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A Escola

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1 MULHERES, HISTÓRIA E POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA EM GOIÁS

2.3 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DE GÊNERO

2.3.3 A Escola

Embora o discurso fosse o de que era preciso investir na educação, a refe- rência civilizatória com o regime republicano implantado, os primeiros anos do novo regime não mostram grande progresso nessa área, como se verifica nos estudos de Mirian Fábia Alves, em sua dissertação de doutorado sobre a escolarização em Goi- ás na Primeira República (ALVES, 2007).

Desde 1853 já se ouvia falar da obrigatoriedade da frequência escolar para crianças de cinco a catorze anos em casa ou em escolas públicas pelos pais de fa- mília (ALVES, 2007, p. 70). A partir de 1884, a legislação a tornava-se obrigatória para os meninos de sete a treze anos, desde que a distância da escola não fosse superior a 2 km e para as meninas de seis a onze anos, a distância máxima não poderia exceder 1 km. Com essa medida, um pequeno número de crianças tinha acesso ao ensino primário. No final do Império, de uma população em Goiás de 156 mil habitantes, 15 a 18% tinha idade de estar na escola, mas pouco mais de 10% deles conseguiam acesso.

O acesso às escolas estava reservado para os homens, que deveriam com- por um grupo que era preparado para ocupar os cargos públicos de intendentes, juí- zes de paz, promotores, tabeliães. Às mulheres, com muito custo foi disponibilizado o curso normal para formação de professoras.

Legislações editadas em 1893 e 1898 disciplinavam sobre a obrigatoriedade e gratuidade do ensino para escolas públicas das cidades, vilas e povoados, ou seja, só na zona urbana. Eram permitidas as escolas confessionais e o ensino em família sob vigilância dos chefes destas famílias. Cabia aos municípios a manutenção das escolas, que muito pobres não conseguiam.

Em resumo, tinha-se a escola de primeira entrância nas vilas, que exigia fre- quência superior a vinte alunos e onde se ensinava a leitura e escrita; a de segunda entrância nas cidades deveria ter frequência de mais de vinte e cinco alunos, e a de terceira, que funcionava na capital e que ampliava para conhecimentos de pontua- ção deveria ter frequência de mais de trinta alunos (ALVES, 2007, p. 820).

Os currículos também serviam à dominação dos homens, porque enquanto a estes era ensinada a leitura, escrita e conhecimentos de aritmética, geografia, lín- guas, numa preparação para ocupação de atividades nos espaços públicos, às mu- lheres o ensino de primeiras letras previa gramática portuguesa e francesa, música,

canto e dança, todas voltadas para o lar, aos serviços de casa e à educação dos filhos.

Nos povoados e arraiais como o de Santa Rita do Paranaíba, haviam esco- las elementares, com frequência inferior a vinte alunos. Foi numa dessas que estu- dou Messias Alexandrina Marquez, que não chegou a alcançar o ensino normal, não passando das primeiras letras.

Para se ter o certificado de estudos primários, requisito para entrar na instru- ção secundária e normal, só na capital. Os filhos da Francisca Nazareth de Moraes seguiram esse caminho. Os homens se formaram em Direito e Amélia Augusta fez até o segundo ano Normal, quando deixou a escola para se casar com o então eleito presidente do Estado José Xavier de Almeida.

O sistema de educação era baseado na localização geográfica e na fre- quência do número de alunos. Sexista, não permitia a mistura entre homens e mu- lheres e onde fosse possível ter turmas de homens e de mulheres, mesmo em esco- las mistas, não se deveriam misturar.

Para manter suas escolas, os municípios poderiam cobrar três tributos. Até o governo de José Xavier de Almeida, que passou a custear, através do Estado, a manutenção das escolas de primeiras letras, existiam os seguintes Tributos:

- Valor locativo de prédios urbanos;

- Taxas sobre reses mortas para consumo - Direito sobre Tavernas e Armazéns

O Estado podia cobrar impostos sobre a exportação de gado, atividade pre- ponderante naquele período. Caso o município não fosse capaz da manutenção dos estudos primários, o Estado assumiria. Como José Xavier de Almeida era presidente do Estado e ligado a Morrinhos, na região o Estado mantinha as escolas e foi assim até a queda de seu grupo em 1909.

As meninas aprendiam leitura, caligrafia, aritmética, história do Brasil, gra- mática e trabalhos de agulha. A escola era um ambiente de dominação dos homens através de suas leis, mas as mulheres de relações de poder tiveram a oportunidade de estudar, como Amélia Augusta, que assim fez somente para conhecimento e não para legitimar o modelo de dominação criado pelos homens.

