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Os sujeitos, os municípios e as condições de aprendizagem

4 O PRONERA NO MARANHÃO

4.3 Os projetos do PRONERA no Maranhão: desafios da conquista

4.3.3 Os sujeitos, os municípios e as condições de aprendizagem

Nos primeiros anos de funcionamento, o PRONERA tivera por público beneficiário os “[...] trabalhadores(as) rurais jovens e adultos dos assentamentos de Reforma Agrária, agentes comunitários locais e alunos(as) universitários(as)” (BRASIL, 1998, p. 11). Mas à medida que o próprio MDA/INCRA vai tendo as suas atribuições ampliadas, o Programa também passa a atender a um público mais amplo e bastante diversificado, contemplando na atualidade a população quilombola e os acampados.

Embora não tenha sido possível definir um perfil detalhado dos alunos, pois esta é uma lacuna presente nos processos arquivados na Superintendência Regional do INCRA, onde se identificou esta informação pode-se constatar que as características dos educandos variam especialmente em decorrência do nível de ensino frequentado.

Nos cursos de Educação de Jovens e Adultos (séries iniciais) os educandos são, em sua maioria, do sexo feminino e com mais de 40 anos, havendo também um considerável número de idosos. Muitos se situam na média nacional identificada da população rural com apenas 3,3 anos de estudos, podendo ser considerados em situação de analfabetismo funcional, buscando resgatar a dignidade, a autonomia e elevar a autoestima, conforme depoimentos inseridos nos relatórios de acompanhamento dos cursos.

Já o alunado do Ensino Médio, Superior e Pós-graduação possui faixa etária mais jovem, como foi possível verificar no Curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra84, onde o maior grupo etário dos educandos é composto por pessoas com idades entre 26 e 35 anos.

Quanto aos municípios beneficiados, observa-se predomínio de oferta nas áreas de maior atuação dos movimentos sociais e sindicais demandantes, não existindo uma cobertura ampla em todo o estado, o que indica um atendimento

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Processo INCRA n° 54230004991/2007-08. Parceria:

restrito, em resposta às pressões dos trabalhadores. As regiões da Baixada Oriental, Baixo Parnaíba, Médio Mearim, Região Tocantina e Região dos Cocais foram as mais beneficiadas do Maranhão.

Nos projetos de EJA, os cursos são implantados visando o atendimento simultâneo a vários municípios, chegando a atender, em um único projeto, mais de 1000 educandos em salas de aula instaladas nos próprios assentamentos de Reforma Agrária, que funcionam no período noturno. Apenas nesta modalidade já foram implantadas turmas em cerca de 160 municípios maranhenses, estimativa obtida pelo simples somatório do local de funcionamento dos cursos, sem considerarmos os casos recorrentes de municípios atendidos por mais de um projeto.

Já nas ações de nível Médio, Superior e Pós-graduação, a dinâmica de funcionamento do Programa é diferente em decorrência do regime de alternância, onde alunos isolados ou grupos de estudantes de diversos municípios do Maranhão, e até mesmo de outras unidades da Federação, se reúnem nos polos de escolarização para as etapas do Tempo Escola. Esta característica dificulta a análise do alcance do Programa por município, levando inclusive a superestimar o seu atendimento.

No estado do Maranhão, pelo simples somatório do local de origem dos educandos, infere-se que alunos de 120 municípios tenham participado dos cursos, ainda que o número de beneficiados, por município, possa ser bem reduzido e que haja a ocorrência de repetições de beneficiários, a exemplo de vários educandos que cursaram Magistério e, posteriormente, ingressaram no curso de Licenciatura em Pedagogia da Terra.

No que se refere às condições de aprendizagem, estas variam de acordo com o curso ofertado e com a estrutura física existente nos municípios e povoados, já que o PRONERA não dispõe de recursos para a construção ou reforma de prédios escolares, cabendo às instituições de ensino, indicar o espaço físico e as demais condições de infraestrutura necessárias para o desenvolvimento dos projetos.

Nos cursos de EJA, pelas características do seu público específico, as turmas devem ser implantadas o mais próximo possível da comunidade e, por carência de uma rede escolar ampla e com estrutura adequada no campo, fora, e

ainda é bastante comum que as aulas aconteçam em espaços alternativos e, por vezes, até inadequados para o desenvolvimento de um processo pedagógico de qualidade, com ausência das condições básicas: energia elétrica, água, carteiras, biblioteca, banheiros etc.

