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As ondas de reorganizações

No documento Rodrigo Rocha Monteiro de Castro (páginas 72-76)

CAPÍTULO III. CLASSIFICAÇÃO E REGIME JURÍDICO DAS

2. As ondas de reorganizações

A literatura norte-americana costuma apresentar períodos na história econômica, marcados por ondas de “fusões e aquisições”. Tratam-se, quando analisadas tecnicamente, de reorganizações societárias, empresariais ou associativas (conforme indicadas no item 3.5 deste Capítulo III). Essas ondas coincidem ou são marcadas por fatores macro ou microeconômicos, como

políticas econômicas, reforma de marco regulatório, abundância de crédito e globalização (Thompson, 2010:4-5). A compreensão dos motivos que as originaram é fundamental para a ilação a respeito da motivação das reorganizações, sobretudo quando ocorrem em períodos determináveis e sob formas repetidas. A propósito, a citada literatura costuma catalogar ao menos cinco grandes ondas – estendendo-se, conforme certos autores, a seis – relacionadas a negócios de reorganização desde os anos 1890. Donald M. DePamphilis anota, sobre o tema, e de modo mais agudo, que:

[t]here are two competing explanations for this phenomenon. One argues that merger waves occur when firms in industries react to ‘shocks’ in their operating environments, such as from deregulation; the emergence of new technologies, distribution channels, or substitute products; or a sustained rise in commodity prices (…). The second argument (…) suggests that managers use overvalued stock to buy the assets of lower-valued firms (…). (2012: 13)

(i) Primeira onda – anos 189064. A primeira onda se define como a onda de consolidação horizontal. Conforme expõe Robert B. Thompson, passa-se nos anos 1890, como reflexo da expansão da macroempresa e de reformas legislativas que facilitaram os negócios dessa natureza. Antes, segundo o autor, fusões se sujeitavam à aprovação da totalidade dos acionistas de cada companhia, situação que se modifica com a introdução, nas normas societárias estaduais, de quóruns qualificados, geralmente representativos de 2/3 (dois terços) do capital, os quais, apesar de expressivos, relativizam o por vezes inatingível quórum totalitário65. Caracteriza-se pela realização de negócios horizontais resultando em concentrações nos setores de metal, transporte e mineração. Foi neste período, ainda, que J.P. Morgan criou a primeira companhia bilionária, a U.S. Steel, formada da associação de 785 companhias, das quais a maior era a Carnegie Steel (DePamphilis, 2012:14). Marca seu término especialmente a crise do mercado bursátil, em 1904.

(ii) Segunda onda – anos 192066. É marcada, de acordo com Donald M. DePamphilis, pela intensificação da concentração (increasing concentration). Decorre da entrada dos Estados Unidos na primeira grande Guerra e, nos anos 1920, da expansão econômica do período pós-

64 DePamphilis fixa esse período entre os anos 1887 e 1904 (2012:13).

65 No mesmo sentido: “M&A activity was spurred by a drive of efficiency, lax enforcement of the Sherman Anti-

guerra, e é interrompida com a crise de 1929. Também se caracteriza por negócios horizontais, intensificando a concentração em setores estratégicos. Durante esse período a inovação administrativa e empresarial, que dá origem ao surgimento de modelos eficientes de produção, justifica aquisições voltadas para o ganho de eficiência (Thompson, 2010:2). Marca o final dessa onda a crise de 1929 (assim como os reflexos do Clayton Act, de 1914, restringindo certas práticas monopolísticas).

(iii) Terceira onda – anos 196067. É a onda da conglomeração, conforme designação do mesmo autor. Inicia-se, segundo Robert B. Thompson, nos anos 1960, e se notabiliza pelo crescimento econômico sustentado e pelas aquisições hostis de controle, ambiente que culminou no

Williams Act, de 196868. Nesses anos de abundância, durante os quais se verificou o mais

longo período de crescimento ininterrupto até então na história do país, ocorreu um “record

price-to-earnings (P/E) ratios”. Assim, “[c]ompanies given high P/E ratios by investors learned how to grow earnings per share (EPS) through acquisition rather than through reinvestment” (DePamphilis, 2012:14). Donald M. DePamphilis aponta, como fatores para seu

término, “[t]he higher prices paid for the targets coupled with the increasing leverage of the

conglomerates, caused by ‘pyramids’ to collapse”. (2012:14)

