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1.2 A reforma da política de ciência, tecnologia e inovação

1.2.1 As novas fontes de recursos: os Fundos Setoriais

A iniciativa central para mudar o cenário de financiamento à CTI no Brasil foi a criação de um conjunto de fundos setoriais a partir da extensão do modelo do Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural11 para outros setores, criando fontes de receita específicas que garantissem a estabilidade e previsibilidade dos recursos (PACHECO, 2007a). Tais fontes incluíram dentre outras, os royalties pela exploração de recursos naturais e outras compensações financeiras, como a parcela da receita das empresas beneficiárias de incentivos fiscais, porém a fonte mais destacada foi a utilização da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico –CIDE12 (GUIMARÃES, 2008). A partir da obtenção desses recursos, cada fundo passaria a ter uma receita específica que seria depositada no FNDCT13, onde se originariam os orçamentos correspondentes.

Em 2000 foram criados os fundos setoriais verticais de Energia, de Recursos Hídricos, de Transportes Terrestres, Mineral e Espacial, para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações e o Fundo Verde-Amarelo (FVA), este último de natureza transversal. Durante 2001 foram aprovados os fundos setoriais de Tecnologia da Informação, de Saúde, de Agronegócios, de Biotecnologia, do Setor Aeronáutico, da Amazônia e de Infraestrutura. Posteriormente, em 2004, criaram-se os Fundos para o Setor de Transporte Aquaviário e Construção Naval e finalmente, em 2006, foi criado o Fundo Setorial do Audiovisual.

Na atualidade são 17 fundos setoriais, dos quais 15 vinculados diretamente ao FNDCT e 2 administrados por outros órgãos do Governo Federal (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - FUNTTEL e Fundo Setorial do

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Este fundo foi criado pela Lei 9.478 de 6 de agosto de 1997 que instituiu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência nacional de Petróleo (ANP), prevendo a destinação de parte dos royalties da exploração do petróleo e gás natural para o financiamento a programas de amparo à pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo.

12―A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) é uma modalidade de contribuição prevista na Constituição Brasileira, que se diferencia de taxas e impostos, na medida em que se justifica somente para corrigir distorções existentes em determinado mercado e que deve ter seus recursos alocados exclusivamente para o mesmo setor contribuinte‖ (PACHECO e CORDER, 2010, p. 37). A Lei 10.168 de dezembro de 2000 cunhou a CIDE com incidência de 10% sobre as remessas ao exterior a título de pagamentos de royalties decorrentes de contratos de transferência de tecnologia (exploração de patentes, uso de marcas, fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica), a qual viabilizou o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, que fundamentou a criação do Fundo Verde-Amarelo (GUIMARÃES, 2008, p. 196).

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O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –FNDCT, foi criado em 31 de julho de 1969, através do Decreto-Lei nº 719, o Governo Federal. Sua finalidade, que ainda se mantém, seria a de dar apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico realizados no país. Com início em 1997, o Fundo passou por uma importante reforma baseada na integração de novas fontes de recursos a partir da criação dos Fundos Setoriais. Finalmente em 2007 houve a publicação da Lei do FNDCT (11.540/07), seguida pelo Decreto nº 9.638/09, que dispuseram sobre o modelo de gestão do FNDCT e sobre a origem e aplicação dos seus recursos (FINEP, 2011)

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Audiovisual - FSA14), para os quais a FINEP atua como agente financeiro repassando recursos. Dos 15 Fundos vinculados ao FNCDT, originalmente 2 alocavam recursos em qualquer setor através de ações transversais (o CT-Infra e o FVA), enquanto 13 alocavam recursos em setores específicos através de ações verticais. No entanto, a partir de mudanças realizadas em 2004 na gestão dos fundos, esses últimos passaram também a alocar 50% dos seus recursos para a realização de ações transversais15. O Quadro1.3 mostra o listado de fundos com sua respectivas leis originárias, suas fontes de recursos e forma de aplicação.

