estão modificando seus conceitos, seus quereres, suas relações; e, por isso, o professor, se souber conduzir práticas nas quais tais mudanças são levadas a sério, proporcionando aos alunos um olhar diferente sobre a sua aprendizagem, descolada da ideia de transmissão de conteúdos (como se fosse possível transferir algo de uma pessoa para outra de forma significativa), ajudará os alunos a compreenderem que os conteúdos estão interligados às suas realidades. Tal postura, entendo eu, talvez resultará em maior sucesso para a relação de ensino e aprendizagem que se estabelece em sala de aula.

Ainda, no curso do qual sou egresso, mesmo após as reformas curriculares ocorridas em 2011, a única disciplina que contempla discussões sobre o ser professor de Ciências denomina-se Didática do Ensino de Ciências, momento no qual abordam-se aspectos sobre as peculiaridades da educação, remetendo a situações práticas do exercício docente, especialmente as que poderão ser vividas durante o período de estágio.

Outra questão pertinente é a falta de relação existente entre as disciplinas específicas (biológicas) com as pedagógicas (fundamentos e didáticas). O que se percebe é que se aprende a ser professor explorando conteúdos justapostos em dois blocos: num estão as disciplinas específicas (biológicas); noutro, as disciplinas pedagógicas. Cria-se, assim, a percepção de que o licenciando em formação “tem por obrigação” equacionar tal cisão para dar conta da complexidade do que é ser professor. Tais aspectos reiteram a fragmentação curricular que caracteriza, em geral, os desenhos curriculares dos cursos de licenciatura.

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