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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO I

3.2 As interpretações da obra Estrela Brilhante de Ronaldo Miranda

3.2.1 Considerações sobre o Pianista A

Em um primeiro encontro com o grupo focal envolvendo os participantes, aqui denominados GF-O1, GF-O2 e GF-O3, foi escutado e discutido a gravação do Pianista A. Sobre esta interpretação, os ouvintes dialogaram sobre suas ideias em relação aos pontos fortes em termos de expressividade percebidos após a primeira audição.

O maior forte da interpretação foi em termos de articulação. Ele consegue realmente fazer uma estrelinha. (...) Ele consegue tirar um timbre que é bem espertinho e é um toque bem rapidinho e de uma nota pra outra (...) você consegue ouvir tudo muito clarinho. E tudo muito brilhante (...).Eu gostei muito da variação de dinâmica que ele faz em alguns momentos... por exemplo, numa subidinha em que ele chega, faz a estrelinha e depois volta pra Terra. Ele consegue prender a atenção quando ele faz essa subida e essa descida (GF- O1).

Eu achei que teve bastante contrastes em alguns momentos (...) Teve questões de sonoridade que eu achei legal também (GF-O2).

Eu gostei do vigor dele. (...) Eu gostei do cantábile, ficou legal. Parece que ele separou as linhas que ele queria fazer (GF-O3).

Questões relativas ao parâmetro to timbre foram comuns em duas das falas (GF-O1 e GF-O2). Vale ressaltar que GF-O1 era o único dos três participantes que já conhecia a peça. E talvez por isso ele tenha feito mais comentários do que os outros nesse primeiro momento. Os participantes GF-O1 e GF-O2 referiram-se a recursos de expressividade, ou seja, articulação, timbre, dinâmica, clareza, assim como contraste sonoro e sonoridade. GF-O3 trouxe sua impressão pessoal sobre a maneira do intérprete se expressar, o vigor, como um dos recursos de interpretação que este pianista utiliza. Entretanto, outro aspecto observado nas falas acima, é que todos ainda estão falando de uma forma genérica.

Outro aspecto trazido a tona no encontro com o grupo focal e que parece estar ligado à uma impressão pessoal foi a tenacidade percebida na interpretação do Pianista A: “O bom é que o pianista tem dedos rápidos que fazem tudo o que ele quer. E sem medo” (GF-O1); “Parece que ele não tem medo de fazer os fortes” GF- O2),

Esses comentários dos participantes GF-O1 e GF-O2 tem certa ligação com a percepção de vigor apontada anteriormente por GF-O3. Assim, parece que os três participantes identificaram, somente através da audição da performance, uma qualidade expressiva do intérprete, referente à ‘não ter medo’, revelando de certo modo um entusiasmo e mesmo vitalidade na maneira de tocar do Pianista A ao se expressar. Assim, a expressividade parece começar a manifestar-se aqui como uma junção das escolhas interpretativas com a identidade percebida do músico no momento de se expressar.

Outro ponto abordado foi em relação ao andamento e ao timing escolhido pelo Pianista A. Na primeira audição, o participante (GF-O1) salientou:

(...) o andamento, eu achei muito rápido. E nesse muito rápido a gente perde o dançante e o malemolente. Totalmente. Eu achei muito desesperado. Ás vezes ele acelerava. Já começou rápido e ainda acelerava. Assim você perde totalmente o caráter que a obra pede no início. (GF-O1).

Teve alguns momentos em que ele muda de caráter que eu senti que faltou um pouco de tempo pra pensar no que vem depois. Meio que ‘mudei abruptamente o caráter’. Mas não preparou para aquilo acontecer. (GF-O2).

Achei que ele precisava ter tomado um pouquinho mais de tempo.Dá pra ver que tá desesperado agora na segunda vez... é o ímpeto! (GF- O3).

A escolha do andamento rápido não foi bem recebida por estes três ouvintes, pois para eles este aspecto não favoreceu a questão do timing em relação às mudanças de caráter e a preparação dos segmentos para a realização do fraseado.

