• Nenhum resultado encontrado

2.3 Procedimentos metodológicos da pesquisa

2.3.3 O experimento pedagógico

Para responder à problemática desta pesquisa: o desenvolvimento de práticas educativas que, a partir das necessidades das crianças, as motivem para apropriação da cultura escrita em sua funcionalidade social, cujo foco está na organização das atividades com a escrita para alcançar tal objetivo, utilizamo-nos do experimento pedagógico. Fundamentamo- nos no método histórico-genético, cujo ponto central de investigação consiste em ―estudar a passagem da influência social, exterior ao indivíduo, à influência social interior ao indivíduo, buscando esclarecer os momentos mais importantes que integram esse momento de transição‖ (VIGOTSKI, 2000, p. 87).

O método experimental nos permite investigar o processo em estudo em sua dinamicidade e inter-relação com os fatores históricos e sociais que o envolve, como conceitua Libâneo:

Os pesquisadores da Teoria Histórico-Cultural utilizam o termo ―experimento‖ para designar uma ação destinada a verificar um fenômeno em processo, em seu desenvolvimento, ou seja, submeter uma hipótese à experiência (hipótese, aqui, no sentido de suposição, pressuposto a pôr à prova). Partindo-se de um plano de intervenção, se observa e se acompanha uma situação em condições controladas. Na Teoria Histórico-Cultural, o experimento formativo é uma variante do modelo experimental derivado do método genético experimental de Vigotski, no qual se estuda o objeto em seu transcurso evolutivo, e que implica elaborar: a) o modelo do sujeito ou

aspecto que será submetido à formação; b) o modelo do meio ou condições em que se produz tal formação; c) o modelo de interação do sujeito com o experimento (LIBÂNEO, 2007, p. 5).

Neste sentido, podemos dizer que o experimento é o método que nos permite colocar em prática ações devidamente organizadas para apreensão da cultura escrita pelas crianças em sua funcionalidade social, com o objetivo de comprovar se a devida organização de tais atividades efetivamente propicia uma apropriação cultural significativa do objeto escrita, tomando como premissa quem são os sujeitos pesquisados, quais são as condições objetivas em que ocorre o processo experimental e em que circunstâncias e de que maneira o sujeito interage com o objeto do conhecimento.

Fundamentado no método histórico genético de Vigotski, Davidov (1988) desenvolveu um modelo metodológico, ao qual denominou experimento formativo, cujo foco de investigação é o processo de desenvolvimento de determinadas funções psíquicas superiores que são intencionalmente formadas durante o processo de investigação, conforme descreve Davidov apud Nascimento (2010, p. 119):

Para o método do experimento formativo, é característica a intervenção ativa do investigador nos processos psíquicos que ele estuda [...]. Para nós, pode- se chamar o experimento formativo, experimento genético modelador, o que plasma a unidade entre a investigação do desenvolvimento psíquico das crianças e sua educação e ensino (tradução do autor).

Tendo em vista os objetivos que pretendemos alcançar, nosso foco são as atividades pedagógicas, portanto, trata-se de um experimento de cunho pedagógico, centrado na forma de organizar e desenvolver a atividade na educação infantil, de modo a promover o desenvolvimento das crianças. Ainda que possua suas raízes genéticas nos experimentos de Vigotski e Davidov, que estão voltados para a compreensão dos processos de formação das funções psíquicas superiores, optamos pelo experimento pedagógico como procedimento metodológico para obtenção e análise dos dados.

Mukhina (1996, p. 21-22) faz uma distinção entre o experimento formativo e o pedagógico e os caracteriza, ao esclarecer que:

Os psicólogos soviéticos empregam amplamente o experimento formativo. Sua particularidade consiste em que o método utilizado para estudar os processos e qualidades psíquicos é ao mesmo tempo um ensinamento, destinado a formar ou aperfeiçoar essas qualidades e processos psíquicos [...] O experimento formativo na pesquisa psicológica não deve ser confundido com o experimento pedagógico, destinado a comprovar a eficácia dos novos

programas e métodos do ensino e da educação. Externamente são parecidos; nos dois casos ensina-se às crianças algo novo e o resultado positivo do ensino confirma suposições prévias. A diferença consiste no caráter das suposições; o psicólogo faz suposições sobre os processos, qualidades e traços psíquicos da personalidade no processo de desenvolvimento da criança; ao pedagogo interessam os caminhos para obter bons resultados no ensino e na educação de crianças.

O experimente pedagógico que desenvolvemos tem seu foco na atividade do brincar para apropriação da cultura escrita em sua funcionalidade, e na maneira como se organiza o ensino intencional. Não tem, portanto, a pretensão de focar as novas formações psicológicas dos sujeitos pesquisados, por isso, utilizamos o experimento pedagógico.

