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AS PEDAGOGIAS CULTURAIS E O ENSINO

No documento sylviahelenadossantosrabello (páginas 73-76)

4 PEDAGOGIAS CULTURAIS E EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE

4.1 AS PEDAGOGIAS CULTURAIS E O ENSINO

Em que pese o esforço que ainda é preciso ser feito para se alcançar avanços no ensino de sexualidade e gênero na escola, é importante destacar que não é somente a escola que educa, que constitui as pessoas como seres generizados e sexualizados, mas também, como aponta Louro (2008), isto se dá por diferentes instâncias sociais que têm estado historicamente articuladas com esse processo constitutivo como a família, a igreja, as instituições legais e médicas, o cinema, a televisão, a música, a publicidade, as revistas, a internet, através da redes sociais, sites de relacionamento e blogs, os shoppings centers, bem como as pesquisas de opinião e de consumo, entre outras. Nas palavras da autora:

As proposições e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte e acabam por constituírem-se como potentes pedagogias culturais. (LOURO, 2008, p. 18; grifo nosso).

Artefatos culturais e veículos midiáticos como estes constituem, assim, as “pedagogias culturais”, o “currículo cultural”, a “pedagogia da mídia”. A expressão “pedagogias culturais”, aplicável não apenas aos conteúdos do currículo escolar, mas também aos artefatos da cultura que circulam na sociedade é bastante apropriada, pois:

Tal como a educação, as outras instâncias culturais também são pedagógicas, também têm uma “pedagogia”, também ensinam alguma coisa. Tanto a educação quanto a cultura, em geral, estão envolvidas em processos de transformação da identidade e da subjetividade. (SILVA, T. 2009, p. 139).

Na mesma direção, Costa, Silveira e Sommer (2003) definem “currículo cultural” e “pedagogia da mídia”:

Currículo cultural diz respeito às representações de mundo, de sociedade, do eu, que a mídia e outras maquinarias produzem e colocam em circulação, o conjunto de saberes, valores, formas de ver e de conhecer que está sendo ensinado por elas. Pedagogia da mídia refere-se à prática cultural que vem sendo problematizada para ressaltar essa dimensão formativa dos artefatos de comunicação e informação na vida contemporânea, com efeitos na política cultural que ultrapassam e/ou produzem as barreiras de classe, gênero, sexual, modo de vida, etnia e tantas outras. (p. 57).

Giroux (1995) argumenta em favor de uma formação de professores/as que enfatize, entre outros aspectos, a análise dos artefatos de mídia que circulam na sociedade a fim de que se possa ampliar a compreensão do pedagógico para além da escola como espaço tradicional de aprendizagem:

O papel da cultura da mídia, incluindo o poder dos meios de comunicação de massa, com seus massivos aparatos de representação e sua mediação do conhecimento, é central para compreender como a dinâmica do poder, do privilégio e do desejo social estrutura a vida cotidiana de uma sociedade. Esta preocupação com a cultura e sua conexão com o poder precisa de um questionamento crítico da relação entre conhecimento e autoridade e dos contextos históricos e sociais que deliberadamente moldam a compreensão que os/as estudantes têm de representações do passado, do presente e do futuro. Mas se ocorreu uma mudança enorme no desenvolvimento e na recepção daquilo que conta como conhecimento, ela tem sido acompanhada por uma compreensão de como definimos e apreendemos a grande quantidade de textos eletrônicos, auditivos e visuais que se tornaram uma característica determinante da cultura da mídia e da vida cotidiana no mundo atual. (p. 90).

Assim, a escola não pode ignorar o papel pedagógico que a mídia tem na vida dos/as jovens, e de como contribui para a construção de suas subjetividades, como indica uma vasta produção científica acerca dos diferentes artefatos e suas implicações educacionais:

videogames (DÍEZ GUTIÉRREZ, 2004a; 2004b; PORTUGAL; PESSOA; TEIXEIRA, 2010),

peças publicitárias (MARQUES, Fernando, 2010; SABAT, 2001), televisão (FISCHER, 2001; 2002), cinema (CRUZ et al., 2009; FERRARI, 2009; LOURO, 2011b), sites e redes sociais (FACCHINI; MAIA, Ana; MAIA, Ari, 2004; SALES; PARAÍSO, 2011), revistas impressas voltadas ao público feminino adolescente e adulto (FISCHER, 1996; PEREIRA; ALMEIDA, Marina, 2002; RABELLO; CALDEIRA, 2010; RUBIO GIL et al., 2008; TEIXEIRA et al., 2010a; ZUCCO; MINAYO, 2009) bem como revistas endereçadas ao público masculino (SEFFNER; FIGLIUZZI, 2011).

