• Nenhum resultado encontrado

O estágio e o sujeito-instituição em formação

Por fim, está o campo do sujeito em formação, aqui considerado como uma instituição de governo e autogoverno, autocontrole e autoformação, como o lugar de subjetivação do eu-docente a partir de determinadas técnicas e tecnologias, que imprimem um modo de ser professor.

A primeira ideia destacada nos textos lidos foi a de que a prática de ensino e o estágio são momentos especiais para o processo de formação e de desenvolvimento profissional do futuro professor, pois “intermedeiam mais diretamente a transição da condição de aluno a professor”. Essa transição acontece na medida em que “mobilizam e colocam sob tensão os saberes, as crenças, as concepções, e os fazeres do professor iniciante, que foram aprendidos durante os vários anos de escolarização”. Por esse motivo, não podem ser vistas como meras instâncias de treinamento e aplicação prática de metodologias apreendidas previamente (USTRA; HERNANDES, 2010, p. 732). Ou ainda:

[...] anuncia o início da história de vida profissional escolar do docente. Essa experiência, considerada, por muitos professores, como o momento culminante da formação, representa, por um ângulo de análise, a passagem, radical em várias circunstâncias, do estado de aluno a professor, a qual aporta na experimentação de situações educativas, pela primeira vez, como docente (MENDES, 2000, p. 1-2).

Outra ideia é a de que a formação docente não se restringe à formação inicial, no curso de graduação, pois é fundamental considerar os saberes que foram mobilizados e construídos ao longo de suas

vivências. Embora esse postulado não deva servir para sustentar o pensamento de que a ação docente funcione por intuição,

pois no ensino habitam atividades intelectuais, discursivas e linguísticas [...] e é, sobretudo, na formação inicial que os saberes históricos e pedagógicos são mobilizados, problematizados, sistematizados e incorporados à experiência de construção dos saberes docentes (SILVA, 2010, p. 141).

Os modelos do ser-professor são construídos ao longo da vida, segundo Ustra e Hernandes (2010) e, portanto, devem ser consideradas as experiências e vivências desde a escolarização inicial. Tal fato pode ser apontado já na elaboração do planejamento das aulas, para o qual as crenças e as concepções que foram sendo construídas ao longo da escolarização, e mesmo a reprodução de modelos de aulas que receberam, ainda podem servir de base no momento da construção dos planos de aulas.

Como momento de formação, o estágio não pode ser visto apenas como uma função burocrática, ou como contemplação ou imitação de modelos pedagógicos, mas como espaço de refletir sobre que tipo de escola queremos e precisamos. Através de um conhecimento científico e teórico sólido, o estágio deve propiciar oportunidades

de vivenciar o cotidiano de uma escola pública e nesse momento buscar uma formação política, através de uma informação crítica, que o leve a buscar uma articulação com os seus interesses profissionais, que não permita mais a sua expropriação, nem a sua desvalorização (GUERRA, 2000, p. 5).

Ao serem indicadas a pesquisa e a análise como métodos de formação de futuros professores, tendo como objetos os processos e os contextos em que os estágios se realizam, Silva (2010) vê a possibilidade de contribuição na formação efetiva de professores pesquisadores a partir das situações de estágio, convidando e incorporando os professores da escola a participar de pesquisas junto dos que estão em formação, e ainda

junto aos professores orientadores do Estágio.

Isso remete ao “potencial observador”, destacado por Felício e Oliveira (2008) como um primeiro elemento de aprendizagem construída no Estágio, que é a capacidade de desenvolver este potencial de observar e o quanto observar de uma prática, a partir de um referencial teórico, e com um foco para essa observação, sem pré-conceitos, para encontrar na prática elementos que possam ser desveladores da ação profissional nas escolas e objetos de análises mais sistemáticas.

