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CARACTERIZAÇÃO GERAL DA PESQUISA

No documento sylviahelenadossantosrabello (páginas 109-114)

5 METODOLOGIA DA PESQUISA

5.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA PESQUISA

A natureza desta pesquisa impôs que se realizasse uma investigação de índole qualitativa. Questões de sexualidade e de gênero possuem forte conotação idiossincrática, aliado ao interesse em analisar interações em sala de aula, tornou a subjetividade uma característica inerente ao presente estudo. Para Flick (2009), na pesquisa qualitativa, “a subjetividade do pesquisador, bem como daqueles que estão sendo estudados, tornam-se parte do processo de pesquisa” (p. 25). Além desta, outras características atribuídas a esta modalidade de pesquisa subsidiaram o processo ora relatado: a fonte direta de dados é o ambiente natural, o que exige do pesquisador um contato direto com a situação investigada; a ênfase do pesquisador recai sobre a descrição dos dados coletados, buscando melhor compreender o fenômeno em estudo em sua diversidade e riqueza; o pesquisador interessa-se mais pelos processos do que simplesmente pelos resultados ou produtos (BOGDAN; BIKLEN, 1982).

Embora de natureza contrastante, a análise de dados em pesquisa qualitativa utiliza tanto a indução quanto a dedução. Gibbs (2009, p.19-20) assevera que, no primeiro caso, busca-se “a produção e a justificação de uma explicação geral com base no acúmulo de grandes quantidades de circunstâncias específicas, mas semelhantes”. No segundo caso, ao contrário, “uma situação é explicada partindo-se de um enunciado sobre as circunstâncias”. A pesquisa indutiva desenvolve conceitos e teorias “junto com a coleta de dados, para produzir e justificar novas generalizações e, assim, criar novos conhecimentos e visões”. Mas, como afirma o autor, é inevitável a presença de pressupostos, ideias e conceitos a priori, o que faz com que também ocorra dedução, isto é, a “elaboração de explicações particulares a partir de teorias gerais” além de considerar “se as circunstâncias que observam realmente são consistentes”.

Tendo como objeto de estudo a Educação em Sexualidade, o objeto de investigação se circunscreveu a sexualidade e ao gênero, que foi analisado junto a uma turma de alunos/as do 9º ano ensino fundamental, ao longo de um trimestre letivo, em um curso sobre essa temática, em que atuei como a professora da turma.

Segundo Angrosino (2009), minha atuação como pesquisadora se deu como participante, uma vez que estava completamente integrada ao grupo, mas também como

observadora, uma vez que todos/as reconheciam minhas atividades de pesquisa, estratégia denominada de observação participante.

Para Flick (2009), a observação participante implica a imersão do pesquisador no campo, “que observará a partir de uma perspectiva de membro, mas deverá, também, influenciar o que é observado graças a sua participação” (p. 207), o que certamente ocorreu, já que fui a responsável pelo planejamento e condução das aulas durante todo o processo da pesquisa.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” (ANEXO D).

Cerca de dez dias antes do início das aulas na turma do Módulo, e de posse da lista de estudantes inscritos/as, que foi obtida junto à Secretaria da escola, fui a cada uma das três turmas de 9º ano e distribuí duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (APÊNDICE A) aos/às estudantes matriculados/as. Expliquei aos/às estudantes os objetivos da pesquisa e os motivos para a assinatura do documento, solicitando que o levassem até seus/suas responsáveis. Solicitei que, em caso de concordância com a participação, trouxessem uma via do TCLE assinada por um/a dos/as responsáveis até o primeiro dia de aula do Módulo, indicando que a outra via deveria ficar em posse dos/as responsáveis. Enfatizei que me colocava à disposição para maiores esclarecimentos, sempre que necessário, inclusive de seus/suas responsáveis, indicando os telefones para contato e horários disponíveis para atendimento individualizado. Tanto os/as estudantes como seus/suas responsáveis concordaram com a participação dos/as alunos/as na pesquisa, não tendo havido qualquer recusa à assinatura do TCLE. Também não houve solicitação de esclarecimento adicional por parte de nenhum dos/as participantes ou de seus/suas responsáveis.