(iv) Quarta onda – anos 198069. Trata-se da chamada era da contração (ou retrenchment era). Tem seu pico nos anos 1980 e reflete período de crescimento econômico, após os árduos momentos e crises dos anos 1970 e, sobretudo, o extremo liberalismo regulatório, marco da administração Reagan. Alguns fatores a caracterizam, como o breakup de importantes conglomerados e a proliferação das aquisições hostis (hostile takeovers) e dos chamados LBOs (leveraged buyouts), negócios estruturados com intensos endividamentos (Thompson, 2010:3). Aponta-se como termo final uma série de fatores, notadamente a redução do ritmo econômico

e a widely publicized LBO bankrupcies, assim como o esgotamento

da principal fonte desses negócios, os junk bonds.70

67 DePamphilis fixa esse período entre os anos 1965 e 1969 (idem).

68 Ato esse que reformou o Securities Exchange Act, de 1934, impondo obrigações para a parte responsável pela oferta de aquisição de controle.

(v) Quinta onda – anos 199071. Período notabilizado pelas strategic mega-mergers. A motiva os avanços tecnológicos e as oportunidades envolvendo negócios com “companhias promissoras”, geralmente dotadas de grandes ideias e capitaneadas por pessoas visionárias, mas com pouca receita ou lucro operacional (Thompson, 2010:3). A percepção de que se estava a entreter negócios ou realizar investimentos em companhias que, assim como o meio pelo qual ofereciam seus produtos, era virtual, põe fim à euforia e causa um colapso sistêmico, culminando na promulgação da Lei Sarbanes-Oxley, de 2002.

(vi) Sexta onda – anos 2000. Ao contrário de Robert B. Thompson, que cataloga cinco grandes ondas, Donald M. DePamphilis sugere mais uma, entre os anos 2003 a 2007. Seria a onda do renascimento de negócios alavancados (the birth of leverage) e dos investimentos transitórios, produzidos pelos fundos de private equity. Como explica o autor, os negócios ganham complexidade, pela proliferação de “complex securities collateralized by pools of debt and

loan obligations of varying levels os risks”. E continua, sobre as características dessas

estruturas: “[m]uch of the financing of these transactions, as well as mortgage-backed security

issues, has taken the form of syndicated debt (i.e., debt purchased by underwriters for resale to the investing public)” (2012:15). O declínio dessa onda tem início com o crescente

inadimplemento de mutuários e credores de instituições financeiras, culminando na crise financeira americana de 2007 e, sob sua influência, mundial (2012:16).

2.1. Elementos de conexão

A doutrina americana, ao identificar nesses últimos 130 anos padrões de condutas recorrentes, pretende criar uma teoria evolutiva e estabelecer as bases para o surgimento de uma teoria geral das reorganizações. Marcando-se, no tempo, esses períodos, podem-se observar as semelhanças e diferenças nos anos antecedentes e nos anos durante o próprio intervalo histórico, e inferir conclusões passíveis de validação científica. Os motivos de surgimento e desaparecimento, de cada um desses períodos, apresentam substrato relevante e instrutivo, que permite a antecipação de novas ondas e suas possíveis consequências.

Apesar de cada período apresentar características únicas, a principal delas sendo o menor

desenvolvimento tecnológico em relação ao posterior, e a própria premissa evolutiva do capitalismo, que somente se sustenta sobre bases constantes de crescimento, há sinais internos e externos recorrentes, passíveis não apenas de catalogação como de sistematização pela ciência. E, sob enfoque pragmático, de manipulação por agentes capazes de ler o início do surgimento de fatores recorrentes em ondas pretéritas, antecipando as tendências inerentes a essas situações.

Donald M. DePamphilis aponta três indícios, costumando ocorrer em períodos de: (i) crescimento sustentável da economia; (ii) baixa ou de tendência redutora de taxa de juros; e (iii) pujança do mercado bursátil. Esses indícios indicam, somente, a possibilidade de surgimento de novas eras, mas pouco dizem sobre suas características intrínsecas. Com efeito, olhando para as ondas catalogadas, fatores micro ou macroeconômicos estimulam movimentos similares dentro delas, como se atraídos por força única. Assim, se cada negócio é único e oferece seus elementos exclusivos, tendem a seguir, extrinsecamente, características plurais. A primeira onda, por exemplo, caracteriza-se pelos negócios horizontais, visando à concentração de mercados relevantes; a terceira, pela conglomeração; a quinta, pelos strategic mega-

merger; e, a sexta, pelos investimentos transitórios.

A antecipação da onda seguinte (e de seu sentido) proporciona importante vantagem aos agentes que a realizam. Aliás, “the stock market rewards firms that see and act on promising

opportunities early and punishes those that merely imitate. Those pursuing these opportunities early on pay lower prices for target firms than do the followers” (2012:19).

No documento Rodrigo Rocha Monteiro de Castro (páginas 72-76)