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CAPÍTULO II – O TERCEIRO SETOR: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO CONTEXTUALIZAÇÃO

2.4 – AS MISERICÓRDIAS EM PORTUGAL: HISTÓRIA E DADOS

Segundo Correia (1999) é difícil determinar a origem das Misericórdias, no entanto desde sempre percebemos que o progresso traz consigo novas necessidades às pessoas.

As Misericórdias são uma instituição laical e secular que apresenta o maior movimento de mobilização de leigos que mais tradição criou e atravessou os tempos, sem nunca se desatualizar. Ainda antes da instituição oficial e histórica das Misericórdias, em 1498, já em Portugal era tradicional e antigo o exercício da caridade cristã só que de uma forma rudimentar, dispersa e sem estatutos. A primeira irmandade surgiu em Lisboa, em 1498, fruto da ligação entre Frei Miguel Contreira e a Rainha D. Leonor. A Irmandade da Nossa Senhora da Misericórdia de Lisboa deu então origem à futura rede de Misericórdias. Durante estes seis séculos de existência, a ação de assistência social das SCM assenta nos pilares das já referidas Obras de Misericórdia (ponto 2.2.1.1).

As Misericórdias primam por tratar todos os seres humanos como irmãos, independentemente da sua raça, linguagem e cultura. Estas organizações foram crescendo em número pelo território português e pelo mundo, atualmente ainda encontramos algumas Misericórdias na Índia, no Japão, nos PALOP’s, em Espanha, entre outros. Foram entretando havendo tentativas de absorção estatal, no seguimento das nacionalizações da

Revolução do 25 de Abril de 1974. As Misericórdias respondem então através da criação da União das Misericórdias Portuguesas em novembro de 197639.

As Misericórdias são hoje consideradas pelo Estado associações constituídas na ordem jurídico-canónica, com o objetivo de satisfazer carências sociais e de praticar atos de culto católico, segundo os princípios da doutrina e moral cristã. O compromisso da Misericórdia tem o valor dos estatutos que regem a instituição. Neste estão definidos a denominação, a natureza, a organização e fins da instituição, as condições de admissão dos irmãos, seus direitos e obrigações, o culto e assistência espiritual, o património e regime financeiro da Misericórdia e os seus corpos gerentes. Os corpos sociais de uma Misericórdia são a Assembleia Geral, a Mesa Administrativa e o Definitório/Conselho Fiscal. Os membros dos corpos e órgãos sociais são voluntários. No que diz respeito à hierarquização organizacional, a União das Misericórdias Portuguesas é a entidade que federa todas as Misericórdias no país. Internacionalmente temos a Confederação Internacional das Misericórdias.

A UMP40 foi criada por iniciativa do Provedor da Irmandade da Misericórdia de Viseu em novembro 1976, no V Congresso Nacional das Misericórdias Portuguesas. Neste congresso concluiu-se que as Misericórdias são associações de fiéis denominadas Irmandades da Misericórdia ou Santas Casas da Misericórdia, com personalidade jurídica canónica e civil, com o fim específico de praticar obras de Misericórdia corporais e espírituais e promover o culto público a Deus, gozando de autonomia administrativa e da confiança dos seus benfeitores e beneficiando da proteção histórica da Igreja, dos Reis e do Estado. No entanto, como entidades integradas na sociedade portuguesa, as Misericórdias reconhecem que ao Estado assiste o direito de fiscalizar a sua ação assistencial e bem assim fiscalizar o cumprimento de doações, deixas e legados que não sejam exclusivamente piedosos.

