• Nenhum resultado encontrado

As Orações Pseudorrelativas Modalizadoras em Língua Portuguesa: descrição

2 A ORAÇÃO RELATIVA NAS GRAMÁTICAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

5.2 Procedimentos Metodológicos

5.2.1 As Orações Pseudorrelativas Modalizadoras em Língua Portuguesa: descrição

As orações relativas são orações que exercem a função de modificadores de um núcleo nominal, por isso também chamadas de orações adjetivas pela tradição gramatical.

De acordo com pesquisas na área de Sociolinguística, conforme já explicitamos no Capítulo III, em Língua Portuguesa, as pesquisas registram atualmente três tipos de construções relativas: uma padrão e duas não-padrão, denominadas relativa copiadora e relativa cortadora, conforme exemplos aqui retomados:

(1) Achei o livro de que preciso. (2) Achei o livro que eu preciso dele. (3) Achei o livro que preciso.

No exemplo (1), tem-se a ocorrência da relativa padrão. E nos exemplos (2) e (3), as relativas ditas copiadora e cortadora, respectivamente.

Uma das características da oração relativa é o fato de esta apresentar um pronome relativo, o qual exerce uma função sintática na oração em que se encontra. Nos três exemplos acima, o pronome que cumpre, em termos da nomenclatura oficial (NGB), a função sintática de objeto indireto.

Alguns gramáticos tradicionais - Dias (1918), Pereira (1952) e Bechara (1999) chamam a atenção para a ocorrência particular de um outro tipo de construção relativa em que

“o pronome relativo” exerce função sintática na oração substantiva que, na suposta oração adjetiva, encaixa-se, tal como se ilustra com o exemplo de Bechara também retomado a seguir:

(4) Ali está o homem que eu pensei que tivesse desaparecido.

Segundo o gramático, o pronome relativo que que inicia a oração que eu pensei leva o leitor (ou ouvinte) a uma falsa classificação: caracterizá-la como adjetiva; porém, por não exercer nela função sintática, não lhe pertence, mas sim à oração substantiva subsequente

que tivesse desaparecido. Por ter um caráter de adjetiva, e não o ser, de fato, é que designamos tais expressões como pseudorrelativas, constituindo, assim, nosso objeto de pesquisa.

Essa construção, afirma Bechara, é correta e coerente. A dificuldade está em enquadrá-la nos processos tradicionais e estruturais de análise sintática. Em geral, ela só ocorre com oração subordinada substantiva. O referido operador, na análise de Bechara, é chamado de

relativo universal por ser um simples transpositor oracional. Isto é, a referencialidade desse constituinte parece opaca, pois o “pronome” é utilizado como conectivo semelhante à conjunção que. Entretanto, ele parece conservar a propriedade mais inerente de um pronome relativo, a de retomar um termo anterior: é por meio dele que recuperamos semanticamente o referente “o homem”, elemento pertencente sintaticamente à oração substantiva “que tivesse desaparecido”, exercendo nesta a função sintática de “sujeito”.

O que nos chama a atenção nesse uso é que ele parece motivado pela introjeção de uma predicação modalizadora que subverte a sintaxe da predicação que a “hospeda”. Prova disso encontra-se nos tipos de verbos frequentemente utilizados, que são verbos de cognição (pensar, ver), de percepção (parecer) ou de elocução (dizer, afirmar).

Dias (1918) e Pereira (1952) apresentam uma construção semelhante à que se analisa neste estudo. Em suas descrições, como já mostrado no capítulo I desta pesquisa, o pronome relativo introduz uma oração adjetiva, ao mesmo tempo em que pertence à oração subsequente, desempenhando, nesta, uma função sintática. Isso indica que tal fenômeno não constitui realidade recente, pois, como podemos ver, já é apresentado em gramáticas do início do século XX, como é a gramática de Dias (1918). O que supomos é que gramáticos e linguistas, em geral, parecem ter ignorado tal fenômeno, que só voltou a ser contemplado em Bechara (1999).

Como já explicamos na Introdução deste trabalho, essa construção foi discutida por Trindade (2009), em um trabalho que privilegia sua descrição geral, constituindo, logo, um estudo mais qualitativo sobre o fenômeno. Nosso presente trabalho trata-se, portanto, de um

estudo, além de qualitativo, quantitativo e diacrônico, ou seja, mais aprofundado e que, a nosso ver, é de grande importância acadêmica.

Começamos pela identificação do que estamos chamando de orações pseudorrelativas modalizadoras. Em nossa pesquisa, foram registradas como ocorrências de orações pseudorrelativas modalizadoras as construções que apresentam a seguinte estrutura:

(196) Antecedente (que + (Arg 1) + Predicado encaixador + (que) + Oração

substantiva)198

A ocorrência deve apresentar o QUE (ou demais variantes) exercendo uma função sintática na oração substantiva que se apresenta como Argumento 1 ou 2 do verbo encaixador (modalizador), que aponta a atitude subjetiva do enunciador frente ao conteúdo enunciado, semelhante ao exemplo de Bechara já apresentado:

(4) Ali está o homem que eu pensei que tivesse desaparecido. (que + Arg 1 + Predicado encaixador + (que) + Oração substantiva)

(que) (eu) (pensei) (que) (tivesse desaparecido)

