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4 O PRONERA NO MARANHÃO

4.3 Os projetos do PRONERA no Maranhão: desafios da conquista

4.3.2 As parcerias firmadas

O PRONERA tem no Princípio da Parceria um dos pilares que rege a sua gestão e operacionalização. Esse modelo participativo, guardando coerência com os princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e, na esteira da reforma do Estado, norteada pela racionalidade administrativa, vem se consolidando nas políticas educacionais do Brasil desde a década de 90 e início deste século. A partir de então, diversas e variadas ações passaram a ser executas através de parcerias que se efetivam pelo interesse recíproco e mútua responsabilidade das instituições e organizações envolvidas requerendo, não sem conflitos e embates, que atribuições sejam assumidas coletivamente.

No Maranhão, durante os 15 anos de desenvolvimento do PRONERA, as instituições públicas de ensino, com o auxílio de suas respectivas fundações de apoio e os movimentos sociais/sindicais do campo, foram os principais parceiros do INCRA para a realização dos projetos educacionais.

Tabela 5 – Instituições parceiras

Movimentos sociais e sindicais demandantes

Instituições públicas de ensino Fundações de Apoio

MST FETAEMA ASSEMA ACONERUQ CCN UFMA/COLUN79 IFMA (CEFET/ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO LUIZ)80 UEMA MEB81 FSADU FUNCEMA FACT FUNDAÇÃO JOSUÉ MONTELLO

Fonte: INCRA/Superintendência Regional do Maranhão. Tabela elaborada pela pesquisadora.

No âmbito do PRONERA, as instituições de ensino têm como atribuições principais a elaboração dos projetos pedagógicos e o desenvolvendo das atividades de seleção, acompanhamento, avaliação e certificação dos educandos. Elas também assumem a função de selecionar todos os recursos humanos

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A maior parte dos projetos desenvolvidos pela UFMA conta com o apoio pedagógico do COLUN. 80

No decorrer do texto, optamos por usar a nomenclatura atual do Instituto Federal do Maranhão, sinalizando os casos em que a parceria tenha sido celebrada anteriormente em nome do CEFET ou da Escola Agrotécnica Federal de São Luiz.

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Proponente de um convênio celebrado ao final do exercício de 2013, após chamada pública divulgada pelo INCRA, visando a alfabetização e escolarização no Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) de 1.200 educandos dos municípios de Açailândia, Bom Jardim, Bom Jesus das Selvas, Buriti, Coelho Neto, Duque Bacelar, Itapecuru Mirim, Nina Rodrigues, Presidente Vargas, Vargem Grande, Igarapé do Meio, Monção, Governador Newton Belo, Pedro do Rosário, Lagoa Grande, São Roberto e Buriticupu.

necessários à execução dos projetos (coordenador-geral, pedagógico, professores, monitores, técnicos de apoio e coordenadores-locais), capacitando-os segundo os princípios metodológicos do Programa. Nos primeiros cursos desenvolvidos, acumularam ainda a função de elevar o nível de escolaridade das pessoas selecionadas para atuarem como alfabetizadoras, dada a carência de profissionais habilitados para a docência nos assentamentos de Reforma Agrária.

Gráfico 3: Número de matrículas e nível de escolaridade ofertado, por instituição de ensino - 1999- 2013

Fonte: INCRA/Superintendência Regional do Maranhão. Gráfico elaborado pela pesquisadora.

É relevante destacar que todos os cursos do PRONERA/MA foram realizados através de instituições de ensino referenciadas no estado, com reconhecido histórico na oferta de educação pública. Ainda assim, é fato constatável que tanto na UFMA, quanto no IFMA e na UEMA, as parcerias se efetivaram mais por envolvimento pessoal de determinados professores e funcionários comprometidos e engajados às lutas camponesas, geralmente articulados a programas de extensão e grupos de pesquisa, não estando (a parceria) realmente institucionalizada. Isto se reflete em dificuldades e empecilhos para a tomada de decisões ou mesmo em morosidade para a resolução dos problemas que ocorrem durante o desenvolvimento dos projetos, impedindo uma tramitação e solução mais ágil dentro dessas instituições.

Deste modo, tanto o fortalecimento da interlocução no interior das instituições já parceiras, como o envolvimento de forma mais sistemática e co-

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000

EJA(anos iniciais) Ensino Médio Ensino Superior Pós-Graduação

responsável das secretarias municipais e estadual de educação, seriam de fundamental importância para a ampliação das ações do Programa.

Cumpre ressaltar que até o ano de 2007, para que os convênios fossem celebrados junto ao INCRA, havia a exigência de que as fundações de apoio vinculadas a cada uma das instituições de ensino figurassem como proponentes, assumindo a função de gerenciar os recursos orçamentários descentralizados, mediante uma contrapartida mínima exigida pela legislação.

No Maranhão, a participação das fundações de apoio deu-se por meio da atuação da FSADU, com a interveniência da UFMA e do IFMA (CEFET); da FUNDAÇÃO JOSUÉ MONTELLO, em um projeto também desenvolvido pela UFMA; da FACT, exclusivamente nos projetos executados pela UEMA; e da FUNCEMA, juntamente ao IFMA (CEFET/ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO LUIZ).

Entretanto, após a publicação do Decreto 7.352/2010, as formas de parceria foram ampliadas e a exigência da presença das fundações de apoio restou vencida:

[...] o Incra celebrará contratos, convênios, termos de cooperação ou outros instrumentos congêneres com instituições de ensino públicas e privadas sem fins lucrativos e demais órgãos e entidades públicas para a execução dos projetos no âmbito do PRONERA. (BRASIL, 2010, p.03).