Análise da coordenadora-geral do “Projeto de Educação em Assentamentos e Áreas de Reforma Agrária no estado do Maranhão85”, desenvolvido pela UFMA com o aporte financeiro do PRONERA entre os anos de 1999 a 2003, confirma esta visão:

No que se refere às condições infra-estruturais, enfrentou-se problemas graves, pois a maioria dos assentamentos onde iriam funcionar as turmas de alfabetização não ofereciam as condições necessárias. Na maioria destes não existia e não existe até hoje energia elétrica, estrada, prédio escolar, carteiras, quadro negro. Neste sentido, foi necessária a aquisição de um material mínimo como lampiões e quadro negro, para que as turmas funcionassem. A falta de prédio escolar foi “solucionada” com a construção de barracões e a falta de carteiras, com a improvisação de bancos e mesas. No entanto, sabe-se que estas alternativas não solucionam o problema de fato, pois acredita-se que não se faz educação de qualidade em tais condições[...]. (RELATÓRIO FINAL, 2001, p. 15)

Todavia, parece relevante destacar que existem nos relatórios avaliativos dos cursos observações afirmando que devido à faixa etária atendida (com ampla maioria de adultos e idosos), há casos onde mesmo existindo na região um prédio escolar, a comunidade opta por um local mais próximo e de fácil acesso para a realização das aulas, alegando as más condições das estradas, a escuridão dos caminhos, o período de chuvas e o cansaço do longo dia de trabalho. Existem também referências à preferência por espaços mais tranquilos, sem a presença e o barulho dos mais jovens.

Deste modo, buscando articular a escola com a realidade dos alunos, considerando não apenas as questões pedagógicas, mas as condições de acesso, as experiências e vivências laborais, utilizava-se um espaço indicado, ou até mesmo construído pela comunidade, contemplando suas especificidades e necessidades.

O relatório final do projeto “Centro de Educação de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária”, implantado no ano de 2003 através do IFMA (CEFET), apresenta uma detalhada caracterização da infraestrutura das salas de aula utilizadas pelo Programa.

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Tabela 6 – Exemplo de estrutura física utilizada pelo PRONERA Município N ° d e s a la s

Iluminação Móveis Sala

El é tr ic a L a m p o a g á s Q u a d ro s d e giz C a rte ir a s B a n c o s Pa d o Es c o la r Barracã o Ig re ja C a s a d e Mo n ito r A s s o c ia ç ã o Barreirinhas 15 12 03 15 10 05 10 01 04 - - Brejo 14 09 05 14 11 03 09 03 - 01 01 Chapadinha 04 04 - 04 03 01 02 02 - - - Mirinzal 05 05 - 05 05 - 04 01 - - - Matinha 04 03 01 04 04 - 03 - - 01 - Penalva 10 07 03 10 07 03 06 01 - 03 - Pinheiro 06 06 - 06 05 01 03 - - 02 01 Viana 07 04 03 07 06 01 05 - 01 - 01 Total 65 50 15 65 51 14 42 08 05 07 03

Fonte: Arquivo INCRA/Superintendência Regional do Maranhão.

Por si só, estes dados demonstram as dificuldades em que muitos educadores e educandos realizaram suas atividades e o quanto é necessário que se efetivem ações conjuntas entre as três esferas do governo para que se promova uma Educação do/no Campo, com qualidade.

Neste caso específico, a maioria das turmas foi estruturada em prédios escolares, mas ainda foram utilizados espaços improvisados, como barracões de taipa, casas de professores, sedes de sindicatos, associações de moradores ou igrejas e, mesmo tratando-se de um projeto implantado no século XXI, 15 das 65 salas de aula utilizaram lampiões à gás, enquanto que 14 delas não possuíam carteiras. Isso evidencia que as condições estruturais ainda precisam avançar, fazendo-se necessário que a sociedade civil organizada exija do poder público condições objetivas concretas para o funcionamento das escolas que assistem aos trabalhadores.

Ainda assim, numa opção de que não se pode esperar as condições ideais, não se pode aguardar pacientemente pelas mudanças, mas atuar a partir das possibilidades que podem ser criadas, trabalhar e lutar para que as transformações se concretizem no processo, os demais cursos de EJA enfrentaram uma realidade similar, o que nos remete às palavras de Gramsci (1919-1920):

[...] E vimos, em torno de nós, numerosos, espremendo-se uns aos outros em bancos desconfortáveis e no espaço restrito, esses alunos insólitos – na maior parte, não mais jovens, fora, portanto, da idade em que aprender é algo simples e natural, e ainda por cima todos cansados [...] seguir com a máxima atenção a seqüência da aula, esforçarem-se para registrá-la no papel, expressar concretamente que, entre quem fala e quem escuta, se estabelecera uma viva corrente de inteligência e simpatia. Isto não seria possível se [...] o desejo de aprender não brotasse de uma concepção de mundo que a vida mesma lhes ensinou e eles sentem a necessidade de tornar clara, para possuí-la completamente, para poder realizá-la plenamente. É uma unidade que preexiste e que o ensino pretende consolidar, é uma unidade viva que, nas escolas burguesas, em vão se procura criar.