O experimento pedagógico desenvolvido visou criar uma situação de ensino especialmente organizada para atender às necessidades da pesquisa, no sentido de criarmos condições específicas para realizá-lo, sabendo de antemão que todo o experimento possui certas limitações no contexto em que é desenvolvido, por tratar-se de uma situação artificial de ensino desenvolvida em curto espaço de tempo pela pesquisadora, consequentemente, traz as marcas de sua provisoriedade.

O objetivo central do experimento pedagógico não é propor um método e testá-lo com as crianças. É, sobretudo, organizar o ensino e as atividades para investigar e explicar os fundamentos de tal organização, ou seja, visa fundamentalmente compreender a natureza do processo pesquisado, e não se atém aos possíveis resultados obtidos.

Nascimento apresenta as contribuições relevantes dessa metodologia de pesquisa ao dizer que:

Ainda que seja uma situação realmente de ensino, o experimento didático possui uma condição que o faz ser uma situação de ensino especial, comparativamente às situações de ensino que ocorrem nas escolas. O experimento didático cria uma situação de ensino especialmente organizada para os fins da pesquisa. Ainda que mantenha, em si, vinculações com a escola e com a sociedade em geral, o experimento didático responde, em primeiro lugar, à necessidade da pesquisa e não à necessidade de ensino presente na situação escolar (NASCIMENTO, ano 2010, p. 119).

Sendo assim, organizamos o experimento pedagógico de maneira a atender o objetivo desta pesquisa, que se constituiu em investigar a relação entre a maneira como a cultura escrita é apresentada à criança e suas implicações no processo de apropriação apresentados por ela.

A metodologia experimental, embasada nos pressupostos do método da escola vigotskiana, representa uma alternativa de pesquisa nos estudos qualitativos, ao abordar as relações determinantes entre as atividades de ensino propostas, a maneira de organizar e desenvolver tais atividades, os recursos utilizados, a criação das necessidades e objetivos postos para o aluno no processo de ensino, as inter-relações entre o conhecimento que ele já possui e os que serão formados, os significados e sentidos atribuídos ao objeto apreendido, resultantes do processo em sua totalidade. Enfim, o experimento se constitui em uma metodologia que permite ampliar o foco da relação intrínseca entre professor e aluno, ao captar a complexa e dinâmica relação processual de ensino e aprendizagem.

Buscamos explicar, com fundamentos na Teoria Histórico-Cultural, o papel primordialmente importante que a atividade desempenha no processo de apropriação da cultura escrita em sua funcionalidade social, ou seja, como as crianças, partindo de atividades significativas, são capazes de perceber que a escrita significa o mundo e que a palavra nomeia e significa os objetos do mundo em toda a sua complexidade.

Diante do desafio de explicar como as crianças se inserem no universo da cultura escrita e, sobretudo, que significados elas lhe atribuem, estabelecemos o propósito de compreender como se dá a apropriação da cultura escrita durante o experimento pedagógico, nas atividades desenvolvidas.

O experimento pedagógico foi desenvolvido por meio de três fases inter-relacionadas: planejamento das atividades de intervenção em campo, execução das atividades planejadas e análise do processo de desenvolvimento do experimento.

Desenvolvemos o experimento por meio de seis atividades que envolvem a escrita e suas respectivas funções sociais, elaboradas a partir das necessidades e motivos desenvolvidos nas crianças e das condições postas. Os princípios epistemológicos nos quais as atividades foram estruturadas apoiam-se nas concepções da Teoria da Atividade de Leontiev (1994) e na Brincadeira de Papéis ou Jogo Protagonizado de Vigotski (2008) e Elkonin (2009), respectivamente.

Após a estruturação das seis atividades, foi realizada uma reunião com a equipe dirigente da escola-campo, em que a pesquisadora apresentou a proposta do experimento pedagógico e elucidou as dúvidas pertinentes apresentadas pela equipe. Essa reunião foi realizada em 20 de maio de 2013 e contou com a participação da diretora, da vice-diretora, da pedagoga e da professora regente da turma.

As atividades do experimento pedagógico foram organizadas e executadas obedecendo a uma sequência de realização e tiveram como suporte a primeira atividade, que denominamos Exploratória.

Na atividade exploratória, trabalhamos com grupos de quatro crianças. Nessas conversas informais as crianças foram incentivadas a expor suas ideias sobre a escrita. Tal atividade foi realizada no dia 22 de maio de 2013, e teve como roteiro norteador as questões que se seguem: O que é a escrita? Para quê a gente escreve? Onde encontramos a escrita?

