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A discussão sobre comunidade como um espaço componente da sociedade civil e a participação torna-se fundamental para entendermos a questão da democratização da educação. Para tanto, tomamos como referência básica a comunidade como um princípio de regulação social em lugar do princípio do Estado e do mercado, conforme é proposto por Santos, que, ao ressaltar a emergência do terceiro setor como terceiro pilar da regulação social da modernidade ocidental, afirma que o “princípio da comunidade” consegue destronar os outros dois pilares, “o princípio do Estado e o princípio do mercado”. O princípio da comunidade é considerado por esse autor como uma representação inacabada da modernidade no domínio da regulação. É o princípio que conseguiu permanecer imune à colonização da ciência moderna e, portanto, mais

próximo à racionalidade estético-expressiva, no domínio da emancipação (SANTOS, 1999, p.252).

Para Santos, o “princípio da comunidade” baseia-se em valores, tais como cooperação, solidariedade, participação, eqüidade, transparência e democracia interna. Diferentemente do princípio do Estado, “o princípio da comunidade afirmava a obrigação política horizontal e solidária de cidadão a cidadão”. Para esta análise, Santos invoca Rousseau como o patrono do princípio da comunidade e considera que a posição do mesmo sobre esta questão está bastante atualizada. Rousseau considerava a comunidade como um todo, e Santos afirma que é como um todo que esta deve ser salvaguardada. Ao lado disso, Rousseau propunha que as associações fossem pequenas e que evitassem desigualdades de poder entre elas, para impedir a transformação deste Terceiro Setor em uma fonte do corporativismo (SANTOS, 1999, p.252).

A comunidade tem sido uma categoria central, no Brasil, a partir dos anos 1970. Tornou-se como “um princípio político organizativo das camadas populares na luta por seus direitos sociais e econômicos”, sendo conhecida como o que se denominava à época de “comunidade organizada”. A partir da metade dos anos 1980, tendo em vista as mudanças de ordem política e econômica, no plano nacional e internacional, foram surgindo novos significados para a comunidade, o que, segundo Gohn (2005, p.54):

Não se trata mais de um espaço exclusivo da sociedade civil, e nem de um campo aberto ao exercício das políticas públicas estatais, planejadas, coordenadas e executadas pela ação governamental. Trata- se de um campo multifacetado, constitutivo de uma esfera pública em que se articulam diferentes atores sociais que desenvolvem programas sociais, criando redes societárias e um novo tipo de associativismo civil comunitário. Este associativismo comunitário é composto de uma multiplicidade de agentes e atores sociais dentre os quais se destaca o chamado Terceiro Setor (ONGs, organizações de assistência social, fundações sociais de empresas privadas), as universidades – agora vistas como parceiras do desenvolvimento local, setores governamentais, algumas alas de sindicatos, diferentes fóruns sociais, e alguns poucos movimentos sociais remanescentes da década de 80 ou que foram criados nos anos 1990.

Gohn (2005) considera, de forma similar a Santos, que buscar o termo comunidade é trazer algo que foi perdido, que não foi visibilizado na sociedade capitalista como uma questão importante, pois o que prevalece são os princípios do Estado e do mercado. O termo ‘comunidade’ surge como um desejo, uma aspiração,

desejo este presente no imaginário semiconsciente das pessoas. Neste sentido, Bauman afirma que, na atualidade, “a comunidade passou a ser sinônimo de segurança, na busca de um paraíso perdido” (BAUMAN, 2003, p. 9).

Em referência feita por Gohn a Cohen sobre a revisão elaborada por este autor em relação ao conceito de comunidade nos clássicos (Tönnies, Simmel, Durkheim e Weber) entre outros, esta destaca que :

Ele não seria oposto ao de sociedade (vista como a modernidade), mas complementar a mesma. Ele analisa as relações de parentesco que são criadas no mundo urbano contemporâneo, especialmente nas grandes cidades, entre comunidades de imigrantes. Cohen focaliza os relacionamentos de grupos, por meio da cultura de pertencimento desses grupos, examina os laços tecidos entre comunidades de afeto, de ajuda mútua, os símbolos e valores que compartilham. Ele conclui que comunidade é uma entidade simbólica, não necessariamente dada por laços de parentesco ou fronteiras físicas; a comunidade é uma trama que possui sistema de valores e um código moral que proporcionam a seus membros um senso de identidade, em que ocorre um processo de nomeação do grupo, de agrupamento, estruturação, construção de sentidos e significados (GOHN, 2005, p.56).

Essa discussão deve ser considerada na perspectiva de ampliação do espaço público estatal para o âmbito da sociedade civil, ou seja, a constituição de um “espaço público não estatal” para a formulação e gestão das políticas públicas, embora o Estado seja, ainda, um componente privilegiado, conforme coloca Santos (1999, p.266). Esse espaço público deve tomar uma dimensão aberta, plural, e, por ser público, deve, segundo H. Arendt (1999, p. 59), “significar tudo o que pode ser visto e ouvido por todos (…). Onde todos vêem e ouvem de ângulos diferentes”, ou seja, este espaço público não estatal deve ser entendido em uma perspectiva democrática. Assim sendo, a democratização desse espaço público só poderá ocorrer se houver, simultaneamente, uma democratização do Estado e da sociedade civil, de acordo com o que explicita Santos ( 1999, p.266):

Só uma reforma simultânea do Estado e do terceiro setor, por via de articulação entre democracia representativa e democracia participativa, pode garantir a eficácia do potencial democratizante de cada um deles ante os fascismos pluralistas que se pretendem apropriado espaço público não-estatal. Só assim os isomorfismos entre o Estado e o terceiro setor – tais como a cooperação, a solidariedade, a democracia e a prioridade das pessoas sobre o capital – poderão ser credibilizados politicamente... É preciso, diz Santos: refundar democraticamente a administração pública e refundar democraticamente o terceiro setor.

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