Nos seus estatutos consagram no seu artigo 2º que a UMP é uma associação aprovada canonicamente que tem por fim orientar, coordenar, dinamizar e representar as Misericórdias, defendendo os seus interesses, organizando serviços de interesse comum e fomentando entre elas os princípios que formaram a base cristã da sua origem. E no seu artigo 4º são definidas as atribuições da UMP:

− Procurar manter as Santas Casas fiéis ao espírito dos seus Compromissos, sem prejuízo da atualização das suas atividades;

39 Decreto - Lei 618/75 de 11 de novembro de 1975

40 Decreto Geral para as Misericórdias publicado pela Conferência Episcopal Portuguesa em 23 de abril de 2009 e atualizado

− Estimular a prática da fraternidade cristã e da solidariedade humana, tendo sempre bem presente as exigências da técnica e os imperativos da segurança social;

− Fomentar e realizar o estudo dos problemas que interessam às atividades das Santas Casas e auxiliar estas por todos os meios ao seu alcance;

− Favorecer a criação de novas Santas Casas e pronunciar-se sobre a legalidade das Misericórdias que foram já extintas;

− Tentar resolver os diferendos que surjam nas Misericórdias ou entre elas, quando for solicitada;

− Servir de intermediário nas relações das Santas Casas com as autoridades civis e religiosas, nos casos em que as Santas Casas o desejarem;

− Representar as suas associadas, nacional e internacionalmente;

− Dar parecer sobre os Compromissos ou a sua interpretação e sobre todos os assuntos que sejam submetidos à sua apreciação.

As Misericórdias, dentro do setor não lucrativo, são uma das múltiplas dimensões que compõe esse setor, que no entanto apresentam uma característica única, a sua atuação plurissecular. Sendo nosso objetivo geral testar o modelo já testado nas organizações lucrativas nas OSFL, escolhemos as Misericórdias por várias razões, entre elas e citando o Presidente da UMP, Dr. Manuel de Lemos:

As Misericórdias Portuguesas sobreviveram, ao longo de mais de quinhentos anos, porque sempre souberam preparar o futuro. Estão a fazê-lo agora como o fizeram, em 1498. Orgulhamo-nos do nosso passado, mas vivemos no presente a preparar o futuro. Por isso somos cruciais e somos inovadores.

X Congresso das Misericórdias Portuguesas, 18 de junho de 2011

Segundo os dados da Conta Satélite da Economia Social (2013) em 2010 existiam 381 Misericórdias em Portugal sendo a ação social a atividade que registava o maior número de Misericórdias e um maior peso no valor acrescentado bruto [VAB]. O mesmo estudo constatou que estas organizações apresentaram necessidades de financiamento na ordem dos 45,8 milhões de euros e os recursos estimaram-se em 1.203,2 milhões de euros, oriundos na sua maioria da produção e das transferências / subsídios. A nível das despesas estas totalizaram cerca de 1.249 milhões de euros, sendo as despesas com remunerações a principal despesa, seguida das transferências sociais. Em termos de emprego, constatamos

que as Misericórdias são responsáveis por cerca de 1% na distribuição do emprego remunerado na economia portuguesa e o VAB gerado por estas foi de cerca de 0,3%.

O Estado reconhece a estas organizações o estatuto de instituições de utilidade pública, que atua em colaboração e complementaridade. Assim, existem entre as Misericórdias e o Estado os denominados Acordos de Cooperação. Neste sentido, as Misericórdias são organizações que gozam de total autonomia, a relação de apoio e complementaridade à função do Estado deve assentar na boa fé.

2.5 – SÍNTESE

Ao longo do capítulo abordamos os conceitos e fizemos a contextualização do setor onde estão inseridas as organizações que vão servir de base ao nosso estudo. Começamos por descrever as origens do terceiro setor e suas características, passando depois para os vários conceitos teóricos do terceiro setor e finalizamos caracterizando o setor em Portugal e identificando as suas forças e fraquezas.

O termo terceiro setor surge pela primeira vez em 1979 (Defourny, 2001, 2003) e desde então tem tido uma utilização crescente. Não obstante, pela revisão de literatura verificamos que existe uma grande dificuldade relativamente à identificação de uma designação comum para estas organizações (Carvalho, 2004). Esta dificuldade advém do facto que este setor integra um conjunto heterogéneo e difuso de organizações e existe uma multiplicidade de formas e áreas de atuação. Existem, no entanto, algumas organizações que se sobressaem, nomeadamente as Instituições Particulares de Solidariedade Social, as Misericórdias e as Cooperativas (CERCIS).