Durante a realização da atividade, as crianças iam levantando suas hipóteses relativas às funções da escrita. Todo o processo foi audiografado e transcrito para posterior análise.

A segunda atividade, As Relações entre o Desenho e a Escrita, foi realizada em 29 de maio de 2013 e consistiu na realização de um desenho que representasse a escrita. Assim que cada criança ia terminando seu desenho, a pesquisadora solicitava-lhe que descrevesse o que havia desenhado. O objetivo era compreender a relação que as crianças estabeleciam entre o desenho feito e o objeto escrita. Todo o processo foi novamente audiografado para transcrição e posterior análise.

A terceira atividade, chamada de Brincando de Detetive: Caça à Escrita, foi realizada em 5 de junho de 2013 e teve como objetivo que as crianças, a partir de um passeio no entorno escolar, pudessem identificar os diferentes locais onde a escrita está presente, assim como reconhecer as funções sociais que desempenha em situações de uso. Durante a caça pela escrita, as crianças assumiram o papel de detetives, e assim que localizávamos um escrito, buscávamos solucionar o mistério em torno de seu significado. Nessa atividade, as crianças mostraram estar profundamente envolvidas, ao assumirem o papel de detetives com muito empenho, buscando resolver os enigmas apresentados pela escrita da melhor maneira possível. Mais uma vez a atividade foi audiografada para transcrição e posterior análise.

A quarta atividade - Os Escritos no Espaço Escolar - foi realizada em 8 de junho de 2013 e oportunizou às crianças a continuação do papel de detetive assumido na atividade anterior, em outro contexto, o espaço escolar. Assim como na terceira atividade, a proposta da quarta atividade consistiu em encontrar os escritos e desvendar seus significados e suas funções sociais. No processo de realização dessa atividade, as crianças se envolveram, mas, diferentemente da atividade anterior, não se sentiram entusiasmadas, possivelmente, porque no espaço escolar foram encontrados menos escritos, em proporção aos escritos do entorno escolar. Todo o processo de realização da atividade foi audiografado e transcrito para posterior análise.

A quinta atividade, chamada de O Jogo de Papéis: Brincando de Ser Professor, foi realizada em 12 de junho de 2013 e seu objetivo consistiu em desenvolver uma situação imaginária na qual as crianças foram desafiadas a utilizar a escrita como recurso mnemônico. Para isso, num primeiro momento da atividade as crianças assumiram o papel de alunos e a pesquisadora, o de professora. O desafio consistiu em escrever um bilhete informativo, a partir da leitura em voz alta do bilhete pela pesquisadora, registrando a mensagem da maneira que recordavam. Porém, assim que terminassem a escrita do bilhete, deveriam realizar a leitura do mesmo.

Em seguida, os papéis sociais se invertiam: a pesquisadora assumia o papel de aluna e a criança, o de professor. Agora, a criança no papel de professor deveria registrar a mensagem na lousa para que a pesquisadora, como aluna, copiasse seu conteúdo. Assim que terminava de registrar o conteúdo, a criança lia a mensagem registrada.

O processo de realização dessa atividade foi bastante significativamente produtivo, pois oportunizou o conhecimento dos diferentes níveis em que cada criança se encontrava na pré-história de sua escrita. Foi possível identificar, ainda, a mudança de comportamento das crianças em razão do papel social que elas assumiam no decorrer da brincadeira.

A sexta e última atividade, denominada Desempenho de Diferentes Papéis da Criança

no Uso da Escrita foi realizada com o objetivo de as crianças desempenharem diferentes

papéis sociais em que precisavam utilizar a escrita. Elas escolheram os portadores de texto que iam utilizar na brincadeira, o que direcionou a escolha de seus papéis.

Para a análise dos dados coletados recorremos aos princípios teórico-metodológicos de Vigotski (2010), que buscam compreender os processos intersubjetivos e intrassubjetivos do desenvolvimento humano, com uma abordagem orientada para a explicação dos significados levantados no processo de desenvolvimento das atividades com as crianças, sujeitos desta pesquisa. Foi realizada uma análise explicativa dos significados atribuídos pelas crianças à escrita e suas funções. Esses significados foram extraídos a partir das falas, das interações das crianças durante a realização das atividades, assim como seus gestos e ações.

Na análise aqui especificada, além das significações postas na linguagem verbal e não verbal (desenhos e gestos), analisamos, também, os indícios e pormenores coletados nas observações que evidenciaram como a escrita e suas funções sociais foram apropriadas por essas crianças.

Após termos apresentado a metodologia, passamos à análise das observações das atividades desenvolvidas em sala pela professora.