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Com relação à presença dos pares, um ponto a ser ressaltado é que as relações interpessoais que os universitários desenvolvem nos anos de graduação não são fixas, mas modificam-se ao longo dos anos de formação.

Kuh (1996) destaca que durante a graduação os estudantes vivenciam um conjunto de mudanças pessoais que foram agrupadas, através de uma análise fatorial, em cinco domínios. Dentre esses domínios, os estudantes relataram modificações na competência interpessoal, que inclui a categoria competência social composta pela capacidade de estabelecer intimidade, de trabalhar com outros e com equipe. Além disso, um agrupamento considerável de experiências, como as atividades de liderança, o contato com os pares, contato com professores, as atividades de trabalho, as atividades acadêmicas, além de viagens, foram vivências universitárias associadas com modificações no domínio da competência interpessoal. Isso sugere que elementos do contexto social, em interação com os aspectos particulares dos estudantes, contribuem para mudanças na capacidade de se relacionar com os outros.

Utilizando-se a mesma taxonomia de resposta de Kuh (1995, 1996), uma análise sobre as principais mudanças pessoais vivenciadas pelos universitários é feita por Fior (2003), que identifica as alterações na categoria competência social, o que inclui ainda considerar as mudanças nos relacionamentos interpessoais e nas habilidades de convívio social, como a diminuição na timidez, a seletividade nos relacionamentos e a possibilidade de estabelecimento de relações íntimas com o outro, alterações que foram destacadas. Tais dados fornecem subsídios à hipótese de que as interações que os estudantes estabelecem com seus pares se transformam ao longo da graduação.

Já a partir de um enfoque desenvolvimentista, em um estudo que analisou as experiências dos estudantes no final da graduação, Oliveira (2003) destaca que os universitários percebem uma mudança intensa nos relacionamentos interpessoais com os

colegas, quando comparados o início e o final da graduação. Segundo relato de estudantes matriculados em uma universidade pública, as relações do calouro caracterizam-se por envolverem um número maior de estudantes devido, principalmente, à riqueza de oportunidades e pela diversidade proporcionada pelo contexto universitário. Com o decorrer dos anos de graduação, a ampliação nos relacionamentos descritos no início do curso modifica-se, passando o estudante a vivenciar um ¨aprofundamento qualitativo das amizades¨

(p. 28). Os relacionamentos tornam-se mais seletivos, sendo que os alunos passam a interagir

com pessoas que possuem valores e filosofias de vida semelhantes aos seus.

As mudanças nos relacionamentos interpessoais vivenciadas pelos estudantes encontram suporte nos estudos sobre o desenvolvimento do universitário, particularmente através dos referenciais teóricos elaborado por Chickering sobre o desenvolvimento psicossocial do estudante, especificamente sobre a identidade. Tal autor elaborou uma teoria particular para a faixa etária do jovem adulto, levando em consideração que a freqüência ao Ensino Superior é um período de desenvolvimento próprio que tem como meta fundamental o desenvolvimento da identidade (CHICKERING e REISSER, 1993). Com base nos princípios elaborados por Erikson, o autor entende que o desenvolvimento ocorre em uma seqüência cronológica de estágios, cada qual com exigências e necessidades específicas. Também sob influência de Sanford, Chickering recorre aos conceitos de desafio e integração. Com isso, Chickering reconhece que o ambiente universitário é um constante desafio ao estudante, com função de fornecer suporte ao seu desenvolvimento. Para este autor, o desenvolvimento da identidade, portanto, não é algo espontâneo, mas influenciado, singularmente, pelas modificações ocorridas nos aspectos psicológicos e biológicos e pela riqueza dos contextos e vivências universitárias, incluindo as práticas pedagógicas, os currículos e a cultura estudantil (FERREIRA, MEDEIROS e PINHEIRO, 1997).

Chickering concebe o desenvolvimento como ocorrendo em uma ordem de sete vetores. O autor prefere tal denominação à fase ou estágio, pela ênfase nas questões de direção e magnitude, características do termo vetor. A ordem inicial dos vetores foi elaborada em 1969 e, em 1993, a seqüência estrutural foi modificada, a fim de ajustar a disposição à realidade dos estudantes universitários. Os sete vetores, já com as modificações de 1993 são: desenvolver um sentido de competência; administrar as emoções; desenvolver a autonomia e direção à interdependência; estabelecer relações interpessoais maduras; constituir a identidade; desenvolver um propósito de vida e, finalmente, desenvolver a integridade. Com relação à seqüência dos vetores Ferreira, Medeiros e Pinheiro (1997), através de uma análise sobre a teoria de Chickering, acrescentam que o enfrentamento das exigências de

desenvolvimento próprias a cada vetor criam condições para a resolução das tarefas seguintes, características de outro vetor. Essa dinâmica no funcionamento dos vetores faz parte do processo de desenvolvimento psicossocial de qualquer indivíduo. Contudo, as características do desenvolvimento assumem uma função máxima quando o indivíduo freqüenta o ensino superior. Isso se deve, principalmente, pela riqueza dos contextos, relacionados ao meio universitário. A seguir, cada um dos vetores será melhor detalhado.