Os dados coletados foram oriundos das interações em sala de aula, além de textos e documentos produzidos e/ou utilizados nas aulas. A diversificação dos procedimentos para a coleta dos dados visou trazer um maior grau de confiabilidade quando da análise dos mesmos (FLICK, 2009).

As aulas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas, o que resultou um grande volume de dados. Utilizei dois gravadores, um digital e outro analógico, que ficavam posicionados em locais diferentes. O digital, de maior alcance, ficava sobre uma das mesas da sala de aula e o analógico ficava em uma pequena bolsa afixada em minha cintura. O procedimento visou evitar perda de material coletado em função de eventual mau funcionamento de algum dos equipamentos. Percebi, ao longo das aulas, que os/as alunos/as

foram, aos poucos, se acostumando com a presença do gravador, e, após algumas aulas, pareceu mesmo terem se esquecido de sua existência.

O conjunto de dados obtido a partir das transcrições encontra-se em minha posse, mas, em virtude do posicionamento pessoal, por vezes assumido pelos/as alunos/as durante as aulas, e frente a necessidade de preservar a privacidade das informações, tal como afirmado no TCLE, optei por não divulgá-lo na íntegra neste texto.

Após cada aula, registrava no caderno de campo as situações e impressões que julgava serem relevantes para a pesquisa. Embora fosse desejável realizar as anotações imediatamente após cada situação ocorrida, não era viável interromper a aula para proceder ao registro no exato momento em que ela acontecia (FLICK, 2009). Tais anotações diziam respeito às ideias manifestadas por determinado/a aluno/a, reflexões da pesquisadora sobre o andamento das aulas em relação à pesquisa, descrição de situações não verbais que o gravador não captava, ocorrências relacionadas à pesquisa, mas que ocorreram fora do horário das aulas etc. Esses registros foram fundamentais para, além de documentar o desenvolvimento das ações planejadas, permitir uma reflexão sobre o processo da pesquisa (FLICK, 2009). Também foram importantes para complementar o processo de transcrição, por exemplo, quando o ruído do ambiente da sala de aula não permitia identificar o/a emissor/a de alguma fala.

Os materiais originados da pesquisa de campo foram processadas segundo a análise de conteúdo (ANGROSINO, 2009; BARDIN, 1988; FLICK, 2009; GIBBS, 2009; MORAES, 1999). Segundo Bardin (1988), em linhas gerais, “a análise de conteúdo aparece como um

conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens” (p. 38; grifo da autora). Para Moraes

(1999), “a análise de conteúdo possibilita o atendimento de inúmeras necessidades de pesquisadores envolvidos na análise de dados de comunicação, especialmente aqueles voltados a uma abordagem qualitativa” (p. 15).

Foram considerados para análise tanto os dados obtidos junto a textos e atividades escritas realizadas pelos/as estudantes, mais estáveis e categorizáveis, como trechos de episódios recortados da interação em sala de aula. Neste último caso, a opção se deu pelo entendimento de que a redução do material, inerente ao processo de categorização (BARDIN, 1988; FLICK, 2009), não permitiria conservar a dinâmica do debate ocorrido na turma, cujos discursos mostraram-se ricos em representações sobre o tema em estudo.

Em que pese ser possível perseguirem-se objetivos outros com este procedimento, a análise de conteúdo aqui empreendida concentrou-se nos “significados” (BARDIN, 1988, p. 34) das mensagens, buscando identificar “seu valor informacional, as palavras, argumentos e

idéias nelas expressos (MORAES, 1999, p. 5), constituindo-se, portanto, em uma “análise temática” (BARDIN, 1988, p. 34; MORAES, 1999, p. 5).

A análise de conteúdo desenvolvida nesta pesquisa perpassou todas as suas fases ou etapas, descritas pelos/as autores/as da área de diferentes maneiras, mas que podem ser assim sintetizadas: “1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (BARDIN, 1988, p. 95).

