• Nenhum resultado encontrado

POR UMA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL NAS PRÁTICAS DE ESTÁGIO

CURRICULAR SUPERVISIONADO

__________________________________

Maiane Liana Hatschbach Ourique Marta Cristina Cezar Pozzobon

Ao finalizar mais um semestre letivo, como professoras orientadoras de Estágio Curricular Supervisionado, do curso de Pedagogia, fica cada vez mais evidente a trajetória que compomos, enfocando o estágio como uma experiência com a prática educativa dentre tantas outras passadas pelo professor em formação ao longo da licenciatura. Neste sentido, a vigilância é constante para evitar que as indicações sobre as especificidades do campo didático e da gestão do trabalho docente abram prerrogativas para o entendimento de que haveria uma única forma de exercer a docência e de que ela seria prescrita ao longo do curso, culminando com o estágio. Mesmo assim, alguns embaraços surgem, como, por exemplo, as comparações entre as diferentes formas de orientação que os acadêmicos tiveram ao longo do curso; a insegurança destes diante da necessidade da escolha por teorias e

métodos pedagógicos que consideram mais adequados para o contexto da turma do estágio; entendimentos distorcidos ou de senso comum acerca da infância, do conhecimento, da pedagogia, da cultura, etc.

Enquanto diferentes abordagens filosóficas contemporâneas – com raízes dialéticas, hermenêuticas, fenomenológicas ou pragmatistas, por exemplo – tentam se precaver dos insultos provocados por dogmatismos, por moralismos ou por relações fechadas em causa- consequência, no campo da formação docente ainda parecem vigorar mitos sobre o discurso pedagógico, desde a esterilidade da consciência sobre o fazer à arrogância acadêmica sobre seu domínio. Na atualidade, ambas extremidades não são mais capazes de produzir implicações sobre o reconhecimento docente, seu papel ou suas tarefas, por exemplo. Interessa-nos, assim, dialogar sobre as relações tecidas nas práticas de estágio entre as intenções, as ações e os efeitos formativos provocados, a fim de mobilizar dimensões epistemológicas, éticas e estéticas, ampliando a percepção dos estagiários acerca do lugar da experiência, da cultura e da memória nos processos de formação e de educação do outro. A pergunta que tentamos responder a cada período de orientação dos estágios, assim como neste trabalho, pode ser expressa da seguinte maneira: em quais narrativas sobre a formação os estagiários abrigam-se para comporem suas imagens da educação e da docência? Em decorrência desta indagação, fica-nos o questionamento: de que forma estes alunos compreendem os testemunhos da formação feitos pelo professor formador?

Ao longo do curso de Pedagogia, por exemplo, o acadêmico ouve e estuda acerca do construtivismo piagetiano ou da metáfora freireana “educação bancária”, embora continue insistindo – discursiva e praticamente – que sua tarefa é de transmitir conhecimentos, ensinar conforme as demandas da prática, etc. Neste cenário formativo, destacamos a narrativa de um estagiário, registrada no seu relatório final (2013), ao se referir sobre a sua prática na Educação Infantil:

Espero poder ensinar com bastante sabedoria essas crianças, para que elas se tornem cidadãos de bem, críticos, que saibam respeitar e ser respeitados, mas também quero aprender muito com eles, pois na vida estamos sempre aprendendo e tudo o que se aprende é válido por toda a vida e os conhecimentos adquiridos são transmitidos de indivíduo para indivíduo, formando uma bola de neve (Estagiário 1).

Diferentes teorias e campos do conhecimento estão presentes neste depoimento – da concepção de infância e valorização da criança à abordagem dialética; do professor em contínuo processo de formação ao rompimento com a história do pensamento humano –, ora demostrando que foram estudados no curso; ora expondo a fragilidade das sínteses construídas diante do conhecimento comum sobre a ação de educar. Já ao final da licenciatura, é frequente entre os alunos posições de prevalência da ideia de “formação natural”, que valoriza, como no relato acima, a aparência externa e a expressão dos padrões naturais de comportamento (do dever em aceitar o que está posto e do direito a mudar a realidade). Esta ideia, desde o século XIX, foi superada pela noção de “formação cultural/humana” (Bildung), que incorpora a maneira nomeadamente humana de significação – a dimensão cultural – para enfocar como resultado da formação o próprio processo de evolução e aperfeiçoamento da racionalidade – e não uma habilidade técnica ou produto material.

A formação exige descentramento, experienciar aquilo que é estranho e aprender algo com isso; sobrevoar ambientes desconhecidos e perceber os perigos que existem (por exemplo, o de entender que o processo formativo é linear, aglutinador e solipsista ou que as mudanças sociais dependem exclusivamente daquelas promovidas pela educação ou pelo professor); abrir-se para ouvir outras formas de narrar o mundo e notar que os horizontes se ampliam a cada história. Gadamer (2005, p. 50) lembra que, desde Hegel, o cerne da formação não é o alheamento, mas o retorno a si, assimilando o elemento que promoveu esse descentramento. O alheamento era a elevação histórica do espírito ao seu sentido universal

e, no retorno a si mesmo, apoderando-se de toda essência objetiva. Hegel expressa esse movimento do espírito com a metáfora da coruja de Minerva, que lança seu voo ao entardecer, aguçando sua visão e audição para desvendar o que está na obscuridade, nas forças da natureza, nas leis da vida. Esta hipersensibilidade para compreender o mundo seria, para Hegel, o sentido da filosofia. Certamente, como já alertava Gadamer (2005), este modelo de pensamento absoluto, um dos marcos da virada da objetividade para a subjetividade moderna, não pode nos satisfazer, pois acredita na possibilidade de apreensão plena do real pelo pensamento.

Parece que os estagiários carecem desses exercícios de alheamento e por vezes a abertura exigida acontece de forma bastante tímida, insuficiente para provocar reflexão e experiência. Para Jorge Larrosa (2013), essa abertura envolve um triplo risco: o primeiro é de que o círculo formativo se feche precoce, renunciando covardemente aos perigos desse movimento de abertura; o segundo refere-se a abrir-se de forma astuta, sem entregar-se completamente; o terceiro alude à possibilidade do círculo permanecer aberto para sempre, perdendo a atração que puxa o sujeito para si mesmo ao mesmo tempo que também rompe com o sentido dessa abertura.

Este ensaio tem a intenção de discutir a vivência do estágio na Educação Infantil como uma possibilidade de produção da experiência da docência. Consideramos como pano de fundo a ideia de formação constituída na licenciatura e o sentido das narrativas sobre a docência, enfatizando a importância de exercitar as relações entre teoria e prática. Concordamos, pois, com o apontamento de Gadamer (2005): “Os pontos de vista universais para os quais a pessoa formada se mantém aberta não são um padrão fixo de validade, mas se apresentam apenas como pontos de vista de possíveis outros” (p. 53). Para dar conta de tal intento, problematizamos alguns excertos de práticas de estágio na Educação Infantil, a partir de Relatórios de estágio nos anos de 2013 e 2014, enfocando as formas de narrar a realidade educativa e as práticas ali

produzidas. Com esta estratégia, podemos nos aproximar dos modos que nos tornam professores.

Modos de produzir a docência: narrativas e práticas de