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As mudanças nas organizações locais de origem

A ExPAnsãO dAs OCUPAçõEs Em vIstA ALEgrE:

4.4 As mudanças nas organizações locais de origem

Findada a gestão Pitta e todas as restrições que essa havia significado, a recuperação possível para a organização coletiva na região, parecia fazer sentido com o início da gestão Marta Su- plicy (2001-04). Seria a oportunidade da revalorização das conquistas do passado e do avan- ço das demandas existentes. No entanto, no plano local, a conjuntura política de coalizões exercitada pelo executivo municipal na região da Freguesia do Ó e Brasilândia não propiciou essa oportunidade.

Além disso, a articulação e pressão de movimentos importantes à época, como os de moradia, anteriormente citados, ampliavam suas agendas de reivindicações, focalizadas cada vez mais nas regiões centrais do município. Nesse caso, agregando escopo e situação de luta de imediato menos aderente às necessidades do movimento local. De forma amplamente articulada no Município de São Paulo, as reivindicações por moradia tornavam-se robustas e, sobretudo, pareciam passar por uma reconceituação, ampliando a luta por moradia nas peri- ferias, ao direito à cidade191. Mas, sobretudo, essas articulações representavam a participação de movimentos e de disputas das mais variadas regiões da periferia. Especificamente nossa região de estudo não havia viabilizado sua presença e representação nessas organizações, muito embora mantivessem sua capacidade de articulação local.

Pode-se dizer que, na região, tanto a luta comunitária perdia sua base territorial diante das articulações por parte do executivo municipal, na gestão Marta Suplicy, quanto sofria com pressões e disputas de uma agenda de demandas sociais mais amplamente arti- culada, como no caso do movimento por moradia. Tema presente, desde sempre, entre as necessidades na região, mas tratado sob a forma de demandas locais ou regionais.

Muito embora, uma de nossas lideranças entrevistadas reconheça melhorias na região, a partir da gestão Marta (2001-2004), não considera possível dizer que houve a reto- mada da participação popular com poder de mobilização e legitimidade. Essa mesma posição é compartilhada por outra liderança ligada à Igreja – não mais ativa – e, ainda, pelo editor 191 Os Movimentos por moradia, como a UMM passam a demandar o direito da moradia em áreas já urbanizadas, voltando-se, sobretudo para os prédios – parte deles abandonados – no centro da capital. Em parte, provavelmente, estimulados pelos avanços do Estatuto das Cidades, de 2001, em sua proposição de conceitos como o do direito à cidade e de instrumentos legais de apoio à função social da propriedade e à habitação de interesse social. Sobre isso ver: Cavalcante (2006).

do jornal Freguesia News. Talvez parte das explicações para essa percepção, possa ser atribuída às evidências encontrada em pesquisa acadêmica destinada à região da Freguesia do Ó no período em questão (GRIN, 2011). Segundo o estudo, a força política constituída nas gestões anteriores pelo então vereador Viviane Ferraz fazia-se presente ao lado de co- legas de partido – PL/PPB – compondo o cenário de dificuldades do executivo municipal na Câmara. Como a gestão municipal buscava aprovar projeto para o conjunto da cidade, partiu para as coalizões na região da Freguesia e Brasilândia. Essas, à época, foram assim descritas na imprensa:

A prefeita Marta Suplicy (PT) indicou nesta quarta-feira um ex-adminis- trador regional do governo do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) para co- mandar a subprefeitura da Freguesia do Ó-Brasilândia. O novo subpre- feito é Walter Alcântara de Oliveira, que comandou a então Administra- ção Regional da Freguesia do Ó entre novembro de 1994 e maio de 1996. Segundo apurou o Estado, Alcântara, que no atual governo trabalhou na subpre- feitura da Lapa, foi indicado pelo vereador Viviani Ferraz (PMDB), que, desde os governos Maluf e Celso Pitta (PSL), exerce forte influência política na região. Fer- raz foi um dos principais articuladores políticos para a aprovação do pacote de pro- jetos polêmicos do Executivo no fim do ano passado na Câmara Municipal, como a criação das taxas de iluminação e do lixo. A nomeação faz parte das mudanças ocorridas em oito subprefeituras.

(...) a troca dos subprefeitos teria ocorrido para atender reivindicações de vereadores da base governista na Câmara Municipal. A indicação política para as antigas regionais foi duramente criticada pela bancada do PT nos governos Pitta e Maluf e alvo de investigações durante a máfia dos fiscais - rede de corrupção na administração municipal investigada em 1999. Segundo apurou o Estado, pelo menos seis vereadores, inclusive do PT, teriam feito indicações.

Todos [os vereadores da região] votaram a favor dos projetos do Executi- vo e, estariam, segundo um integrante da base governista que pediu para não ser identificado, “sendo recompensados”. O secretário do Governo Muni- cipal, Rui Falcão, admitiu indicações de parlamentares. “Algumas sim, ou- tras não”, disse Falcão, sobre as nomeações divulgadas ontem. Ele negou, en- tretanto, o loteamento político das subprefeituras entre os vereadores. “Não há e nunca houve a política da troca de voto dos verea dores”, afirmou (O Estado de São Paulo, 8/1/2013).192

192 Marta nomeia ex auxiliar de Maluf para subprefeitura. Jornal O Estado de S. Paulo. Caderno Cidades, 08/ jan. 2003:3.

Segundo estudo dedicado à região (GRIN, 2011) houve um crescente esvaziamento das organizações locais, sobretudo, representadas pelas iniciativas do Orçamento Participativo em decorrência do espaço político viabilizado pela gestão executiva municipal aos vereadores do malufismo. Retomando os argumentos do citado estudo, o poder local, na gestão Marta Suplicy, não só abria espaço à continuidade das barganhas fisiológicas da gestão anterior, quanto esvaziava o crédito do movimento político local e dos próprios vereadores do PT.