Adotamos ao longo deste estudo a designação de terceiro setor (representado pelas organizações não lucrativas) em oposição ao primeiro setor o Estado (representado pela Administração Pública) e ao segundo setor o Mercado (representado pelas empresas com finalidade lucrativa, responsáveis pela produção e comercialização de bens e serviços).

Estas organizações apresentam uma série de características comuns (Àvila & Monzón, 2001; Ferreira, 2004; Salamon & Anheier, 1998; Salamon et al., 2003; Soldevila & Oliveiras, 2000):

− Privadas, na medida em que são institucionalmente separadas do Estado; − Formais, pois terão sempre alguma forma institucional;

− O lucro não é o seu objetivo primordial, sendo o serviço à comunidade ou a grupos a sua missão;

− Voluntárias, pois envolvem a participação voluntária nas atividades da organização ou na sua gestão;

− Autónomas, na medida em que são criadas a partir da livre iniciativa da sociedade civil e a sua gestão não depende do Estado;

− Tem como valores a solidariedade

− Têm uma atividade contínua de produção de bens ou prestação de serviços, ou seja, são inseridas na economia;

− Estas organizações apresentam um elevado risco económico;

− Apresentam uma quantidade mínima de trabalho, podendo associar o trabalho voluntário com o trabalho assalariado.

As OSFL desenvolvem as suas atividades dentro da área da economia social que apresenta dimensões e identidades legais e jurídicas muito díspares de país para país. Em Portugal estas organizações assumem uma variedade de formas legais como associações, fundações, Misericórdias, entre outras (Franco, 2005).

Em Portugal é um setor vasto cuja contribuição para o desenvolvimento social, económico e político é pouco conhecido, e o seu potencial amplamente subvalorizado. Caracteriza-se por ser heterogéneo, estando presente em múltiplas áreas de atividade, sendo os serviços de ação e solidariedade social a principal atividade económica, representando cerca de 41% do valor acrescentado bruto do terceiro setor.

Em 2010, este setor representava cerca de 3% do PIB e 5,5% do emprego remunerado e cerca de 5% do emprego total. Era constituído por cerca de 55.383 organizações repartidas pelas diversas áreas, sendo a área da cultura, desporto e lazer aquela que detinha um maior número (cerca de 50%), seguida dos cultos e congregações (cerca de 16%). As atividades com menor representatividade são as ligadas a atividades de transformação, a agricultura, silvicultura e pescas (cerca de 1%) e as atividades financeiras (0,2%). Estas organizações mobilizaram cerca de € 14.18 mil milhões em recursos, provenientes da produção (63%), transferências e subsídios (24%) e rendimentos de propriedade (10%) (dados da Conta Satélite para a Economia Social, INE).

Constata-se que o terceiro setor, com a crise do Estado Providência, cresce e fortalece-se, com o aumento das necessidades sociais e como contra-argumento às políticas neoliberais (ECOTEC, 2001; Jacob, 2001). No entanto, estas organizações apresentam alguns problemas, tais como problemas de liderança, de gestão dos recursos humanos, de gestão

financeira, de gestão estratégica, entre outros(Baptista & Cristovão, 2004). Por esta análise observamos que merece destaque as questões relacionadas com a gestão destas organizações.

Finalizada a explanação dos conceitos e contextualização do terceiro setor, onde se inserem as organizações do presente estudo, é altura de explicitar as caracteristicas da gestão das OSFL e abordar os conceitos fundamentais, como a orientação para o mercado, aprendizagem organizacional, inovação e desempenho.

MERCADO

SOCIAL,

INOVAÇÃO,

APRENDIZAGEM

E