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A Igreja Católica

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1 MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS

2.3 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DE GÊNERO

2.3.1 A Igreja Católica

Os anos iniciais da República em Goiás foram marcados por tentativas da igreja católica de recuperar o espaço político perdido a partir de 1891, quando se deu a separação entre o Estado e a Igreja, condenada pelos cardeais e arcebispos que incitavam os cristãos a formar grupos de pressão, inclusive resultando em Goiás na formação do Partido Católico.

A atuação do clero foi muita intensa nesse período, com suas ações volta- das para “normalizar” o comportamento das pessoas, o que se torna bem visível pelo incentivo do casamento religioso, em um período em que só o casamento civil produzia os efeitos legais, como mostra o estudo de Maria da Conceição Silva, rea- lizado na cidade de Goiás no período de 1860 a 1920:

[…] A cidade de Goiás, capital da província e depois do Estado, onde as notícias chegavam tardiamente, não permaneceu apática ao que acontecia nas demais províncias do País, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Assim, a análise da temática catolicismo e casamento nos propicia entender a conturbada história que ali se desencadeara entre eclesiásticos ultramontanos e políticos liberais liderados pela oligarquia dos Bulhões. A capital goiana foi palco das idéias liberais introduzidas por esses jovens que estudaram Ciências Políticas e Direito em São Paulo. A família dos Bulhões, constituída de intelectuais, tinha compreensão do que representavam as propostas do Partido Liberal para Goiás. Vale ressaltar que, mais tarde, os arranjos políticos e as alianças matrimoniais os favoreceram para galgar um espaço no Partido Republicano. À frente deste partido estava o líder do movimento republicano goiano Joaquim Xavier de Guimarães Natal, formado em Direito em São Paulo, casado com Ângela de Bulhões, irmã de José Leopoldo de Bulhões Jardim. Sendo eles os promotores de concepções modernizadoras na capital, na segunda metade do século XIX, empenharam-se pela "liberdade de culto, secularização dos cemitérios, registros e casamento civil", confrontando-se com a linha religiosa adotada pelos bispos que conduziram a diocese até o ano de 1896. A partir do bispado de D. Joaquim Gonçalves de Azevedo (1865-1876), depois com D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão (1881-1890), e por último com D. Eduardo Duarte e Silva (1891-1908), o ultramonismo foi a linha de trabalho seguida por eles (SILVA, 2003).

Nesta área religiosa é possível verificar embates entre as ideias liberais dos jovens que estudaram Ciências políticas e Direito em faculdades de São Paulo, co- mo José Leopoldo de Bulhões Jardim e Joaquim Xavier Guimarães Natal, que bus- cavam a liberdade de culto, registros e casamentos civis e o clero que tentava man- ter o casamento religioso com o mesmo status de antes da Proclamação da Repú- blica (SILVA, 2003).

Por outro lado percebe-se que, mesmo tendo formação também na área de Direito, os bacharéis José Xavier de Almeida e Hermenegildo Lopes de Moraes, além do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, por influência de suas esposas Amélia Augusta de Moraes, Maria Amabini Paranhos e Francisca Carolina de Naza- reth de Moraes tiveram boas e constantes relações com a igreja católica.

Assim é possível deduzir que nos espaços religiosos as mulheres da casa de Dona Francisca usaram como estratégias realizar o casamento religioso, mesmo que seus esposos fossem adeptos dos discursos liberais. Seria mais uma demons- tração da politização dos espaços privados, considerando que a Igreja contextual- mente estivesse localizada neste espaço.

Aline Coutrot, especialista em estudo contemporâneo da Igreja, com partici- pação destacada no trabalho organizado por René Rémond, ao tratar da relação entre a religião e a política (COUTROT,1996, p. 331), enfatiza que na história políti- ca, ao se tratar do político, foram desprezadas ligações intimas entre as duas, em- bora antes da Proclamação da República, a Igreja e o Estado caminhassem juntos.

No início do século XX, em que se dá o Movimento golpista de 1909, já tinha havido conflitos entre os liberais e o clero, com a condenação de cardeais e arcebis- pos à laicidade do Estado, incitando os cristãos a formar grupos de pressão. Em Goiás, os embates liderados por José Leopoldo de Bulhões Jardim, iniciados com a Proclamação da República, culminaram com a mudança da sede da diocese da ci- dade de Goiás em 1896 para Uberaba, em Minas Gerais, através de decisão do Bis- po Dom Eduardo Duarte e Silva. A volta da Diocese para a capital de Goiás em 1908 se dá justamente com o grupo de José Xavier de Almeida no poder através do pre- sidente Miguel da Rocha Lima, que se aproximou do Bispo Dom Prudêncio Gomes da Silva.

É importante ressaltar que as igrejas, consideradas como corpos sociais dotados de um tipo de organização e com traços comuns com a sociedade política, sempre tiveram ligações íntimas com a política, e que foram desprezadas na histó- ria do político, embora alguns estudos feitos por Charles Seignobos e André Sieg- fried, já entravam na área interrogando sobre os componentes religiosos do voto e estudando os diferentes tipos de atitudes políticos, segundo os modos de ligação com a Igreja católica e também através da análise do voto protestante (COU- TROT,1996, p. 334).

Com a nova história política, as forças religiosas são levadas em considera- ção como fator de explicação política em numerosos domínios (COUTROT,1996, p. 334).

A Igreja não se limitava ao sagrado, porque entende que na sociedade nada é estranho a igreja. O religioso informa o político e o político estrutura o religioso. A política impõe, provoca, questiona as igrejas (COUTROT, 1996, p. 334).

Até algumas ideias originárias da Igreja foram utilizadas na política do perío- do, como a fé teocêntrica em um Deus único, que reforçou a figura de uma autori- dade e de sistema hierárquico. As declarações de hierarquia foram uma das formas mais notáveis de intervenção da Igreja na vida da cidade e ainda o modelo cris- tocêntrico, onde o evangelho chama os homens à missão coletiva de salvar a huma- nidade aqui na terra (COUTROT, 1996, p. 337).

Embora no período da República a Igreja não devesse fazer política, por não ser de sua competência, verificou-se, quando do estudo dos partidos políticos, que sua atuação foi intensa, sem entretanto, produzir bons resultados. Mesmo assim, entende Aline Coutrot, as forças religiosas intervieram com mais frequência de forma coletiva, embora o voto fosse uma decisão individual (COUTROT, 1996, p. 340).

Assim as relações entre religião e política, que foram separadas pelo embate entre José Leopoldo de Bulhões Jardim, entre 1896 e 1908, sofreram mudanças com o governo de José Xavier de Almeida e seu grupo político a partir de 1908 e, neste sentido, as mulheres católicas que tinham relação com o poder, como Amélia Augusta de Moraes, tiveram certa participação nesta mudança de relação.

Houve uma invasão da política na Igreja e, apesar também do discurso de dominação dos homens, as mulheres da casa de Dona Francisca aproveitaram a oportunidade e a utilizaram como estratégia para que os batizados, os casamentos e demais eventos religiosos fossem utilizados a seu favor e não como instrumentos de manutenção de dominação.

São visíveis as participações de Dona Francisca, de Amélia Augusta e de Dona Messias, ressaltando que com referência às relações desta última, destaca-se o fato de ela ter-se casado contrariando o pároco local de Santa Rita do Paranaíba, por ser afilhada do coronel Jacintho Luiz da Silva Brandão, e ainda deste ter sido gerado de uma relação contrária aos mandamentos da Igreja, por ser filho de um padre de Itaberaí, antiga Curralinho. Destaca-se ainda que desta relação não houve descendência.

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