Fundo Lei geradora Tipo Fonte de recursos Aplicação

CTPetro 9.478;

6/8/97

Vertical 25% dos royalties que excederam a 5% da produção de petróleo e gás natural

Vinculada

Funttel 10.052;

28/11/00

Vertical 0,5% sobre o faturamento líquido das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações e contribuição de 1% sobre a arrecadação bruta de eventos participativos realizados por meio de ligações telefônicas

Vinculada

CTInfo 10.176;

11/01/01

Vertical Mínimo de 0,5% do faturamento bruto das empresas beneficiadas pela Lei de Informática

Vinculada

CTInfra 10.197;

14/2/01

Horizontal 20% dos recursos de cada fundo setorial Acadêmica

CTEnerg 9.991; 24/7/00 Vertical 0,75% a 1% do faturamento líquido das concessionárias Vinculada

CTMineral 9.993; 24/7/00 Vertical 2% da compensação financeira (CFEM) paga por empresas com direitos de mineração

Vinculada

CTHidro 9.993; 24/7/00 Vertical 4% da compensação financeira recolhida pelas geradoras de energia elétrica

Vinculada

CTEspacial 10.332;

19/12/01 9.994; 24/7/00

Vertical 25% das receitas de utilização de posições orbitais; total da receita de licenças e autorizações da Agência Espacial Brasileira

Vinculada

CTSaúde 10.332;

19/12/01

Vertical 17,5% da CIDE de remessas ao exterior Vinculada

CTBio 10.332;

19/12/01

Vertical 7,5% da CIDE de remessas ao exterior Vinculada

CTAgro 10.332;

19/12/01

Vertical 17,5% da CIDE de remessas ao exterior Vinculada

CTAero 10.332;

19/12/01

Vertical 7,5% da CIDE de remessas ao exterior Vinculada

Verde-Amarelo 10.168; 29/12/00 10.332; 19/12/01

Horizontal 50% da CIDE de remessas ao exterior, 43% da renúncia fiscal da relativa ao IPI da Lei de Informática

Não vinculada

CTTranspo 9.992; 24/7/00

10.332; 19/12/01

Vertical 10% das receitas do Departamento nacional de Infraestrutura de transporte (contratos para utilização da infraestrutura de transporte terrestre)

Vinculada

Aquaviário 10.893;

13/07/04

Vertical 3% da parcela do produto da arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) que cabe ao Fundo da Marinha Mercante (FMM)

Vinculada

Audiovisual 11.437; 28/12/06

Contribuições recolhidas pelos agentes do mercado, principalmente da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE - e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL.

Vinculada

Fonte: Elaboração da autora com dados de Milanez , 2007 e Pereira, 2005.

14O Funttel e o FSA operam de forma diferente pois estão vinculados ao orçamento do Ministério das Comunicações e do Fundo Nacional de Cultura (FNC), respectivamente.

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As reformas realizadas no modelo de gestão dos FS são detalhadas no capítulo 3.

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Além de criar fontes de recursos financeiros, os fundos teriam também o propósito de estimular os investimentos em P&D do setor produtivo privado e sua articulação com universidades e institutos de pesquisa através de projetos em parceria, visando ao fortalecimento dos vínculos entre os atores do SNI.

Segundo o MCT, ainda que cada fundo atenda a uma área específica –com exceção dos fundos criados originalmente com caráter transversal– eles exibem características similares com respeito à sua operacionalização16:

Vinculação de receitas, segundo as quais os recursos são aplicados para

estimular a cadeia do conhecimento e o processo inovativo do setor no qual se originam e portanto não podem ser transferidos entre os fundos.

Plurianualidade que permite a execução de ações e projetos com duração

superior a um exercício fiscal.

Gestão compartilhada,verificada na conformação dos Comitês Gestores por

representantes de ministérios, de agências reguladoras, da comunidade científica e do setor empresarial.

Fontes diversas, que incluem recursos provenientes de diferentes setores

produtivos, derivados de receitas variadas, como royalties, compensação financeira, licenças, autorizações, etc.

Programas integrados, ou seja, os recursos podem ser utilizados para apoiar

projetos que estimulem toda a cadeia de conhecimento, da ciência básica às aplicações e ao desenvolvimento.

