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2.3 Procedimentos metodológicos da pesquisa

2.3.2 As observações

Para estudarmos o processo de apropriação da cultura escrita na educação infantil é fundamental conhecer os fatores que direta ou indiretamente influenciam tal processo, até mesmo para que possamos distinguir os fatos reais das suposições subjetivas. Isto quer dizer que é necessário apreender as particularidades deste processo no contexto em que ocorre.

Objetivamos, com as observações, analisar as concepções da professora sobre os usos e funções sociais da escrita como objeto cultural, presentes nas atividades com a escrita organizadas e desenvolvidas pela educadora. O procedimento de análise nesta fase fundamentou-se, portanto, em observar sua prática pedagógica no ensino da escrita, com a preocupação de verificar a concepção de escrita e de ensino dessa forma de linguagem que permeavam as atividades com a escrita. A ideia norteadora desta etapa inicial foi verificar se as atividades e as formas de mediação pedagógica da professora levavam as crianças à compreensão da escrita em sua funcionalidade social.

Segundo Mukhina (1995, p. 14-17):

Na observação, o pesquisador acompanha a conduta das crianças em condições naturais e anota fielmente o que observa. O êxito da observação depende da precisão com que foi definido o objetivo do estudo [...] o difícil nas observações não é apenas observar corretamente a conduta da criança, mas também interpretar adequadamente o que vê [...] As observações podem ser universais ou seletivas. As observações universais abarcam simultaneamente muitos aspectos da conduta de uma criança, durante longo tempo. [...] As observações seletivas se diferenciam das universais por se destinarem a estudar uma determinada faceta da conduta da criança, ou então sua conduta em determinados períodos de tempo. [...] A observação é indispensável para o levantamento inicial de dados.

Utilizamos como recursos materiais para o desenvolvimento desta fase: o gravador de voz, a câmera fotográfica e a filmadora, além dos registros da pesquisadora no diário de campo. Entendemos que essas formas de registro constituem ferramentas importantes para a investigação dos processos de apropriação da cultura escrita, pois permitem analisar as ações comunicativas e gestuais no processo de desenvolvimento de uma atividade.

As observações, iniciadas em 15 de abril de 2013, finalizaram-se em 17 de maio do mesmo ano. Foram diárias. Contudo, registraram-se no diário de campo apenas as atividades realizadas pela professora regente que envolviam a escrita. As demais, como aula de informática, aula de educação física, momentos de recreação no parque, não foram

acompanhadas e registradas pela pesquisadora. Também foram anotados os questionamentos das crianças e da professora durante as atividades propostas, bem como as respostas, as reações, enfim, todo o processo de interação que caracterizou a realização da atividade com a escrita.

Os fatos observados foram registrados no diário de campo da pesquisadora, assim como todos os aspectos do contexto, os sujeitos, o ambiente físico da sala de aula, os eventos excepcionalmente realizados e, ainda, as próprias reações da pesquisadora. Além dos dados fornecidos, as observações descritas subsidiaram o planejamento das atividades a serem desenvolvidas no experimento pedagógico.

Nesta seção, registramos as impressões pessoais relativas à fase em campo desta pesquisa: ―Na primeira semana de observações senti certo desconforto, pois as pessoas na escola campo olhavam-me com certa desconfiança, como se eu representasse uma ameaça. A supervisora pedagógica perguntou-me, logo no primeiro dia, se eu poderia disponibilizar uma cópia de meus relatórios diários de observação. Argumentei que achava desnecessário, que não se preocupasse, pois o foco da pesquisa centrava-se nas atividades com a cultura escrita, e não na professora. Esta resposta foi dada em razão de haver percebido que a pesquisa era vista como um momento de avaliação do trabalho da professora. Destaquei o fato de que os sujeitos participantes não seriam identificados, assim como a escola-campo. Ainda assim, percebi que a supervisora pedagógica e a diretora da escola não se sentiram tranquilas. Esta última passava na porta da sala inúmeras vezes durante a fase de observação e do desenvolvimento do experimento didático pedagógico, como se quisesse ver de perto o que estava acontecendo. Por outro lado, às vezes, sentia-me angustiada por perceber as contradições entre a opção teórico-metodológica de ensino da escrita neste estudo e as atividades que eram desenvolvidas com a turma, na qual eram trabalhadas apenas as letras do alfabeto, isto é, a codificação e decodificação do alfabeto linguístico.

Ao mesmo tempo, como docente, colocava-me no lugar da professora regente para tentar compreender sua ação pedagógica. O tipo de ensino que priorizava o aspecto fonográfico, em ruptura com o aspecto semântico, isto é, dos significados, substituía o ensino da escrita pelo código linguístico. Provavelmente, essa professora reproduzia em sala de aula o modo pelo qual aprendera a ler e a escrever. Seu conhecimento empírico, na prática, lhe dava segurança, mesmo que tal prática não lhe oferecesse resultados positivos em termos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças‖.

A concepção de escrita, que assumimos nesta pesquisa, não se restringe ao ensino da escrita apresentado às crianças como decodificação do código alfabético, em detrimento à

imersão da criança na cultura escrita, desconsiderando, assim, a necessidade da própria criança, seu desejo de ler e escrever e inserir-se no mundo da cultura letrada em sua diversidade de funções, gêneros textuais e suportes.

Vigotski (2010) afirma que os significados das palavras se desenvolvem e, como pesquisadores, devemos estar atentos a essas mudanças para não incorrer no equívoco de passarem despercebidas as transformações históricas dos significados, no desenvolvimento da linguagem infantil. A criança em idade pré-escolar faz generalizações sobre a escrita, que vão se modificando à medida que vivencia novas situações que envolvam a escrita em seus usos.

Podemos afirmar que a criança, em seu desenvolvimento (ontogênese), faz de maneira peculiar o caminho que a humanidade trilhou para desenvolver a linguagem escrita (filogênese). Ela começa por gestos, garatujas, desenhos, brincadeira de papéis, até chegar à escrita convencional.