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As mudanças de perspectivas sobre a expressividade dos pianistas

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO I

3.2 As interpretações da obra Estrela Brilhante de Ronaldo Miranda

3.2.4 As mudanças de perspectivas sobre a expressividade dos pianistas

No segundo encontro com o grupo focal houve discussão sobre os estilos de perceber e exprimir suas ideias durante os diálogos. Ao discordarem entre eles sobre as mudanças de caráter percebidas na interpretação do Pianista A, eles passaram a discutir sobre o modo como cada um percebia a música.

Eu não concordei com o GF-O2 quando ele falou das mudanças de caráter porque eu não senti. Ou senti muito pouco (GF-O1).

Eu falei justamente que não senti essas mudanças. Eu senti alguns contrastes só (GF-O2).

A partir daí, GF-O2 aproveitou para destacar que não concordava com a maneira que o GF-O1 apresentou seus pontos na discussão, afirmando que em sua fala, ele prescrevia o que deveria ser feito ou o que gostaria de ouvir na música.

Mas eu não concordei com você (GF-O1), o fato, por exemplo, de você falar a sua percepção e ter que prescrever como teria que ser aquela coisa. Eu até entendo que naquela ideia você construiria daquele jeito porque faria soar. Mas eu acho que são dois tipos de visões diferentes. Por exemplo, falar que tem que fazer um diminuendo pra conseguir alguma coisa (GF-O2).

Mas não ficaria sem resposta?! Assim tá certo, assim tá errado. Ficaria algo sem resposta do tipo: mas e agora, será que ele quer mais ou menos? (GF-O1).

Então, eu não sei. É diferente você olhar e falar... do que prescrever as coisas...( GF-O2).

Neste instante da discussão, GF-O3 afirmou que existia uma diferença entre falar o que deve ser feito e o que poderia ser feito ou como queria escutar determinada interpretação:

Eu não sei. O que GF-O2 quer dizer é que tem diferença entre você falar o que acha e você falar o que tem que ser feito. Uma coisa é falar minha opinião. Outra é: como querer fazer do mesmo jeito que eu faria. (GF-O3).

Não que eu acho que não é válido, mas eu acho que essa pode ser também uma ideia diferente que eu tenho de expressão da dele [Pianista] (GF-O2).

É, porque tem coisas que eu penso: isso eu não faria, mas eu compro o CD (GF-O3).

É que são dois tipos diferentes de escuta também. O GF-O1 deve ouvir e pensar em como quer ouvir. Eu, quando ouço... não sei, eu ouço tipo: “a tá...” Eu só assimilo, não fico pensando. (GF-O2).

É, eu ouço pensando e esperando. Eu crio expectativas. (GF-O1).

Como o participante GF-O2 teve dificuldades para explicar sua maneira de perceber e avaliar os tipos de interpretações que escutava, tentou explicar sua maneira de pensar relacionando música com narrativa e linguagem.

Parece que eu sempre olho a música mais ou menos como uma narrativa. De eu entender o que ela está falando. Nada a ver com história. A linguagem da primeira interpretação que escutamos hoje [Pianista B], ela parecia mais clara e eu meio que entendi o que ela quis dizer do começo ao fim. Agora, a outra, eu meio que fico perdida. Talvez é a escolha pessoal da pessoa. Mas eu gosto quando eu entendo as coisas. Mais do que a questão de... a pessoa prefere a questão do ímpeto e tal e vão só por isso. Mas às vezes fica muito confuso pra quem está ouvindo. Serve até de lição pra

mim, por exemplo, que tenho mania de atropelar as coisas. A gente parar pra pensar em como estamos tocando e em como estamos ouvindo aquilo. Acho que a gente tem que parar pra ouvir se aquilo está claro. Se está claro como a gente acha ou não. Ou se está uma bagunça... isso até ajuda. Nessa interpretação fica mais claro (GF- O2).

Os três participantes concordaram que a interpretação do Pianista B foi mais explicativa e que, após a audição dela, até a interpretação do Pianista A ficou mais clara para ser entendida por eles.

Foi aquilo que o GF-O1 falou: “agora a gente entendeu” [após escutar as duas gravações]. Porque a gente agora escutou uma outra versão mais lenta, mais tranquila [Pianista B]. Antes a gente não tinha referência. Essa segunda tem gingado, contratempo, né? (GF-O3).

GF-O1 acrescentou que além de a interpretação do Pianista B soar explicativa em função do andamento mais lento, outra razão para que essa interpretação fosse melhor entendida, foi que a gravação desse pianista envolveu elementos como articulação e ritmo de maneira mais clara.

(...) agora eu lembrei de coisas que eu já ouvi... Um exemplo: eu tinha uma gravação que eu sempre ouvia do scherzo n. 1 de Chopin. E era aquela emboleira de notas no início e eu ficava “nossa, que demais”. Mas eu não entendia nada. Mas pra mim aquilo soava assim... maravilhosamente bem. Quando um dia eu quis tocar... quando eu peguei pra ver as notas bem lentamente... eu falei “é isso?” E aí todas as vezes que eu ouvia essa peça eu já ouvia entendendo tudo. Não que antes não soasse bem... mas eu não entendia. Depois que eu peguei pra ler e entendi o tempo de cada coisa. É. O bagunçado sai e aí “entendi, foi uma escolha”. Mas antes essa gravação soou bagunçada [Pianista A]. É que a gente não tinha... referência. Essa clareza pra mim tem tudo a ver com o andamento e ritmo. Questão de articulação, pausas: o que é ligado, o que é staccato, onde tem pausa. Entender as síncopes, contratempo. Pra gente perceber o gingadinho. Porque o gingado nunca é nos tempos fortes. É sempre uma coisa mais... contratempo [canta]. Então, essa segunda gravação [Pianista B], ela mostra isso. A outra, na interpretação, está tão preocupada com a velocidade... que ele puxou que ele se perde [Pianista A]. A gente não percebe mais os

marcattos de uma e outra nota. Todas notas soam fortes. Não

consegui ver staccato... parece que está tudo meio ligado. Porque está tão rápido de uma nota pra outra... e pausa, a gente não ouve pausa. Ouve... mas comparando, né... (GF-O1).