Desse modo, as decisões eram tomadas no âmbito da subprefeitura, refratária a qualquer influência da participação popular, explicando, em parte, a percepção da liderança entrevistada quanto ao refluxo do movimento e o afastamento por parte dos vereadores do PT, José Laurindo e Benedito Cintra. E levando a mudanças no fórum de decisões, que se tornam menos acessíveis às entidades locais e comissões – como a do Orçamento Participa- tivo. Segundo Grin (2011, p. 75), as disputas que o Executivo dizia não pretender exercer interferência, situavam-se fora de seu interesse que seguia voltado para a aprovação dos grandes projetos para a cidade. Nesse caso, podendo sugerir a baixa prioridade dada à região em questão, a despeito da atuação sistemática da própria militância petista na Brasilândia. Segundo o autor, os vereadores malufistas “votam com o executivo municipal”, mas no plano local exercitavam sua política de favores individuais, inviabilizavam as demandas organi- zadas, sobretudo nas comissões de orçamento e jogavam organização e representantes da oposição no descrédito.

Por outro lado, as políticas setoriais na região desempenhavam trajetória relati- vamente autônoma, segundo Grin (2011, p. 79), o que gerava decisões incoerentes quanto à agenda local193. Esse elemento pode ser relacionado à percepção de nossa entrevistada acima (dona Lourdes), quanto à noção de que a atuação dos políticos gerou muito descrédito. Ações erráticas por parte de uma mesma gestão ao não serem compreendidas pela população esva- zia a participação e empobrece a percepção do papel da política no cotidiano. Nesse caso, 193 Grin cita as tentativas por parte do subprefeito em levar shows e eventos para a região, e a prioridade da Secretaria da Cultura (PT) em promover formação dos eventuais públicos. Situação similar ocorre com as ações promovidas nos CEUs, embora com atores distintos, no caso Secretaria da Cultura e da Educação. Com abordagens diversas e ações que não se coordenam. O orçamento era da Cultura, mas a gestão da Educação. No caso da secretaria da Habitação, segundo o autor, os compromissos do então secretário eram na zona leste, deixando a zona norte, sem ações expressivas.

sugerindo para além dos problemas com a indicação à Subprefeitura o próprio espaço insti- tucional como instância de poder, frente às Secretarias específicas. Ou seja, as decisões das políticas setoriais contemplam pouco a lógica das necessidades expressas territorialmente. Resulta a fragilidade na articulação dessas ações e de suas políticas públicas em base territo- rial, o que pode levar a potencial diminuição dos benefícios a serem implementados.

A percepção acerca das dificuldades da presente gestão executiva é reiterada pelo editor do jornal Freguesia News (Célio Pires) que identifica a presença da prefeita na região somente para a inauguração do CEU. Essa observação, embora especificada pela ausência da prefeita, parece carregar o significado da pouca atuação do poder público no território. Essa mesma referência fora espontaneamente citada por antiga liderança local ligada à igreja católica.

Sabe quando ela veio aqui? Só na inauguração do CEU. Aí, nós fizemos ela subir pela rua que o povo usava e que o acesso era muito ruim...ruim mesmo! Ela foi... mas, não convencia... a nós, lideranças não! (Maze, liderança católica).

Por outro lado, é importante lembrar que as formas de atuação junto à comuni- dade haviam mudado. Tendo passado das antigas mobilizações e reivindicações às formas de participação reguladas por instituições previstas na Constituição de 1988. Tratava-se, basica- mente, dos conselhos, sobretudo destinado ao orçamento participativo. No entanto, o avanço do processo de discussão do Orçamento Participativo, após iniciado em 2001, não resultou acessível aos movimentos coletivo. As audiências públicas ocorriam na Câmara Municipal para a discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei do Orçamento para 2005, tiveram participação tímida das lideranças populares bem como de vereadores (GUEDES, 2005, p. 12). Além disso, outro mecanismo de controle social fundamental, os Conselhos de Repre- sentantes, citados no início deste capítulo, foram de difícil implementação, iniciando suas práticas apenas ao término da gestão Marta Suplicy. Nesse caso, um mecanismo destinado ao controle sobre a atuação da subprefeitura, o que talvez à época pudesse ter acrescentado ao espaço político reservado às organizações local. Essa possibilidade, não só não prossegue nas gestões subsequentes, como perde o sentido diante do movimento de recentralização das decisões e orçamento para as secretarias setoriais de governo, iniciada na gestão Serra (2005-

2006). Nesse caso, explicando as funções das subprefeituras associadas às pequenas obras e serviços locais mantidos durante a gestão Kassab194. E, de fato, assim consideradas pelas lideranças locais.

As observações acima podem explicar a percepção por parte das lideranças en- trevistadas, de um lado, quanto ao reduzido valor de recurso destinado à região. E, de outro, quanto à descrença em relação aos fóruns de participação e ao papel esperado das lideranças locais. Hoje, parte dessas lideranças seguem absorvidas pela atuação junto ao poder público, sobretudo, nas creches e no apoio social às famílias além de ações da defesa civil. Forma pela qual a antiga solidariedade parece sobreviver na região, mas também indicativa de mudanças do caráter originário da organização política local.