• Nenhum resultado encontrado

As Mulheres da Capital

No documento Download/Open (páginas 96-99)

1 MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS

2.1 AS MULHERES NAS RELAÇÕES POLÍTICAS EM GOIÁS

2.1.2 As Mulheres da Capital

Essas mulheres que tiveram vivência com os embates e arranjos políticos da Primeira República em Goiás também alcançaram a cidade de Goiás, capital do Estado naquele período.

Como se observa nos casamentos dos principais líderes políticos do período, os bacharéis José Leopoldo de Bulhões Jardim e José Xavier de Almeida

casaram-se com jovens com idade aproximada de dezesseis anos, quando ambos já eram formados e tinham idades superiores a trinta anos, destacando que o primeiro casou-se com alguém dentro da própria família, que foi com a sobrinha e somente por ato civil e o outro fez a vontade da esposa casando também por ato religioso na cidade de Morrinhos.

O registro do casamento de José Leopoldo de Bulhões Jardim foi feito no final do século XIX ao contrair núpcias com Cecília Adelaide Félix de Souza, nascida em 1873, que se realizou no dia 12 de outubro de 1890, com o líder vencedor do movimento golpista de 1909 (GOYAZ, 1890, ed. 265).

É interessante também mostrar o lugar nessas relações de poder, a capital goiana, a participação de uma família que não recebe influência da igreja católica, já que José Leopoldo de Bulhões Jardim tinha formação liberal e contrária à hegemonia da igreja católica na região, gerando grandes conflitos, que inclusive ocasionaram a mudança da sede do episcopado da capital goiana para Uberaba, em Minas Gerais, devido a desentendimentos com o bispo Dom Eduardo Duarte da Silva (SILVA, 2003).

Pelos vestígios vão ocorrer casamentos realizados apenas pelo ato civil, como o de Adelaide Emília de Bulhões Jardim, nascida em 1850, irmã e sogra de José Leopoldo de Bulhões Jardim. No mesmo molde ela se casou com o irmão de seu pai, Benedicto Felix de Sousa.

Nos primeiros anos da Primeira República foi aprovado o Decreto 181 de 24/01/1890, considerando somente válido para os efeitos legais o casamento realizado no civil, desencadeando uma série de conflitos entre o político José Leopoldo Bulhões Jardim com a igreja católica. Nesse período o clero fez intensa campanha para se evitar o casamento civil e defendia a necessidade da “moralização da vida privada” através do casamento religioso (SILVA, 2003).

Exatamente no ano de 1890, José Leopoldo Bulhões Jardim se casou e, confirmando sua posição de liberal e republicana, seu casamento foi realizado somente como ato civil, enquanto que a maioria das famílias em Goiás naquela época ainda fazia questão de realizar as cerimônias religiosas como pregava e defendia a igreja católica (SILVA, 2003).

O jornal GOYAZ de propriedade da família Bulhões, na sua edição nº 250, de 04 de julho de 1890, traz informações sobre a validade somente do casamento civil, informando que, desde 24 de maio de 1890, somente ele é válido, ressaltando

que eram permitidas as formalidades e cerimônias religiosas, mas que não produziam nenhum efeito legal, tais como o estabelecimento do vínculo conjugal, sobre direitos e deveres dos cônjuges, pátrio poder, legitimidade da prole, parentesco legítimo e direitos sucessórios (GOYAZ, 1890, ed. 250).

José Leopoldo de Bulhões Jardim também faz sua ligação entre a capital e o distrito de Santa Rita do Paranaíba através de sua irmã, Ângela de Bulhões Jardim, casada com o ex-ministro do STF- Supremo Tribunal Federal no ano 1905 e Procurador Geral da República, Guimarães Natal.

Joaquim Xavier Guimarães Natal era irmão do administrador da Recebedoria de Santa Rita do Paranaíba, Antônio Xavier Guimarães, e que foi um dos líderes, a partir de sua fazenda no norte, do movimento de 1909, que resultaria na emancipação de Santa Rita do Paranaíba e no reconhecimento daquele que tinha perdido a eleição como presidente do Estado de Goiás, o engenheiro e militar Urbano Coelho de Gouveia, casado com Leonor Adelaide Bulhões Jardim, também irmã de José Leopoldo de Bulhões Jardim (CAMPOS, 1996).

Católicos, engenheiros, militares, advogados e funcionários públicos, mães, filhos/as, irmãos/ãs, cunhados/as, um círculo de relações que muda a história de Goiás, num tempo em que se atribuíram todas as mudanças aos coronéis, excluindo as mulheres dos espaços públicos do poder, quando se ainda escrevia uma história em que asmulheres estavam ausentes do discurso oficial.

A expansão dos estudos sobre as mulheres levou a uma redefinição do político, antes ligado ao campo do poder das instituições públicas e do Estado, passando para a esfera privada e do cotidiano (MATOS, 2002 p. 1050). Assim, é possível encontrar nas “brechas” ocupadas por essas mulheres goianas na Primeira República mostras de que elas ocuparam o espaço público como parceiras dos homens nas viagens, nos encontros festivos nos palácios e, enfim, nas relações com a política (MATOS, 2002, p. 1050).

Antes, os limites entre o público e o privado estavam bem delimitados, com o privado sendo considerado o espaço das mulheres, o locus da moralização, ocupando com a definição das esferas sexuais e da delimitação do espaço entre os sexos, a representação do lar, da família, destacando a maternidade como necessidade (MATOS, 2002, p. 1055).

Busca-se aqui mudar a narrativa histórica através de representações que mostrem as mulheres goianas ativas e parceiras nas experiências com a política,

evidenciando-se que, apesar de elas não conseguirem visibilidade nas tramas das eleições e nos partidos políticos, ganham voz e presença com a participação nos embates e arranjos políticos do início do século XX em Goiás, pela historicidade da vida íntima, dos lugares da vida doméstica como mães, filhas, esposas.

Constrói-se assim uma abordagem histórica considerando-se os espaços em que as mulheres ganham visibilidade, a partir de experiências em que o sujeito é constituído, como nas igrejas, na família, nos eventos festivos, nas viagens. Conforme ressalta Maria Izilda Santos Matos, acontece a politização dos espaços privados com a política chegando ao âmbito do cotidiano, permitindo questionar várias transformações na sociedade, como o funcionamento da família, a vida das mulheres, as lutas e os gestos do cotidiano (MATOS, 2002, p. 1048).

Como foi tratado em relação às categorias Gênero, anteriormente, e nesta parte do trabalho em relação à cultura, também é importante se utilizarem outras categorias que possam permitir uma análise das relações de poder em Goiás, e a experiência que será tratada em seguida, ocupa espaço importante nesta pesquisa.

Trabalha-se com a sugestão de Joan W. Scott, que propõe historicizar a experiência (SCOTT, 1999, p. 41), isto é, construir as abordagens históricas considerando os espaços em que os sujeitos se constituem e a partir das experiências possíveis nos lugares e tempos em que estas acontecem, e fazendo uma análise dos modos de vida, das relações pessoais, das redes familiares, das amizades tanto entre homens e mulheres, como entre as próprias mulheres, os vínculos afetivos, as formas de comunicação, de resistência e de lutas neste período de embates e arranjos políticos em Goiás.

No documento Download/Open (páginas 96-99)

Documentos relacionados