Segundo a concepção inicial, os fundos setoriais seriam liderados por Comitês Gestores conformados por representantes do MCT e de suas agências (Finep e CNPq), dos ministérios setoriais envolvidos, das agências reguladoras, da comunidade científica e do setor empresarial, dando assim um caráter compartilhado à sua gestão. Estes comitês teriam também sob sua responsabilidade a definição das diretrizes e prioridades, a seleção e aprovação de projetos, o acompanhamento e as avaliações dos mesmos, tudo com o propósito de dar suporte qualificado às decisões sobre temas prioritários e alocação de recursos (PACHECO e CORDER, 2010).

Após sua criação como Organização Social (OS) em 2002, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) começou a exercer a secretaria técnica dos fundos, sendo

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sua principal função a de fornecer elementos e análises técnicos para a tomada de decisão por parte dos Comitês Gestores, ainda que sem fazer parte deles e sem poder decisório. Para o ano de 2003 as funções atribuídas ao CGEE, que eram fundamentais na concepção original do modelo de gestão dos Fundos, foram passadas para a Finep, alterando o papel do Centro como órgão de assessoria técnica para a legitimação de prioridades (Ibid.).

Atingindo os propósitos da reforma política, a implementação dos FS teve um importante impacto sobre o orçamento da CTI, se entendido este último como equivalente ao orçamento do MCT, principal órgão responsável pela gestão nessa área. Segundo Pacheco (2007), a receita dos fundos foi componente central para as atividades de fomento do governo federal. A Tabela 1.2a seguir mostra a crescente participação dos fundos setoriais dentro do orçamento do MCT durante o período 1999-2006, cuja quantia passou de representar 8,5% para 35,7% do total arrecadado pelo Ministério. Como parcela do total liquidado, os recursos provenientes dos fundos apresentaram queda em 2004 e 2005, em decorrência do aumento do que se convencionou chamar de reserva de contingência17.

Anos Arrecadação Lei+Créditos* Reserva de contingência

ou limite de empenho** Liquidado

1999 8,2 8,4 - 2,9 2000 12,4 15,1 - 6,8 2001 17,9 25,2 14,4 12,3 2002 32,4 29,8 12,1 11,1 2003 38,2 35,4 34,1 16,3 2004 35,7 35,8 20,5 15,0 2005 31,6 31,6 16,8 14,6 2006 35,7 33,1 13,0 18,9

Observações: Os valores orçamentários incluem créditos aprovados. * Inclui os valores de reserva ou limite de empenho.

**A quarta coluna inclui um dos dois valores (reserva de contingência ou limite de empenho), de acordo com a disponibilidade dos dados.

Em 2006, a dotação orçamentária não inclui a ação 0A29, no valor de R$ 209.600.000, referente à subvenção econômica de projetos de desenvolvimento tecnológico de empresas – Lei no. 10.973 de 02/12/2004 (Lei de Inovação).

FONTE: Koeller, 2009

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O contingenciamento de recursos é o bloqueio da utilização de recursos aprovados na Lei Orçamentária Anual (LOA). Em 2002 o MCT tornou os recursos destinados para C&T recursos não contingenciáveis através de Decretos de Programação Orçamentária e Financeira e através da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Não obstante, para a obtenção dos superávits necessários no cumprimento das metas fiscais estabelecidas, foi instituído o contingenciamento a priori destes recursos, através do programa Reserva de Contingência. Veja-se que a introdução desta medida implicou praticamente a existência de um segundo orçamento (mais próximo da realidade) e marca uma diferença, que em ocasiões supera o 50%, entre o orçamento aprovado e os recursos que ficam certamente disponíveis para despesa. Com isso, as expectativas criadas com a entrada em vigência dos Fundos, sua potencialidade para captação de recursos e o alcanço das suas ações, acabariam sendo sobrestimadas.

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Ainda que com alterações no modelo original, e apesar da implementação da reserva de contingência, os fundos setoriais viraram a principal fonte de recursos para o financiamento das ações da política de CTI no Brasil na última década.