Amélia Augusta de Almeida, nascida em 1884, foi a mulher do grupo político que mais avançou em estudos, sendo que fez os estudos primários em Morrinhos de 1890 a 1898 e em Uberaba fez dois anos no Normal de uma escola confessional

católica, entre 1899 e 1900, quando deixou a escola para casar-se com o eleito pre- sidente do Estado, José Xavier de Almeida. Assim ilustra Britto (1974):

[...] AMÉLIA AUGUSTA, filha do Cel. Hermenegildo Lopes de Moraes, natu- ral deste Estado, e de sua esposa, Francisca Carolina de Nazareth, [...]. O Cel. Hermenegildo, de ótima situação financeira, considerado um dos ho- mens de maior fortuna de Goiás, procurou dar a todos os filhos boa instru- ção.

Era o hábito das famílias abastadas sustentarem para os filhos professores particulares, que iam lecionar nas cidades do interior e nas fazendas. Assim, Amélia teve, por primeiro professor particular, o Mestre Idelfonso, com quem ela aprendeu Português, Francês, Geografia, Aritmética e Histó- ria. Seu primeiro livro de Francês foi “Uma tradução francesa para a infân- cia, de Robinson Crusoé, trazendo no fim uma antologia de poetas Gaule- ses”.

Iniciado deste modo seu curso primário em Morrinhos, segui mais tarde para o Colégio Nossa Senhora das Dores, de Uberaba, dirigido por irmãs domini- canas, onde cursou até o segundo ano normal (BRITTO, 1974, p. 298).

Hermenegildo Lopes de Moraes, o filho, José Xavier de Almeida e Alfredo Lopes de Moraes fizeram parte de uma turma de liberais católicos que cursaram Di- reito na Faculdade do Largo do São Francisco em São Paulo. José Leopoldo de Bu- lhões também fez a mesma faculdade, mas firmou-se contrário à Igreja católica nos primeiros anos da República em Goiás.

A escola deveria ser o caminho para a civilidade, e aquelas de primeiras le- tras, na Primeira República, funcionavam em casas improvisadas, sob o comando de um professor e com método de ensino individualizado. O Liceu, na capital, era a escola para o secundário.

Criada em 1898, a Academia de Direito de Goiás foi instalada em 1903 e foi fechada em 1910. Foi mais uma instituição a serviço da dominação dos homens, apesar de que uma mulher esteve entre as turmas. Durante seu funcionamento en- tre 1904 e 1910, foram formadas quatro turmas de bacharéis em Direito, sendo a primeira com dezesseis formandos e a última com quatro. Apenas Rosa Godinho de Oliveira matriculou-se na última série em 1908.

Como formar uma sociedade civilizada e moderna? Os homens faziam as primeiras letras no próprio município, separados das turmas de mulheres. Para fazer o secundário ou normal, iam os homens para o Liceu na capital e as mulheres para uma escola confessional católica. Os homens iam fazer a faculdade de Direito no Largo do São Francisco em São Paulo e as mulheres, o curso normal em Uberaba. Foi assim que se deu na família de Francisca Carolina de Nazareth Moraes.

No Arraial de Santa Rita do Paranaíba, o primeiro professor, foi José Fleury Alves do Amorim, irmão do padre Félix Fleury Alves do Amorim, pároco da igreja local; era pai natural do coronel Pacífico do Amorim, que se casou com uma das fi- lhas de Dona Francisca Carolina de Nazareth Moraes, e foi o primeiro professor por volta de 1871, com a missão ensinar as primeiras letras.

As escolas de Direito de ensino superior estavam reservadas aos homens. Os grandes fazendeiros enviavam seus filhos para fazer o curso superior em São Paulo e retornar para ocupar espaço na política federal como deputados e senado- res. As mulheres, o máximo que conseguiam fazer era cursar o ensino Normal em escolas católicas.

Enquanto a família de Hermenegildo Lopes de Moraes foi estudar em São Paulo, as famílias locais não evoluíram nos estudos, condições essenciais para as- cender ao poder na esfera federal naquele período; nem mesmo ocuparam cargos de destaques em Goiás, tanto no Senado Estadual como na Câmara Estadual.

Enfim, a escola permitiu a uma das mulheres da casa de Francisca Carolina ir além da representação dos papéis de mãe, esposa e dona de casa, sendo um avanço no período. Não se pode falar que a escola levou essa mulher à emancipa- ção, mas permitiu que ela fosse além do lar e no caminho da escola conhecesse o futuro esposo, como ocorreu com Amélia Augusta de Moraes, que fugiu aos padrões utilizados para a educação no período. Não estudou para o lar, mas para obter co- nhecimento.

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