O Argumento 1 do predicado encaixador pode manifestar-se morfologicamente, como exemplificado em (4), ou não, ficando, neste caso, elíptico ou mesmo indeterminado, como exemplificado em (198) e (199), respectivamente:

198 A princípio, acreditávamos que a oração substantiva encaixada era exclusivamente objetiva direta, logo,

Argumento 2 dos verbos modalizadores. Entretanto, encontramos em nossos dados casos em que ela desempenha

a função sintática de sujeito do verbo modalizador, portanto, Argumento 1. Tais fatos foram exclusivamente com o verbo parecer. Nessas circunstâncias, a posição Arg 1, identificada em (196), é ocupada pela própria oração substantiva. Em sendo assim, a estrutura muda um pouco:

(196a) Antecedente (que + Predicado encaixador + (que) + Oração substantiva) Vejamos um exemplo:

(197) Alguũſ delleſ tẽ em grandeza dez paſſoſ.oſ q~eſ pareçẽ jazer. & acerca delleſſom poſt’ outr’peqñoſ q parece q~ lhe fazẽ reuerẽcia. (p. 59) (LNV-BNP)

“Alguns deles tem em grandeza dez passos que parecem jazer e acerca deles são postos outros pequenos que parece que lhe fazem reverência”.

(198) Em verdade eſtasſom couſas maravilhoſas que vemos as pedras precioſas

e as eſpecias aromáticas vijr a mercar nos voſſos regnos. aqueles que

vendendoas a todo ho mundo fartauam (p. 10) (LNV – BNP)

Tradução: “Em verdade estas são coisas maravilhosas que vemos as

pedras preciosas e as espécies aromáticas vir a marcar nos vossos reinos aqueles que as vendendo faltavam a todo mundo”.

(199) chegaram-me a levar à bruxa, a essas senhoras que dizem que fazem...

magias negras e não sei quê (UMD – CLUL)

No exemplo em (198), temos o Argumento 1 da forma verbal encaixadora vemos como elíptico ou desinencial, nos termos da GT, ao passo que, no exemplo (199), ele se classifica como indeterminado.

Com relação à oração substantiva encaixada – que desempenha a função sintática de Argumento 1 ou de Argumento 2 do verbo encaixador –, esta pode estruturar-se de forma desenvolvida, como se observa no exemplo já citado em (199), ou de forma reduzida, como exemplificado em (200), em que temos o verbo da oração substantiva no infinitivo pessoal

serem infundadas:

(200) Nele se depositam, pois, muitas esperanças, que ninguém dirá serem

infundadas.” (p. 19) (LO – BNP)

Nesse exemplo, continuamos constatando que o item QUE anterior à oração pseudorrelativa modalizadora não desempenha função sintática com relação à forma verbal

dirá, predicado encaixador; e, sim, com relação à forma verbal da oração substantiva encaixada serem. Esse é o motivo pelo qual registramos dados como esse como integrantes de nosso

corpus de ocorrências.

Uma construção semelhante a essa do exemplo (200) foi encontrada nos textos, porém, não a consideramos exemplo de oração pseudorrelativa modalizadora. Vejamos:

(201) ... e o dinheiro... quer dizer... é curto... então não dá pra pagar tudo que

eu tenho que pagar antes de viajar... (D2 – RJ 355: 1495 – 1500)

Em exemplos como o de (201), podemos, à primeira vista, classificá-los como um tipo de pseudorrelativa modalizadora reduzida, semelhante ao exemplificado em (200). Entretanto, não seria verdadeira essa categorização, visto que se trata de uma locução verbal com o verbo ter: eu tenho que pagar [...]. Em sendo assim, o pronome relativo QUE desempenha função sintática na oração imediatamente subsequente a ele, já que retoma o pronome indefinido tudo na locução verbal tenho que pagar, opondo-se, portanto, ao critério principal que identifica uma pseudorrelativa modalizadora: o fato de o item QUE não desempenhar função sintática na oração que introduz, mas na oração subsequente, encaixada. Em virtude disso, não integram o nosso corpus de ocorrências exemplos como o de (201).

Tal como esse, também foram encontrados exemplos que, sem um olhar mais atencioso, poder-se-iam categorizar como pseudorrelativas modalizadoras. Observemos:

(202) Tal é a lenda que, não sei, tenha sido produzida pelos nossos folcloristas.

(p. 70) (MGI – BNP)

(203) O nosso Garcia Lopes, [...], não acreditava houvesse quem se lhe avantajasse, tirante os professores de Salamanca que, ouvia dizer,

excediam os antigos catedráticos[...](p. 126) (AL – BNP)

Os exemplos em (202) e em (203) trazem expressões que denunciam a subjetividade do enunciador frente ao conteúdo enunciado, tal como faz uma oração pseudorrelativa modalizadora. Todavia, essa subjetividade é marcada pela introdução de uma oração intercalada, não sei em (202), e ouvia dizer em (203). Por serem intercaladas, elas não integram sintaticamente a construção em que se apresentam. Em virtude disso, também não registramos, em nosso corpus de ocorrências de pseudorrelativas modalizadoras, exemplos como esses.

Identificados os casos que se consideram ou não pseudorrelativas modalizadoras, passamos, a seguir, ao detalhamento dos critérios de análise estabelecidos.