A UNESCO (2010b, p. 18) inclui em sua proposta de programa de Educação em Sexualidade a abordagem do impacto da mídia na constituição da sexualidade e do gênero dos/as estudantes. No conceito chave “Cultura, sociedade e direitos humanos”, propõe um tópico intitulado “Sexualidade e mídia” que visa os seguintes objetivos, de acordo com os níveis etários previstos no programa: 5 a 8 anos – “identificar diferentes formas de meios de comunicação; distinguir entre exemplos da realidade e ficção (como televisão, internet)”; 9 a 12 anos – identificar exemplos de como homens e mulheres são retratados nos meios de comunicação; descrever o impacto da mídia nos valores pessoais, atitudes e comportamentos

relativos ao gênero e à sexualidade”; 12 a 15 anos: “identificar imagens irrealistas nos meios de comunicação de massa referentes à sexualidade e relacionamentos sexuais; descrever o impacto dessas imagens sobre estereótipos de gênero” e 15 a 18 anos – “determinar criticamente a influência potencial de mensagens da mídia sobre a sexualidade e os relacionamentos sexuais; identificar formas como a mídia poderia dar uma contribuição positiva para a promoção de um comportamento sexual mais seguro e da igualdade de gênero”. Esta proposição reforça a necessidade de uma articulação da escola com a leitura crítica das pedagogias culturais, não se descurando da “influência dos media na construção de identidades hegemónicas e na adoção de atitudes sexistas e homofóbicas” (TEIXEIRA; MARQUES, Fernando, 2012, p. 16).

Em relação às revistas impressas, há uma enorme variedade de títulos voltados aos diversos segmentos da população que abordam questões relacionadas à sexualidade e gênero. Desde revistas de divulgação científica, passando pelas revistas para mulheres e para homens (adultos/as, adolescentes e crianças), até em jornais de grande circulação, há uma verdadeira explosão de discursos sobre o sexo (FOUCAULT, 1999), uma variedade de “lições” aptas a ensinar às pessoas como viver a sexualidade e como aprender a ser mulher e homem. Além disso, esses artefatos não veiculam somente pontos de vista produzidos pelo senso comum, como se poderia supor, já que não são textos produzidos com a intenção de ensinar e nem de serem utilizados em escolas.

Nas revistas de divulgação científica, sobretudo na área das neurociências, é o próprio discurso científico que, de maneira explícita, embasa os saberes veiculados. Trópia (2008) observa que, por vezes, no intuito de aproximar o/a leitor/a leigo/a dos conteúdos de neurociência que pretende divulgar, os/as autores/as de divulgação científica terminam por passar uma visão determinista dessa área do conhecimento, levando a uma simplificação do objeto da neurociência:

Nessa perspectiva, o comportamento humano vê-se privado de sua historicidade, contexto social e cultural, se submetendo a aspectos determinantes que unem diretamente mecanismos neurogenéticos, neuroendócrinos aos indivíduos. Assim, restringe-se o comportamento humano a interações moleculares, deduzindo, por exemplo, comportamentos violentos pela presença de “genes violentos”, o que silencia outros aspectos não relacionados à constituição molecular, mas inseridos na complexidade do ser humano. (TRÓPIA, 2008, p. 3).

Araujo e Batisteti (2009) demonstram sua preocupação com o uso de textos de divulgação científica no ensino, mesmo considerando seus aspectos positivos como propiciar

a abordagem de temas de interesse do/as estudantes, que alimentam debates na sociedade e que geralmente não estão inseridos nos livros didáticos. Entretanto, elas ressalvam:

Há que se ter critério na seleção dos artigos de revistas e jornais que pretende utilizar, pois não são raros aqueles que apresentam conteúdos com uma postura muitas vezes alarmista sobre determinado tema ou com distorções conceituais que comprometem o aprendizado do aluno. (p. 148).

Concordando com as autoras, acrescento uma preocupação, já referida acima, referente à visão de ciência que é veiculada pela pedagogia da mídia, tanto nos artefatos de divulgação científica como naquelas que se destinam a mero entretenimento. Pois, também em revistas para adolescentes é possível perceber ecos do discurso científico em textos redigidos por um/a jornalista a partir de uma consultoria especializada de um/a médico/a ou de um/a psicólogo/a. E, ao fazer isto, a revista utiliza o argumento de autoridade da ciência como estratégia de persuasão do/a leitor/a, exatamente na perspectiva da visão de ciência como verdade certa, determinada, infalível, imutável ao longo do tempo (CLÉMENT, 2004; MAGALHÃES; RIBEIRO, Paula, 2009).

Acredito que é papel da escola, se pretende formar estudantes críticos/as, “mais ativos/as, competentes e motivados/as para se envolverem em processos de transformação social” (KELLNER, 1995, p. 107), trazer também tais artefatos da cultura para a sala de aula, propondo sua discussão e problematização.

Neste Capítulo, apresento algumas análises de pedagogias culturais – nomeadamente artigos e reportagens sobre sexualidade e gênero presentes em revistas de divulgação científica e revistas e voltadas para o público jovem, sobretudo feminino. As análises foram empreendidas buscando identificar que abordagens são privilegiadas em tais artefatos, a fim de refletir sobre as implicações de seu uso no contexto de ensino. As análises basearam-se na concepção tridimensional do discurso que leva em conta o texto, a prática discursiva e a prática social, considerando, para além dos aspectos linguísticos presentes, as suas formas de produção, consumo e distribuição, assumindo que os discursos refletem, constituem e são constituídos pelas relações sociais (FAIRCLOUGH, 2001).

No documento sylviahelenadossantosrabello (páginas 73-76)