Considera-se este um momento emblemático no percurso do PRONERA por ampliar as possibilidades de novas parcerias. Porém, ao mesmo tempo, ele se insere cada vez mais, especialmente através da publicação de editais e chamadas públicas, na lógica do mercado e na lei da oferta e procura de parceiros, acenando para novas formas de participação dos movimentos sociais e sindicais que se afastam, gradativamente, do lugar de protagonismo exercido nos primeiros anos do Programa, onde se fazia necessário até mesmo o consentimento formal dessas entidades representativas dos trabalhadores rurais (através de uma Carta de Aceite) para que o projeto pedagógico pudesse ser encaminhado ao INCRA, conforme observamos nos processos.

É necessário registrar que o MST, a FETAEMA, a ASSEMA e mais recentemente, a ACONERUQ e o CCN, movimentos sociais ou sindicais expressivos, tendo histórias de lutas e importantes contribuições com a causa dos trabalhadores rurais do Maranhão, mesmo com níveis diferentes de envolvimento no

Programa82, participaram não somente indicando as demandas educacionais das áreas de Reforma Agrária. Pode-se afirmar que eles foram articuladores entre os parceiros, trouxeram os seus conhecimentos prévios e o aprendizado acumulado ao longo das lutas sociais, acrescentaram grande capacidade de confronto com o saber sistematizado contribuindo com a produção de novos princípios, foram responsáveis pela organização e incentivo aos educandos, atuantes na resolução de problemas estruturais nos polos de escolarização e nos espaços que serviram de sala de aula nos assentamentos.

Podemos inferir que a postura dessas entidades, como sujeitos de direitos a exigir a efetivação de políticas educacionais no campo, bem como sua atuação, seja pressionando, dialogando, mobilizando-se (ora contra, ora junto ao Estado), tem conferido identidade ao PRONERA, sendo eles decisivos para o desenvolvimento dos cursos.

No entanto, importa ressaltar que durante a trajetória deste Programa, essa participação ativa dos movimentos sociais/sindicais sempre fora alvo de questionamentos, seja da imprensa83, do alunado ou, mais recentemente, dos órgãos de controle, a exemplo do Tribunal de Contas da União que através do Acórdão n° 2.653/2008, os considerou “entes estranhos à administração pública”.

Tal decisão afetou significativamente a gestão do PRONERA, posto que uma das intencionalidades marcantes da mobilização e entrada dos camponeses na luta pelo direito à educação estava em disputar os espaços de produção do conhecimento, afirmando seu papel contra-hegemônico no debate sobre o desenvolvimento do país, bem como o lugar do campo e da agricultura familiar nesse novo projeto, intencionalidade que necessariamente se fortaleceu com a ampla participação e com os resultados alcançados pelo Programa.

Tal posicionamento, de acordo com Mészáros (2005, p. 45), retrata que:

82 É preciso reconhecer que para alguns movimentos sociais a “educação” caminha junto com a luta por terra há muitos anos, a exemplo do MST, onde “as cercas do latifúndio, do capital e da ignorância” (Stédile, 2005) são consideradas responsáveis pela marginalização e degradação dos homens e mulheres do campo. É inegável o papel atuante e decisivo deste movimento na articulação Por Uma Educação do Campo, na construção teórica de um novo marco conceitual adequado à realidade camponesa, assim como na criação do PRONERA.

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Vide matéria do jornal O Estado de São Paulo, “A União financia Universidade para quadros do Movimento sem Terra”, de 27 de julho de 2008, e da revista Época “Cota para os amigos”, edição 528, de 30 jun. 2008, onde são questionados os “privilégios” dos movimentos sociais através dos cursos do PRONERA.

Esperar da sociedade mercantilizada uma sanção ativa - ou mesmo mera tolerância - de um mandato que estimule as instituições de educação formal a abraçar plenamente a grande tarefa histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência humana seria um milagre monumental.

Ademais, cabe destacar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394/1996, ao afirmar a gestão democrática do ensino público, define, em diversos artigos, como esta gestão deve acontecer, incentivando claramente a participação da sociedade civil:

Art. 12 - Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola.

Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Do mesmo modo, a Resolução CNE/CEB nº 02/2008, já reportada no capítulo anterior, reafirma nos seus arts. 9º, 10 e 11, o direito dos sujeitos do campo organizados em movimentos sociais de participarem das decisões concernentes à efetivação dos processos educacionais.

Porém, mesmo com esse conjunto de ordenamentos, somente após ampla mobilização e acolhida dos recursos impetrados pelas Universidades e pelo INCRA, fora publicada nova decisão do TCU (Acórdão nº 3.269/10) possibilitando a participação dos movimentos sociais/sindicais no PRONERA, ainda que sob novas disposições, acatadas através do 4º Manual de Operações do Programa (BRASIL, 2011, p. 28).

Esta situação configura-se claramente como a ofensiva contra o protagonismo dos movimentos dos trabalhadores na construção de políticas educacionais que lhes dizem respeito, na forma de criminalização e desqualificação de seus representantes como sujeitos portadores de capacidade e legitimidade. Ademais, reforça as contradições existentes no próprio Estado brasileiro, já que a Constituição Federal e a própria LDB incentivam a participação da sociedade civil - ao definir que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais” (BRASIL, 1996, p. 01) – e, na prática, se erguem barreiras limitando essa participação.