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Para situar o surgimento das ONGs no Brasil, tomamos como base a análise histórica elaborada por Gohn (2005, p. 89), a qual coloca que as ONGs, ao longo do tempo, vêm assumindo contornos distintos. Nos anos 1970 e 1980, eram instituições de apoio aos movimentos sociais, relacionavam-se com alguns setores progressistas de instituições religiosas e ajudaram a construir um campo democrático popular. “Eram ONGs cidadãs, movimentalistas e militantes” .

Os anos 1990 e as mudanças no contexto político trouxeram novas perspectivas para a ação das ONGs, com reflexos sobre os processos de construção de suas propostas de ação. A reforma do Estado e a revisão de seu papel na implementação de políticas públicas conduziram os governos a buscar parcerias com a sociedade civil para a condução de diversos projetos. Surgiram outras entidades do Terceiro Setor (mais articuladas a empresas e fundações) ao lado das ONGs cidadãs, movimentalistas e militantes. As ONGs foram estimuladas a cooperar em ações conjuntas, de diversos tipos e objetivos, conduzindo a um processo de discussão sobre temas, como o caráter a ser assumido pelas propostas não-governamentais e suas institucionalidades no contexto de crescente interação com a gestão pública de políticas sociais (GOHN, 2005; LANDIM, 1998; FERNANDES & CARNEIRO, 1994).

Nesse período, as ONGs, principalmente a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (CNUCED), realizada no Rio de Janeiro em 1992,

intensificaram a sua participação junto aos movimentos sociais na apresentação de suas demandas, o que fortaleceu as suas reivindicações. Outro acontecimento marcante nesse período, e que vem a reforçar a ação das ONGs, foi a criação, em 1991, da Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais (ABONG). Esta ampliação do seu trabalho, a busca por uma maior visibilidade de suas ações e as mudanças em seus objetivos e estratégias também estiveram associadas à gradual superação da falta de interlocução com o Estado, em todos os seus níveis. Este processo de aproximação entre as ONGs e o poder público culminou, no final da década de 90, no desenvolvimento do marco legal de atuação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público- OSCIP, com a lei sancionada em março de 1999 (ABONG, 2005).

A OSCIP se constitui, assim, em um instrumento para viabilizar o repasse de serviços públicos para a sociedade civil, em parceria com o Estado, através de um Termo de Parceria, nas áreas de serviços sociais, culturais, de pesquisa científica e tecnológica e proteção ambiental. Nesta Lei (BARRETO, 1999), identificam-se dois objetivos centrais: a) normalizar a relação da sociedade civil organizada com o Estado e b) estimular o crescimento do Terceiro Setor no Brasil .

As mudanças que ocorreram no campo das ações não-governamentais voltadas ao desenvolvimento social estiveram inseridas em uma conjuntura mais ampla, conforme a discussão já colocada sobre a sociedade civil e o Terceiro Setor. Por um lado, o próprio Estado, no contexto das reformas macro-econômicas neoliberais – iniciadas no governo Collor a partir de 1990 – buscou e estimulou a participação da sociedade civil na execução de políticas públicas, diante de um quadro de redução da ação estatal e de revisão de seu papel na promoção do bem-estar social. Por outro lado, e de maneira reativa a este contexto, os próprios agentes da esfera pública não-estatal, redefiniram seus objetivos e imaginaram-se na perspectiva de uma democratização radical da gestão pública, para a qual deveriam contribuir com o considerável arsenal de alternativas na promoção do desenvolvimento que acumulavam (BOCAYUVA, 1999).

Reilly (1994), baseado em uma série de estudos de caso sobre essa temática, em diversos países latino-americanos, realizados no início dos anos 1990, argumenta que, diante das transferências de responsabilidades dos governos centrais aos governos municipais e da falta de estrutura local para a execução de ações, alguns governos municipais passaram a contratar os serviços de ONGs e delegaram aos movimentos

sociais determinados serviços. Era a alternativa que lhes faltava para enfrentar a falta de recursos e de infra-estrutura que, de um modo geral, caracterizava os governos locais. Tanto as ONGs, quanto os movimentos sociais passaram a assumir a gestão pública como um tema diretamente vinculado a sua atuação, rompendo com a tradicional postura anti-Estado.