A “leitura ‘flutuante’” e exaustiva do material disponível, que “consiste em estabelecer contacto com os documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 1988, p. 96), permitiu a emergência de hipóteses e a verificação de relação com os objetivos propostos na pesquisa, bem como a identificação e seleção dos trechos a serem analisados. Além disso, durante as leituras do material, fui procedendo à codificação, utilizando uma determinada cor sempre que um mesmo tema era explicitado na mensagem analisada, o que permitiu recortar o texto em diversas unidades de registro, relacionando-as com suas respectivas unidades de contexto, a fim de “compreender a significação exacta da unidade de registro” (BARDIN, 1988, p. 107). Tais procedimentos serviram de base para a posterior construção das categorias de análise.

Num primeiro momento utilizei tanto categorias estabelecidas a priori, levantadas a partir da questão de pesquisa, como categorias originárias da revisão de literatura da área. Após a leitura e releitura dos materiais, porém, novas categorias emergiram, levando a uma reorganização das mesmas. Comentando sobre a diversidade de meios de se proceder à codificação e categorização do material empírico na pesquisa qualitativa, e sobre qual seria a melhor alternativa, Gibbs (2009) ressalta que:

As categorias ou conceitos que os códigos representam podem vir da literatura de pesquisa, de estudos anteriores, de tópicos no roteiro da entrevista, de percepções sobre o que está acontecendo e assim por diante. [...] O oposto de começar com uma lista de códigos é começar sem nenhum. Essa abordagem geralmente é chamada de codificação aberta, talvez porque se tente fazê-la com a mente aberta. É claro que ninguém inicia absolutamente sem ideias. [Mas] pode-se tentar, na medida do possível, não começar com visões preconcebidas. [...] A questão é que, na medida do possível, deve-se tentar tirar dos dados o que de fato significam, e não impor uma interpretação com base em teorias preexistentes. (p. 67-68).

Procedi também a uma análise documental de materiais de outras fontes que apresentaram alguma relação com as aulas ou com a discussão teórica da pesquisa. Documentos são “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de

informação sobre o comportamento humano” (PHILLIPS, 1974 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38)28. Indo além, Prior (2003 apud FLICK, 2009, p. 236)29 afirma que até fotografias e filmes podem ser considerados como “documentos de práticas ou de atividades”. Os documentos utilizados foram atividades propostas e produções escritas realizadas pelos/as alunos/as, materiais utilizados nas oficinas pedagógicas, instrumento de avaliação do curso, entre outros.

Os dados coletados foram interpretados frente a referenciais teóricos relativos à Educação em Sexualidade, Educação para a Ciência, Estudos de Gênero, Estudos Feministas, Estudos Culturais e Pedagogias Culturais.

A estruturação e a normalização do presente texto basearam-se em normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2011), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, 2010a; 2010b) e nas recomendações do Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru. Cumpre esclarecer, entretanto, que utilizo marcadores de gênero na escrita por entender que essa pode ser uma maneira de favorecer a democratização do discurso, mitigando “desigualdades e assimetrias dos direitos, das obrigações e do prestígio discursivo e linguístico dos grupos de pessoas” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 248).

A assunção das duas funções – de professora e de pesquisadora, não implicou confundi-los e nem tomar os procedimentos de ensino como aqueles que são próprios de uma investigação científica. A pesquisa, quando realizada pelo/a próprio/a professor/a a partir de temas de seu real interesse, aponta para a superação de uma visão impregnada pela racionalidade técnica, em que não são valorizadas as capacidades docentes de deliberação e reflexão, abrindo novas perspectivas não apenas no campo da produção de conhecimento, mas também no processo de formação do/a professor/a que a realiza, com potencial repercussão na qualidade do ensino (FRANCO; VIEIRA; RABELLO, 2011). Ao investigar questões atinentes à função de ensinar e presentes em seu cotidiano, o/a professor/a da escola básica pode contribuir para a produção de um conhecimento novo, na área do ensino, rompendo com a ideia de professor/a como mero reprodutor/a de conhecimentos produzidos na academia (ANDRÉ, 2001; BEILLEROT, 2001; LÜDKE; CRUZ; BOING, 2009; PONTE, 2004; VILLANI; FREITAS, D.; BRASILIS, 2009; ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005).

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PHILLIPS, Bernard S. Pesquisa social. Rio de Janeiro: Agir, 1974.

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