O vetor desenvolvimento de um sentido de competência refere-se a três esferas inter- relacionadas, nomeadas de competência cognitiva, destreza física e manual e competência interpessoal. A competência cognitiva é uma das esferas mais estudadas no que diz respeito ao universitário e, pela teoria de Chickering, aborda um aumento nas medidas de conhecimentos gerais e específicos, inteligência geral, pensamento crítico, capacidade de identificação e definição de problemas, de síntese e de integração de diferentes informações, incluindo a ação criativa. De acordo com o autor, a ampliação na competência cognitiva pode ser observada em todos os estudantes, independente do nível de desenvolvimento cognitivo já apresentado no ingresso à universidade. As competências físicas e manuais dizem respeito ao desenvolvimento de habilidades nos próprios aspectos corpóreos e motores do indivíduo. De acordo com Ferreira, Medeiros e Pinheiro (1997) tais competências estão relacionadas à auto- avaliação, confiança, realizações e objetivos de vida. Contudo, os mesmos autores destacam a escassez de estudos sobre tal capacidade no ensino superior. A última competência diz respeito à esfera interpessoal, sob a qual Chickering atribui grande importância, visto que a maior parte das tarefas universitárias requer trabalho de cooperação, além do que, o ingresso no ensino superior representa, para alguns estudantes, uma separação física do meio familiar. Neste cenário, as competências interpessoais tornam-se importantes para o estabelecimento de novos laços afetivos entre os estudantes.

Com relação a este primeiro vetor, dois pontos merecem ressalvas. Um primeiro aspecto recai sobre as competências iniciais que compõem o primeiro vetor que são indispensáveis e preparatórias para o desenvolvimento dos outros vetores. Também merece destaque o apontamento de Ferreira, Medeiros e Pinheiro (1997, p.147), do fato de que o resultado no desenvolvimento de um sentido de competência varia em função de outras variáveis que se relacionam ao sistema ecológico do estudante do ensino superior,

nomeadamente a instituição e a sua organização, a variação curricular, os interesses pessoais, as características dos alunos e até mesmo a cultura estudantil. Com isso, constata-

se que o desenvolvimento de tais vetores não ocorre de maneira espontânea, mas é fruto da interação dos estudantes com os ambientes nos quais estão inseridos.

O segundo vetor denomina-se administrar as emoções e implica que o universitário desenvolva consciência sobre suas emoções e, também, consiga integrá-las, resultando em uma maior expressividade e flexibilidade das emoções. Isso significa ser capaz de lidar com emoções e sentimentos, sem a gestão de regras morais rígidas.

O terceiro vetor denomina-se desenvolver a autonomia em direção à interdependência e refere-se à segurança, estabilidade, independência emocional e instrumental. Segundo Chickering e Reisser (1993), uma das principais características deste vetor está no desenvolvimento da capacidade de ser livre de necessidades contínuas e urgentes de segurança, afeto e aprovação. A saída do ambiente familiar, a liberação das exigências e restrições impostas pelos pais gera, inicialmente, uma instabilidade no estudante que, com o tempo, é substituída por um progresso na sua autonomia (FERREIRA, MEDEIROS e PINHEIRO, 1997). Esses mesmos autores pontuam que, inicialmente, a separação dos pais faz com que os sentimentos de confiança sejam transferidos para o grupo de pares. Posteriormente, o indivíduo vai sendo capaz de suprir a necessidade de suporte com base nos seus próprios pensamentos, percepções e valores. Isso coincide, também, com a independência instrumental, que refere-se à implementação das próprias atividades, visando a satisfazer as necessidades e desejos, sem a necessidade de um suporte de maneira tão sistemática.

O quarto vetor, denominado por relacionamentos interpessoais maduros, implica no aprimoramento na tolerância, respeito e aceitação pelas diferenças individuais. Além disso, inclui a capacidade do indivíduo estabelecer relações interpessoais mais íntimas e mais intensas. Com relação a este último aspecto, engloba alteração nas relações de dependência, em direção à interdependência. Com isso, os estudantes passam a atuar de maneira mais interativa nas suas relações, não estando exclusivamente na dependência de opiniões e atitudes de outros, mas sendo capaz de negociar e interagir de maneira mais dinâmica com os demais. Isso permite modificar as relações, inclusive fazendo com que as mesmas tornem-se mais amigáveis e calorosas. Outro aspecto destacado neste vetor, como já descrito, é o desenvolvimento da tolerância, que é a capacidade de resistir ao desconforto causado pelas interações sociais. A tolerância tem seu desenvolvimento pautado por uma resistência do indivíduo diante de diversas situações, como também, pelo aprimoramento na capacidade de se relacionar com outros, levando-se em consideração o respeito às diferenças. Isso possibilita uma maior aceitação à diversidade, como também, uma maior satisfação com as interações.