Ao longo dos anos, segundo informações dos relatórios, aspectos importantes dessa precária estrutura física chegaram a melhorar com a ampliação do número de prédios escolares no meio rural, contendo minimamente salas de aula, carteiras, quadros de giz e energia elétrica, cuja ausência na grande maioria dos assentamentos se constituiu em um grande desafio a ser superado nos primeiros projetos implantados pelo PRONERA, levando ao uso de botijões a gás para amenizar a escuridão.

Porém, mesmo que tenham ocorrido melhorias isoladas em certos municípios, ainda não temos, no Maranhão, uma rede ampla de escolas no campo em condições adequadas de funcionamento. Ao contrário, a lógica do custo- benefício tem prevalecido, nos moldes da controversa política de nucleação e da precária estrutura física e material das escolas do campo maranhense, com seus prédios decadentes, salas multiseriadas, ausência de laboratórios, bibliotecas, quadras esportivas, equipamentos e mobiliários adequados para um espaço de formação de seres humanos. Isso indica uma insuficiente intervenção do Estado e a forte continuidade em relação à precariedade que historicamente vem marcando a educação ofertada no meio rural brasileiro.

Já nos cursos de nível Médio e Superior, as condições das estruturas físicas são mais favoráveis, pois os alunos deslocam-se dos assentamentos para os municípios polos de escolarização onde acontecem as etapas presenciais da metodologia da alternância86.

Normalmente, essas etapas são realizadas em escolas ou em imóveis cedidos pelas prefeituras municipais (como ocorre atualmente no Curso Técnico em Agroecologia desenvolvido pelo IFMA, cujas aulas são ministradas em prédios

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disponibilizados pelas prefeituras de Arame e Buriti Bravo), ou mesmo nas próprias instalações das instituições de ensino parceiras, a exemplo dos cursos Superiores de Pedagogia da Terra, que vêm acontecendo no Campus da UFMA, na cidade de Bacabal. O recém-iniciado Curso de Especialização em Residência Agrária também contou, na primeira etapa, com a estrutura administrativa, salas de aula, biblioteca, salas de informática, recursos didáticos e audiovisuais, alojamento e refeitório do Campus do IFMA/Maracanã.

No entanto, não podemos esquecer que este exemplo representa uma exceção para aquilo que, desde o início do Programa e, ainda hoje, se constitui numa fragilidade que revela a histórica precariedade e o descaso para com a escolarização dos camponeses e seus filhos: a falta de espaços educativos adequados.

Entretanto, Gramsci (1919-1920), nos lembra da força dos resistentes:

A nossa escola é viva porque vocês [...] trazem para ela sua melhor parte, aquela que o cansaço [...] não pode enfraquecer: a vontade de se tornarem melhores. Neste momento tumultuado e tempestuoso, vemos toda a superioridade da sua classe expressa no desejo que anima uma parte cada vez maior de vocês, o desejo de adquirir conhecimento, de se tornarem capazes, donos do seu pensamento e da sua ação, artífices diretos da história da sua classe.

Esta citação se coaduna com inúmeros depoimentos que constam nos relatórios, tanto de autoria da coordenação dos cursos, como dos servidores da Superintendência Regional do INCRA, retratando jovens aguerridos, conscientes da importância da educação, dispostos a superar as adversidades, denunciar as injustiças e condições adversas, pressionar o Estado pelo direito de estudar, se tornarem sujeitos de sua própria história:

Sem o PRONERA seria impossível termos o conhecimento amplo [...] O projeto é de libertação das ideologias dominantes em nosso país [...] Nós somos construtores da nossa história e podemos dar continuidade a essa luta [...] Lutar exige esperança para o momento histórico em que vivemos para que possamos nos libertar. Pensar pelo lado da esperança e da luta não é qualquer coisa, passa a ser identidade quando isso é verdadeiro [...] Não é só vestir a camisa. É se cobrir de todos os acessórios que a luta necessita, inclusive a organização da base. (Educanda do curso de Magistério, Relatório Final87, 2008, p. 43).

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II Projeto de Formação de Educadores e Educadoras em Educação do Campo no estado do

Maranhão; Processo INCRA n° 54230005058/2003-16; Parceria