Nessa conjuntura, as ONGs perceberam a necessidade de reconstruir seus formatos e estratégias institucionais. O desafio seria preservar, de algum modo, as características que compunham seu perfil histórico que as posicionava, criticamente, em relação aos modos de intervenção estatal diante dos novos “patamares de eficiência organizacional, transparência e responsabilidade pública” exigidos pelo contexto de redução da atuação do Estado (ARMANI, 2001, p. 25). Analisando esta questão, a partir do estudo de seis casos de parcerias entre ONGs e governos, Teixeira (2002, p.121) afirma que:

Os medos de cooptação, de perda de autonomia, da manipulação dos governos, são comuns aos discursos destas organizações que, mesmo com todos estes receios, se lançaram na arriscada aventura de encontros com órgãos governamentais, acreditando que as políticas públicas precisam ser feitas “em parcerias” com a sociedade civil e que o conhecimento produzido e acumulado por elas precisa e pode ser socializado.

No campo da educação, as Organizações Não Governamentais surgem nos anos 1960 e 1970, constituídas por pessoas vinculadas a setores progressistas da Igreja, aos partidos políticos e às Universidades, tendo como objetivo o trabalho social junto aos setores mais pobres da população brasileira. Esse trabalho buscava uma intervenção concreta na realidade, visando transformá-la em uma sociedade mais justa. Neste sentido, a prática educativa era, ao mesmo tempo, uma prática de organização e mobilização da sociedade, constituindo-se em um trabalho militante. Nesse período, os trabalhos dessas organizações eram absolutamente desligados dos processos oficiais, ou seja, dos sistemas públicos de ensino, e quase exclusivamente voltados ao apoio das pastorais sociais da Igreja Católica. Os processos educativos sofreram grande influência das idéias de Paulo Freire (HADDAD, 2002).

No final da década de 1970 e início de 1980, houve mudanças no trabalho educativo decorrentes do crescimento de trabalhos sociais, no campo da sociedade civil, para além das pastorais da Igreja Católica. O trabalho das ONGs incorporou também os

movimentos sociais e populares e avançou além das questões materiais de produção e reprodução da vida para os temas referentes ao plano cultural e simbólico. Ao lado disso, outro fator que influenciou o trabalho educativo das ONGs foi a luta pela construção de um ensino público de qualidade para a maioria da população. Essa luta fazia parte da agenda dos movimentos sociais e do próprio Estado, tendo em vista o fato de muitos atores sociais ligados às ONGs e aos movimentos sociais, os quais desenvolviam trabalhos de Educação popular, terem ido trabalhar em “governos populares”, no sistema público de ensino (HADDAD,2002; GOHN,2005).

Nos últimos anos, no Brasil, no âmbito da sociedade civil, as Organizações Não- Governamentais vêm ganhando relevo no campo da educação, assumindo responsabilidades por ações antes nas mãos do Estado. Críticos das ONGs, e, mais genericamente, do Terceiro Setor, apontam para o fato de que sua atuação tem contribuído para que o Estado se desobrigue da intervenção nas políticas sociais. No entanto, segundo Guará:

Na América Latina, e particularmente no Brasil, as ONGs contribuíram para a reconstrução de um conceito de sociedade civil menos centrado na questão do indivíduo, mais direcionado para os direitos coletivos, alargando o espaço público no interior da sociedade civil para construir a cidadania e democratizar o acesso dos cidadãos às políticas públicas. Foi no espaço das ONGs que a educação popular pôde se por à prova e muitos de seus ensinamentos são hoje incorporados às políticas públicas (GUARÁ, 2005, p. 34).

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