Ainda com relação às relações interpessoais, o período de freqüência universitária, ao

amizades se fortaleçam (FERREIRA, MEDEIROS e PINHEIRO, 1997, p.152). É provável

que isso ocorra porque as amizades são relações de intimidade que os estudantes estabelecem com seus pares. Certamente, as amizades acompanham a vida social de todos os indivíduos, mas também assumem características distintas ao longo da vida. Chickering destaca que a partir do desenvolvimento deste vetor específico sobre as relações interpessoais, as amizades que os estudantes estabelecem poderão se aprofundar e ser mantidas por um longo período da vida, sem a necessidade de um contato diário. Com isso, entende-se o fato de o estudante, ao se aproximar dos anos finais da graduação, preferir passar um tempo maior com amigos, e rejeitando os grandes e variados grupos, como destacado por Oliveira (2003).

O quinto vetor, chamado de estabelecimento da identidade, caracteriza-se por um desenvolvimento que acontece em direção a uma maior complexidade na maneira com a qual o indivíduo interage com o meio social, decorrente das estimulações do ambiente e aos desafios inerentes ao ensino superior. De acordo com Chickering, o desenvolvimento deste vetor depende, essencialmente, do aprimoramento dos quatro vetores anteriores, visto que a identidade refere-se aquilo que a pessoa sente que é, incluindo sua imagem, sentimentos, entre outros aspectos. Isso, certamente depende de uma sólida consciência de si, obtida através dos vetores anteriores.

O penúltimo vetor, denominado de desenvolver um propósito de vida, diz respeito à resolução do dilema que permeia a vida dos jovens: qual caminho seguir. Chickering destaca que o desenvolvimento deste vetor implica uma resolução sobre qual direção devem seguir em relação a três aspectos: interesses não vocacionais e recreativos; projetos e aspirações vocacionais e considerações acerca do estilo de vida. Em síntese, quando desenvolvem este vetor, os estudantes passam a se tornar capazes de formular planos de ação e estabelecer prioridades.

Finalmente, o último vetor refere-se ao desenvolvimento da integridade e implica em aumentar a capacidade de compreender a relatividade dos valores, para integrar um conjunto de valores pessoais que sirva de orientação para seus comportamentos futuros. A integridade envolve a humanização e personalização dos valores, e o desenvolvimento da congruência entre os seus valores, crenças e comportamentos. Em síntese, a integridade possibilita ao indivíduo ser capaz de conhecer seu conjunto de crenças e valores, tornando-as claras e consistentes e que orientem os comportamentos futuros do estudante.

No geral, observa-se que a teoria sobre o desenvolvimento psicossocial elaborada por Chickering é consistente, sendo capaz de descrever as diversas mudanças pelos quais o universitário passa durante os anos de graduação e, ainda compreender as diferenças entre os

alunos que freqüentam os anos iniciais do ensino superior com os alunos matriculados nos períodos finais. Ferreira, Medeiros e Pinheiro (1997), reafirmando colocações de Chickering, destacam que nos dois primeiros anos de universidade, há uma preocupação maior dos estudantes com as tarefas relativas aos três primeiros vetores. Já as tarefas relativas aos últimos quatro vetores, incluindo o desenvolver as relações interpessoais, são freqüentemente encontradas nos estudantes que freqüentavam os últimos anos da universidade.

Porém, conforme destacado por Widick, Parker e Knefelkamp (1978 apud Ferreira, Medeiros e Pinheiro, 1997), uma das críticas mais pontuais à teoria é a falta de especificação sobre comportamentos e atitudes que definem cada vetor do desenvolvimento. Isso se deve, principalmente, pela característica da obra referente à teoria, Education and Identity, composta por uma mescla de relatos teóricos e empíricos, associado à metáforas e depoimentos e, também, limitada às próprias concepções do autor, pela falta de especificidade e imprecisão (FERREIRA, MEDEIROS e PINHEIRO, 1997).

Outra crítica ao referencial teórico de Chickering relaciona-se ao fato de que, por se tratar de uma teoria desenvolvimentista, o sentido e a ordem das mudanças já estão predeterminados. Considerando que tanto o contexto universitário como o próprio estudante são dinâmicos, as mudanças decorrentes de tais interações podem não envolver um sentido predefinido, mas, ao contrário, apresentar direções opostas, mesclando tanto progressões em algumas habilidades como, também, regressões em outras.

Assim, o referencial teórico elaborado por Chickering serve de inspiração para o presente trabalho, principalmente pelo destaque nas modificações nas relações interpessoais. Mas este estudo não almeja confirmar o sentido das mudanças das relações interpessoais, conforme descritas por Chickering. Ao contrário disso, abre possibilidades para ampliar a compreensão das mudanças, nas interações com os pares, vivenciadas pelos universitários.

Na seqüência serão apresentadas as bases teóricas que fornecem embasamento ao problema de pesquisa apresentado, lembrando que os objetivos do presente trabalho não se limitam a uma análise exclusiva das mudanças nas interações sociais estabelecidas pelos universitários com os seus pares, mas tem como foco o impacto que possa ter as transformações das interações no envolvimento acadêmico do estudante.