Para transformar o estágio em objeto de pesquisa ou para uma formação mais consistente, nos textos lidos, como já se disse, indica-se a prática reflexiva, tal como definida por Schön, D. (1997; 2000), Zeichner, K. (1993; 1997) e Nóvoa, A. (1997). Esses autores se opõem “à concepção de formação do professor prescrita pelo modelo da ‘racionalidade técnica” (MORAES, 2001, p. 4) e defendem o “professor pesquisador” e o “professor reflexivo”:

A tendência de formar o professor pesquisador ou professor reflexivo está sustentada por dois pontos básicos: um, é a comprovada ineficiência da formação do professor como técnico, o outro, a necessidade da qualificação profissional dos professores diante das novas exigências sociais (MORAES, 2001, p. 5).

Para atender estas exigências de profissionais flexíveis para as novas demandas sociais, verifica-se, em vários artigos, a decorrência do triplo movimento sugerido por Schön (1997; 2000) para a formação docente: conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação

e sobre a reflexão na ação. A prática seria a fornecedora de elementos

para uma reflexão sobre ela mesma, podendo, a partir dessa reflexão, modificá-la. O professor seria um aprendiz reflexivo perante sua prática ao olhar retrospectivamente e refletir sobre a reflexão na ação. Mesmo após a aula, o professor pode repensar o que aconteceu, o que observou, os significados das ações e ainda na eventual adoção de outros sentidos.

Como opção metodológica apresentada por Guerra (2000), a proposta de formação de professores é aquela que coloca como eixo a reflexão das práticas pedagógicas, que surgem quando o professor pensa sobre a prática que está desenvolvendo, reflete sobre ela e faz a teorização ou cria saberes. A reflexão surge como produto de um processo de trabalho árduo, que pode levar à teorização e à intervenção e modificação no processo educativo, de forma autônoma e consciente.

Ao colocar a Prática de Ensino como um dos eixos articuladores da prática reflexiva no curso de pedagogia, considerando que no Estágio Supervisionado o aluno deverá se aproximar da realidade da sala de aula ou da escola, e a partir desses dados colhidos ou observados fará uma reflexão da prática pedagógica que se efetiva na escola, estou afirmando que essa reflexão é que lhe proporcionará informações que complementem a sua formação (GUERRA, 2000, p. 8).

Com a intenção de “provar” que o estágio tem uma função primordial na formação inicial, em todas as suas fases – observação, participação, regência, avaliação, escrita de relatórios – é que aparece o pensamento de um saber experiencial, a partir do contato direto com a realidade escolar (BACCON; ARRUDA, 2010, p. 510), proporcionando mudanças, contribuições e enriquecimento às práticas pedagógicas dos alunos-mestres, compreendendo o estágio como uma das oportunidades de avaliar a própria docência (FELÍCIO; OLIVEIRA, 2008, p. 224).

Os saberes experienciais ou práticos compõem a classificação dos saberes docentes apresentados por Tardif (2002) que, entre outros saberes (saberes da formação profissional; saberes disciplinares; saberes curriculares), considera-os fundamentais na construção da competência docente. Os professores, na visão do autor, mantêm com esses saberes uma relação de intimidade que não se equivale à que mantêm com os demais saberes que estão incorporados aos currículos e às práticas docentes, a maioria das vezes definidos exteriormente a eles.

(2000, p. 14), deve buscar a melhoria da formação dos futuros professores, além de oportunizar a construção de uma visão mais crítica da realidade e de uma prática transformadora. O estágio passa a ser um espaço de construção de aprendizagens significativas no processo de formação dos professores, sendo responsável pela construção de conhecimentos e pelo fazer profissional, e isso só acontece na medida em que “as experiências vivenciadas nos Estágios sejam discutidas e teorizadas num momento destinado a essa finalidade no interior do curso de formação inicial” (SANTOS, 2005, p. 2). O conhecimento da prática não é produzido de forma estática, mas sim num complexo de organização e desorganização que se dá a partir das interações estabelecidas pelos sujeitos em seu processo de construção dos conceitos sobre sua profissão (SILVA; MACHADO, 2008, p. 13) e no reconhecimento da função e missão da escola como instituição integrante dentre os diversos segmentos que atuam em educação na sociedade (PIERRO; FONTOURA, 2009, p. 10).