O Pianista A, em entrevista realizada anteriormente as coletas de dados com o grupos focal, não comentou positivamente ou negativamente sobre o andamento rápido escolhido para a interpretação, dando a entender que de fato estava de acordo com a velocidade escolhida para esta interpretação. Foi decidido não perguntar diretamente se o pianista ainda concordava com o andamento escolhido na época do recital para não induzirmos alguma resposta. No entanto, o Pianista A abordou a questão do timing e apontou que ao ouvir sua própria gravação também alegou que deveria ter tomado mais tempo entre as frases e durante seções mais fortes:

(...) hoje sei que precisava tomar mais tempo, ter mais liberdade com algumas coisas. Eu acho que poderia ter essa manipulação das coisas do tempo, de ter mais controle do tempo... Mas eu poderia ter controlado melhor o tempo, que era uma coisa que passava pela minha sensação... para mim eu estava fazendo. Então eu acho que eu poderia ter aproveitado mais o tempo para mostrar cada coisa: “aqui é uma seção. Aqui acabou uma frase e começa outra”. Ter esse tempo para dar tempo para as coisas acontecerem. E até para eu me acalmar, mas também: é uma dança. Mas a peça saiu definida, talvez pudesse ter sido bem mais polida nesses detalhes, principalmente de tempo, como eu falei, mas ela aconteceu e estava compreensível. (...) E eu acho que eu poderia ter aproveitado mais essa mudança de métrica para resaltar mais essa preocupação rítmica que eu tive com a peça (E1: Pianista A).

O Pianista A afirmou que a flexibilidade do timing é um aspecto que ele vem trabalhando desde antes do recital em que sua interpretação de Estrela Brilhante foi gravada. No entanto, ele afirmou na entrevista que essa questão ainda não havia sido totalmente compreendida na época desta interpretação:

Quando eu entrei no mestrado a questão do tempo era uma coisa a ser trabalhada.... e ainda hoje é uma coisa que trabalho bastante. Dar tempo para as coisas acontecerem. Eu sabia que ficava ansiosa pra tocar, mas pra mim eu estava fazendo... Aquela ansiedade de começar... eu acho que tem uma manipulação de tempo que vem com

a escuta, mas também com a maturidade de você se habituar a fazer aquilo. Porque, às vezes, o nosso tempo, a nossa percepção é de que acabou... (...) Mas é uma coisa que na época eu estava começando a trabalhar, não estava assim tão firme, não foi uma coisa que eu estava tão consciente (E1: Pianista A).

No entanto, o andamento escolhido pode também estar ligado a questão do ímpeto, abordada pelos participantes. Pois quando foi arguido sobre qual das gravações apresentou melhor o caráter da obra, esse aspecto foi apontado como uma característica favorável pelo GF-O3 em relação ao caráter da obra interpretada por A:

Eu gosto da interpretação de mais ímpeto. Porque ainda tem umas partes de lirismo. O outro está tudo muito lírico e daí não tem essa coisa mais de ímpeto do negócio (GF-O3)

Interessante observar que durante as falas dos participantes, não houve somente pontos positivos ressaltados em termos de modos de expressão. A expressividade do Pianista A pode estar na clareza de sua forma de expressão, na sua articulação, no ímpeto, em algumas variações de dinâmicas (por exemplo, na gradação de piano para forte), alguns contrastes, separação das linhas, cantábile, timbre, em sua sonoridade em termos de grandiosidade e em seu vigor. Por outro lado, seu modo de se expressar nessa peça e momento gravado, também revelou problemas com a escolha do andamento, com ajustes de timing (falta de tempo para preparar as frases), na questão temporal da projeção das ideias (as vezes muito marcado e outras pouco saliente, ou seja, nas palavras de GF-O1: “o ritmo falta no início e sobra na parte cantábile”. Por conta do andamento escolhido, na opinião dos pianistas ouvintes, houve dificuldade na expressão de nuances rítmicas, na caracterização do aspecto dançado, na carência do gingado.